quinta-feira, novembro 26, 2015

Cesariny foi-se embora há nove anos...

Mário Cesariny de Vasconcelos (Lisboa, 9 de agosto de 1923 - Lisboa, 26 de novembro de 2006) foi poeta e pintor, considerado o principal representante do surrealismo português. É de destacar também o seu trabalho de antologista, compilador e historiador (polémico) das actividades surrealistas em Portugal.

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Na década de 1950, Cesariny dedica-se à pintura, mas também, e sobretudo, à poesia, que escreve nos cafés. Tem colaboração na revista Pirâmide (1959-1960). O seu editor é Luiz Pacheco, com quem mais tarde (nos anos 70) se incompatibilizaria por completo. É também durante esse período que começa a ser incomodado e a ser vigiado pela Polícia Judiciária, por "suspeita de vagabundagem", obrigado a humilhantes apresentações e interrogatórios regulares, devido à sua homossexualidade, que vivencia diariamente, de modo franco e destemido. Só a partir de 25 de Abril de 1974 deixará de ser perseguido e atormentado pela polícia.
Cesariny vivia com dificuldades financeiras, ajudado pela família. Apesar da excelência da sua escrita, esta não o sustentava financeiramente e Cesariny, a partir de meados dos anos 60, acabaria por se dedicar por inteiro à pintura, como modo de subsistência.
A partir da década de 1980, a obra poética de Cesariny é reeditada pelo editor Manuel Hermínio Monteiro e redescoberta por uma nova geração de leitores.
Nos últimos anos da sua vida, Cesariny viveu com a sua irmã mais velha, Henriette (falecida em 2004), num apartamento na Rua de Basílio Teles, 6 - 3º, em Campolide, Lisboa. Ao contrário do que acontecia anteriormente, abriu-se aos meios de comunicação, dando frequentes entrevistas e falando sobre a sua vida íntima. Em 2004, Miguel Gonçalves Mendes realizou o documentário Autografia, filme intenso e comovente onde Cesariny se expõe e revela de modo total.
Mário Cesariny morreu em 26 de novembro de 2006, às 22.30 horas, de cancro da próstata, de que sofria havia anos. Foi sepultado no Talhão dos Artistas do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Doou em vida o seu espólio à Fundação Cupertino de Miranda e, por testamento, deixou um milhão de euros à Casa Pia.


Ao longo da muralha

Ao longo da muralha que habitamos
Há palavras de vida há palavras de morte
Há palavras imensas,que esperam por nós
E outras frágeis,que deixaram de esperar
Há palavras acesas como barcos
E há palavras homens,palavras que guardam
O seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras,surdamente,
As mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras e nocturnas palavras gemidos
Palavras que nos sobem ilegíveis À boca
Palavras diamantes palavras nunca escritas
Palavras impossíveis de escrever
Por não termos connosco cordas de violinos
Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
E os braços dos amantes escrevem muito alto
Muito além da azul onde oxidados morrem
Palavras maternais só sombra só soluço
Só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
E entre nós e as palavras, o nosso dever falar.

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