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segunda-feira, agosto 05, 2024

O poeta Rui Lage faz hoje 49 anos

 

Rui Carlos Morais Lage (Porto, 5 de agosto de 1975) é um escritor e político português. 

 

Biografia

Rui Lage foi deputado à Assembleia da República na XV Legislatura, eleito pelo Partido Socialista no círculo eleitoral do Porto, com assento, enquanto membro efetivo, na Comissão de Assuntos Europeus e na Comissão de Ambiente e Energia. Foi vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS. É colunista do semanário Expresso, com periodicidade quinzenal. Publicou, ao longo dos anos, artigos de opinião no Público, no Jornal de Notícias e no extinto semanário Grande Porto.

Entre 2014 e 2021 foi assessor parlamentar no Parlamento Europeu.

É membro da Assembleia Municipal do Porto, pelo PS, e fez parte do Conselho Municipal de Cultura do mesmo município. Entre 2001 e 2011, integrou a direção da Fundação Eugénio de Andrade. Em 2023, foi o programador convidado e o comissário da homenagem a Manuel António Pina na Feira do Livro do Porto.

Licenciado em Estudos Portugueses e Ingleses pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, obteve, nesta mesma instituição, uma especialização em Literatura Portuguesa e Brasileira, e, em 2010, o grau de Doutor em Literaturas e Culturas Românicas - Especialidade em Literatura Portuguesa, com a tese de doutoramento "A elegia portuguesa nos séculos XX e XXI: perda, luto e desengano".

Foi investigador académico, formador, docente do ensino artístico na ACE - Academia Contemporânea do Espetáculo / Teatro do Bolhão e lecionou as cadeiras de História Cultural do Teatro I e II, na licenciatura em Artes Dramáticas da Universidade Lusófona do Porto.

É autor de vários livros nos domínios da poesia, da ficção e do ensaio. O seu livro Estrada Nacional (2016) foi distinguido com o Prémio Literário da Fundação Inês de Castro 2016 e com o Prémio Ruy Belo 2018. O seu primeiro romance, O Invisível (Gradiva, 2018), foi distinguido com o Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís 2017 e com o Prémio Autores 2019, da SPA, na categoria de melhor livro de ficção narrativa, tendo sido traduzido para castelhano, em 2020, com a chancela de La Umbría y La Solana.

É autor de ficção infanto-juvenil e de trabalhos de dramaturgia para companhias como o Ensemble – Sociedade de Atores ("Três Irmãs", de Anton Tchékhov 2021, Teatro Nacional de São João) e Astro Fingido ("O Grito dos Pavões", 2011).

Com Jorge Reis-Sá, organizou e prefaciou a antologia Poemas Portugueses: Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI (Porto Editora, 2009), a mais extensa e abrangente alguma vez publicada em Portugal. Traduziu obras de Paul Auster, Pablo Neruda, Samuel Beckett e Carl Sagan.

Em 2019 foi o romancista convidado do “European First Novel Festival”, de Budapeste, Hungria.

Escreveram sobre a sua obra ensaístas e críticos literários tais como Pedro Mexia, António Guerreiro, Maria Alzira Seixo, José Mário Silva, Arnaldo Saraiva, Osvaldo Manuel Silvestre, Diogo Vaz Pinto, Rosa Maria Martelo e Carlos Fiolhais, entre vários outros. 

 

Obras

 

Poesia

  • Antigo e Primeiro. Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2002.
  • Berçário. Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2004.
  • Revólver. Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2006.
  • Corvo. Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2008.
  • Um Arraial Português, Lisboa, Ulisseia, 2011.
  • Rio Torto, Lisboa, Língua Morta, 2014.
  • Estrada Nacional, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2016.
  • Firmamento, Lisboa, Assírio & Alvim, 2022.

 

Ficção

  • O Invisível. Lisboa, Gradiva, 2018.

 

Ensaio

  • A meta física do corpo: sobre a poesia de Valter Hugo Mãe; seguido de uma antologia. Maia, Cosmorama, 2006.
  • A presença do mistério: introdução à poesia de Manuel António Pina (ensaio e antologia comentada). Porto, Exclamação, 2022.
 
Literatura infanto-juvenil
  • Tiago e os Primos Espantam os Morcegos. Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições / Jornal de Notícias, 2005.
  • Sermão de Santo António aos peixes. 1ª ed. (adaptação). Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições / Jornal Sol, 2008; 2ª ed. 2018.

 

Organização de antologias

  • Poemas Portugueses: Antologia da Poesia Portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. (Seleção, organização, introdução e notas). Com Jorge Reis-Sá; prefácio de Vasco Graça Moura. Porto, Porto Editora, 2009.

 

Outros

  • Portugal Possível. Textos de Rui Lage e fotografias de Álvaro Domingues e Duarte Belo. Lisboa, Museu da Paisagem, 2022.
 
Prémios
  • Prémio Literário da Fundação Inês de Castro 2016.
  • Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís 2017.
  • Prémio Ruy Belo 2018.
  • Prémio Autores da Sociedade Portuguesa de Autores, 2019 - categoria de melhor livro de ficção narrativa.

 

in Wikipédia

 


O regresso dos lobos





Esqueceu a vida antes do campo;
Acolhe o estilhaço da geada
Na garganta em feitio de banco
Ou numa chávena requentada.

