quinta-feira, junho 10, 2010

Mota Amaral e a mulher do bispo de Worcester

Publicamos, com a devida vénia, o seguinte post, roubado ao Blog De Rerum Natura:


Para quem não leu o texto do professor de Física José Dias Urbano no "Público" do passado dia 24 de Maio, aqui fica o essencial:

"O despacho do dr. Mota Amaral que proíbe a Comissão de Inquéritos a que preside de usar os documentos que lhe foram enviados por autoridades judiciais competentes é, à primeira vista, incompreensível e insensato. De facto, numa só penada o dr. Mota Amaral contribuiu para desprestigiar não só o sistema judiciário, mas também a Assembleia da República.

Desprestigiou o sistema judiciário porque transmitiu ao país a ideia de que há juízes e procuradores que não se coíbem de praticar actos ilegais que ferem direitos fundamentais dos cidadãos, consignados na Constituição da República. Desprestigiou a Assembleia da República porque a impede de usar meios que são considerados por quem os enviou como essenciais para se chegar à verdade, transformando desse modo a Comissão de Inquérito em mais um espectáculo mediático sem outras consequências que não sejam a de mostrar aos cidadãos que os deputados gostam de perder tempo em tarefas inúteis.

Mas, pensando melhor, pode ter acontecido que, perante a gravidade da situação que se criaria se a Comissão de Inquérito chegasse à conclusão de que o primeiro-ministro tinha mentido - repare-se que isso já levou à destituição do homem mais poderoso do mundo -, o dr. Mota Amaral tenha optado por seguir a sábia atitude de prudência demonstrada pela mulher do bispo de Worcester, num dos mais célebres debates de que há memória em reuniões científicas. (...)

Tanto ele (o bispo de Worcester) como muitas outras autoridades religiosas da época (30 de Junho de 1860) achavam que o «princípio da selecção natural é absolutamente incompatível com a palavra de Deus».

Mais pragmática que os clérigos, a mulher do bispo de Worcester limitou-se a comentar: «Descender de macacos! Essa agora! Esperemos que não seja verdade! Mas se for, rezemos para que não se fique sabendo!».

Perante a gravidade da situação que se criaria se se provasse que o primeiro-ministro tinha mentido ao Parlamento, o dr. Mota Amaral deve ter-se sentido obrigado a tomar a mesma sábia atitude de prudência revelada pela mulher do bispo de Worcester:

«Termos um primeiro-ministro mentiroso?! Era o que mais faltava! Mas, se for verdade, ao menos que não se saiba». "

José Dias Urbano - in Público de 24/5/2010

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