Estamos habituados a ouvir falar e ler muito sobre a avaliação dos alunos e como, enquanto avaliadores, devemos centrar a nossa avaliação no aluno e na sua capacidade de demonstrar interesse, no desenvolvimento das competências em termos de saber fazer e tudo aquilo que formulado teoricamente dá comichão intelectual (em especial naquelas vulgatas muito simplistas das primícias de 90 com Valter Lemos como co-autor sobre “o novo modelo de avaliação” e a “pedagogia do sucesso”), mas que a grande maioria de nós pratica com naturalidade, mesmo quando protestamos com o desempenho concreto dos alunos.
O que me deixa algo confuso é que os mesmos protagonistas que defendem esse modelo de avaliação dos alunos, depois não o transpõem minimamente para o modelo de avaliação que propõem para os docentes.
Como as discussões em tono do ECD faziam prever, os docentes passarão a ser avaliados não pela forma como desenvolvem a sua actividade, mas sim pelos resultados obtidos por outrem. Se é para levar isto a sério, obviamente.
Claro que se for para nós levarmos isto da forma como o Ministério pretende, e se o artigo 9º do diploma em discussão actualmente se mantiver como está, o que se passa é um convite encapotado da tutela aos docentes para inflacionarem a avaliação dos seus alunos como forma de defenderem a sua própria avaliação e progressão na carreira.
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Pior: todo o discurso da avaliação como ferramenta formativa destinada a aperfeiçoar o desempenho do avaliado é para esquecer porque o que se pretende é que os docentes consigam elevar as estatísticas do sucesso escolar e reduzir as do abandono, caso contrário os penalizados são eles próprios.
Se é verdade que não recuso liminarmente que a avaliação de um professor também pode passar pelo desempenho/resultados dos seus alunos, não acho que esse modelo possa ser sério sem que entrem em consideração factores de ponderação óbvios como o perfil da população escolar envolvida na avaliação, tanto em termos de escola como de turma.
Porque de outro modo corremos o risco de a avaliação dos alunos ser atraiçoada pelos mecanismos de avaliação dos seus professores.
E esta não é uma consequência que se possa assacar, em boa consciência, apenas a questões de ética ou honestidade dos docentes. Porque o que está em jogo é uma chantagem da tutela sobre os docentes: ou elevam o sucesso escolar ou são vocês que pagam por isso.
O equivalente a este tipo de atitude na avaliação dos alunos seria uma espécie de regresso ao velho método das palmatoadas que as minhas professoras primárias reservavam a quem se portava mal ou que desse muitos erros nos ditados: ou acertas e fazes o que eu quero ou levas. Sendo que antigamente ainda estava em nós a possibilidade de melhorarmos o nosso desempenho.
No caso desta avaliação dos docentes, são eles que devem conseguir a melhoria do desempenho de outrem. Se derem excelentes aulas, mas os alunos não aderirem por uma qualquer razão (por vezes nem razão existe que não o mero desafio ou uma manifestação de força), isso não interessa nada. Porque será sempre o professor o principal culpabilizado.
Isto não é um modelo sério de avaliação porque é uma forma de chantagem que convida abertamente ao falseamento da avaliação dos alunos. Depois basta uns exames como o de Língua Portuguesa do 9º ano feito no passado ano lectivo e já podemos apresentar níveis de sucesso à europeia.
Não interessa se existem aprendizagens efectivas ou consolidada: desde que existam resultados e números palpáveis para mandar para a OCDE e para o Eurostat todos ficamos felizes: os alunos passam, os professores não são avaliados negativamente e o Estado português terá resultados para apresentar e para proclamar a justeza das suas reformas.
Claro que contra isso os docentes vão acabar, mais ou tarde ou mais cedo, por exercer globalmente o seu direito à resistência cívica, como pessoas e profissionais conscientes que são. Mas isso poderá vir a ter custos graves. Muito graves.
Porque há gente que não suporta o contraditório. E muito menos que lhes “desobedeçam”.
Mas também há quem não goste que lhe digam que o carreiro é estreito e só aquele, quando se sabe que no fim está o abismo.
in Blog A Educação do meu Umbigo - aqui
Setembro 21, 2007
Posted by Paulo Guinote under Avaliação, Carreira, Educação, Hipocrisias, Legislação, Números, Truques