O Brasil não tem as cores da bandeira francesa por causa da lama de Minas Gerais
Kathleen Gomes (no Rio de Janeiro)
16.11.2015
A povoação de Bento Rodrigues depois da ruptura da barragem
Dilma e a imprensa demoraram a chegar a um dos maiores desastres ambientais da História do Brasil. Começou há 11 dias, pode durar décadas.
Quando o Cristo Redentor e o Palácio do Planalto se acendem à noite
com as cores da bandeira francesa e Paris domina os noticiários, muitos
brasileiros perguntam: e Mariana? A ruptura de duas barragens no estado de Minas Gerais há 11 dias
provocou um dos maiores desastres ambientais da História do Brasil, mas
quem olhasse ontem para as bancas de jornais ou assistisse ao
telejornal da Globonews no domingo à noite não iria encontrar nada sobre
o assunto. Uma frase tornou-se popular no Facebook brasileiro: “Minha
foto do perfil não tem cores da bandeira de França devido a lama de
Minas Gerais”.
Tratada inicialmente como uma tragédia de impacto
meramente local, que soterrou uma comunidade rural de 600 habitantes,
Bento Rodrigues, a enxurrada de lama, resíduos de minério e químicos –
com um volume equivalente a 25 mil piscinas olímpicas – segue o seu
percurso lento, mas imparável, no Rio Doce. A quinta maior bacia
hidrográfica do Brasil já foi declarada oficialmente morta por
ambientalistas e biólogos.
Poucos prestaram real atenção ao que
estava a acontecer, antes da mancha de lama alastrar a centenas de
quilómetros e antes dos vídeos de peixes a morrer numa sopa de lama e
detritos circularem nas redes sociais. Boa parte da imprensa demorou em
reagir e enviar repórteres para a região. A empresa mineira que
administrava as duas barragens de Mariana, utilizadas para depositar os
resíduos produzidos no tratamento e limpeza do minério de ferro, não
ofereceu muitas explicações sobre as rupturas, apesar dos indícios de
negligência, como a inexistência de um sistema de alerta das populações
próximas das barragens, divulgadas na imprensa. Os políticos locais e
regionais relativizaram inicialmente o sucedido, escudando-se de apontar
responsabilidades à empresa mineira Samarco, que chegou a ser
classificada como uma “vítima” do acidente por um representante do
governo de Minas Gerais.
A Presidente Dilma Rousseff limitou-se a
fazer algumas declarações de solidariedade e apoio no Twitter um dia
depois da ruptura das barragens e foi cumprindo a sua agenda habitual em
Brasília. Depois das críticas se avolumarem, Dilma visitou a região
afectada na quinta-feira, uma semana depois da ruptura das barragens,
mas apenas sobrevoou de helicóptero. Não se encontrou com as vítimas
mais directamente atingidas pelo desastre.
“Foi muito ruim ela não
ter descido”, diz ao PÚBLICO Alexandra Sandra Maranho, moradora de
Mariana e coordenadora do Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB) em
Minas Gerais, uma organização histórica de génese popular destinada a
representar e defender os direitos das populações adjacentes a
barragens. “Ela deveria ter visitado as famílias” desalojadas pela
inundação de lama, “deveria ter mostrado esse lado humano”, diz por
telefone.
O MAB opera como porta-voz e negociador popular junto do
poder político e das empresas mineiras. “Esses processos são muito
delicados, porque deixam uma comunidade pobre diante de uma empresa
muito grande, muito poderosa. A empresa procura sempre negociar com as
famílias separadamente. O que a gente cobra do governo federal e
estadual é que cuidem para que esses processos sejam feitos
colectivamente, com a participação das famílias, e que não apliquem uma
receita pronta”, explica Alexandra Maranho. “A empresa tem muita pressa
em fazer as coisas. Quer logo resolver tudo para dizer que fez."
Alexandra
Sandra Maranho encontrou-se com Dilma em Belo Horizonte na quinta-feira
de manhã para apresentar as preocupações e necessidades das 183
famílias – num total de 631 pessoas – que estão realojadas em hotéis e
pousadas de Mariana. Elas querem que a Samarco garanta o seu
realojamento provisório, uma renda mensal e apresente um plano para
reconstruir e manter a comunidade agregada. A Samarco tem feito
propostas individuais de realojamento, “mas não tem uma metodologia de
agrupamento”, no sentido de manter a comunidade unida. “Não tem como
reconstruir a comunidade de Bento Rodrigues naquele lugar”, diz.
Na
manhã da sua visita a Minas Gerais, Dilma Rousseff disse ter
presenciado “talvez o maior desastre ambiental que afectou grandes
regiões no país" e anunciou a aplicação de uma multa à Samarco no valor
de 250 milhões de reais (60,8 milhões de euros).
Apesar de a Samarco anunciar desde o primeiro dia que a lama não é
tóxica, análises laboratoriais das águas do Rio Doce detectaram a
presença de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre e
mercúrio. “O Rio Doce acabou. Parece que atiraram a tabela periódica
inteira” para dentro do rio, disse Luciano Magalhães, director do
Serviço Autónomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guandu, município no
estado de Espírito Santo que declarou o estado de calamidade pública e
que, como tantas outras localidades dependentes do Rio Doce, teve de
suspender a distribuição de água potável à população.
O impacto
ambiental do desastre ainda é incalculável, alertam biólogos, e pode
demorar décadas até a biodiversidade e a fertilidade dos solos atingidos
ser reposta. Alguns cientistas têm notado que, independentemente de ser
tóxica ou não, a lama altera a profundidade e a largura do rio e reduz
os níveis de oxigénio na água, afectando a reprodução e alimentação dos
peixes. O último balanço oficial do Corpo de Bombeiros Militar de Minas
Gerais, fornecido ao PÚBLICO, é de sete mortos confirmados e 15 pessoas
desaparecidas – nove são trabalhadores ligados à Samarco, seis são
moradores de Bento Rodrigues, incluindo uma menina de quatro anos. Foram
encontrados quatro corpos, mais aguardam identificação.
As causas da ruptura das barragens ainda estão por apurar. Segundo a revista Época,
há já três anos que as barragens não eram inspeccionadas pela entidade
pública responsável pela fiscalização das empresas e equipamentos
mineiros, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O DNPM não
exige que as empresas emitam relatórios anuais sobre a segurança das
suas barragens. E no estado de Minas Gerais existem apenas oito
inspectores para 735 barragens.
“A fiscalização fica a cargo da
empresa, que por sua vez contrata consultores externos. Isso tem uma
vantagem e uma desvantagem. Vantagem: contrata-se um especialista que
percebe do assunto. Desvantagem: a informação sobre a barragem perde-se
ao longo do tempo, de cada vez que vai um especialista externo
diferente”, diz ao PÚBLICO Anderson Pires Duarte, professor de
engenharia de segurança no trabalho em Belo Horizonte. “Uma barragem não
rompe de um dia para o outro. Ela apresenta sinais. Se você monitorizar
constantemente, você vai conhecer essa barragem e perceber se há
mudanças – de inclinação, fendas, infiltração, crescimento de vegetação,
etc.”
Entre 2006 e 2008, Anderson analisou 123 barragens de Minas
Gerais para uma investigação de mestrado e calculou que 30% tinham um
potencial elevado de ruptura. Contudo, nenhuma delas estava classificada
como tal pelo órgão ambiental de Minas Gerais. Apesar de não poder
confirmar se as barragens de Mariana que se romperam estavam incluídas
nesses 30% por ter assinado um acordo de confidencialidade em que se
comprometeu a não identificar as barragens analisadas, o engenheiro diz
que “pelo porte, volume e altura, e pelo facto de terem população a
jusante, automaticamente se classificam nesse grupo de alto risco”.
1 comentário:
Ainda não tinha lido um artigo tão completo quanto este, até aqui era mais a descrição de um acidente e não de ser também um crime e desastre ambiental. Vou replicar no face.
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