No teu colo deixei camisolas
E faúlhas de vários tamanhos;
Queima-se a pedra e ardem as solas
Dos teus dóceis chinelos castanhos.

O derradeiro lobo regressa
O xaile negro, o sono que tarda
A metade da cama intocada.

Debaixo do escano amuada
Estava a tua sombra escondida
Que se esgueirou da sombra da vida.




Rui Lage

domingo, julho 07, 2024

Tiveram outrora uma alma - poesia para Geopedrados...


 

Vivem ali uns tantos cujo sangue 

 

Vivem ali uns tantos cujo sangue 

é morno 

mas esfria sem demora se vertido. Incubam as crias 

por longos meses. Dão-lhes um nome,

agasalho, teta. 

Desfilam, vestidos de petroquímica, encaroçados 

em cubos metálicos que rolam no crude 

fundido, deitado sobre a terra morta. 

 

Uns quantos, desvairados escalam pináculos,

cavalgam ondas colossais. 

Outros puxam alavancas, carregam em botões, 

colectam coisas, transportam sacas, 

enchem recipientes. 

 

Confinam. Formigam. Unem margens apartadas,

passadiços sobre o vazio. Percorrem túneis, tubos,

escavam buracos, tocas; queimam sem descanso a podridão antiga, 

milhões de anos acumulada tiram dela a flama

do movimento. 

 

Tiveram outrora uma alma, ínfimo desvio 

do azul 

para o vermelho. 

 

 

in Firmamento (2022) - Rui Lage

 

 

sexta-feira, julho 07, 2023

Poesia para Geopedrados...


 

Vivem ali uns tantos cujo sangue 

 

Vivem ali uns tantos cujo sangue 

é morno 

mas esfria sem demora se vertido. Incubam as crias 

por longos meses. Dão-lhes um nome,

agasalho, teta. 

Desfilam, vestidos de petroquímica, encaroçados 

em cubos metálicos que rolam no crude 

fundido, deitado sobre a terra morta. 

 

Uns quantos, desvairados escalam pináculos,

cavalgam ondas colossais. 

Outros puxam alavancas, carregam em botões, 

colectam coisas, transportam sacas, 

enchem recipientes. 

 

Confinam. Formigam. Unem margens apartadas,

passadiços sobre o vazio. Percorrem túneis, tubos,

escavam buracos, tocas; queimam sem descanso a podridão antiga, 

milhões de anos acumulada tiram dela a flama

do movimento. 

 

Tiveram outrora uma alma, ínfimo desvio 

do azul 

para o vermelho. 

 

 

in Firmamento (2022) - Rui Lage

quinta-feira, julho 07, 2022

Poema para uns estranhos seres que são nossos leitores há 17 anos...

 

 

Vivem ali uns tantos cujo sangue 

 

Vivem ali uns tantos cujo sangue 

é morno 

mas esfria sem demora se vertido. Incubam as crias 

por longos meses. Dão-lhes um nome,

agasalho, teta. 

Desfilam, vestidos de petroquímica, encaroçados 

em cubos metálicos que rolam no crude 

fundido, deitado sobre a terra morta. 

 

Uns quantos, desvairados escalam pináculos,

cavalgam ondas colossais. 

Outros puxam alavancas, carregam em botões, 

colectam coisas, transportam sacas, 

enchem recipientes. 

 

Confinam. Formigam. Unem margens apartadas,

passadiços sobre o vazio. Percorrem túneis, tubos,

escavam buracos, tocas; queimam sem descanso a podridão antiga, 

milhões de anos acumulada tiram dela a flama

do movimento. 

 

Tiveram outrora uma alma, ínfimo desvio 

do azul 

para o vermelho. 

 

 

in Firmamento (2022) - Rui Lage

domingo, fevereiro 20, 2022

Sugestão de livro de Poesia do blog De Rerum Natura...

"O FIRMAMENTO" DE RUI LAGE: OLHAR PARA O CÉU COM OS OLHOS DA POESIA 

 

  
  
Minha recensão do último livro de poesia de Rui Lage em "As Artes entre as Letras":

Se é antiga a relação entre o céu e a poesia, não são correntes as abordagens poéticas que têm por base as modernas cosmologia e astronomia. E, no entanto, estas fornecem abundantes motivos para os vates. Foi o astrofísico e comunicador de ciência Carl Sagan que disse: «O cosmos está dentro de nós. Somos feitos da matéria das estrelas. Somos um modo de o Universo se conhecer a si próprio.» E, muito apropriadamente, o editor português do também astrofísico e comunicador Hubert Reeves decidiu intitular um seu livro com um verso de Mário de Sá Carneiro: «Um Pouco Mais de Azul».

Acaba de sair um livro que, na boa tradição de António Gedeão e de Vitorino Nemésio, não só casa a ciência com a poesia como busca a inspiração nas últimas notícias do céu, isto é, em Sagan e em Reeves. O título é Firmamento, o autor é Rui Lage (n. Porto, 1975) e a chancela é da Assírio & Alvim. Fiquei pasmado a cada poema que ia lendo, ao aperceber-me não só da amplitude de conhecimentos científicos do autor como da sua capacidade de os metamorfosear para um registo poético. Confesso que não conhecia a poesia do autor, pois só tinha lido o seu romance de estreia O Invisível (Gradiva, 2019; Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís 2017), que descreve fantásticas aventuras de Fernando Pessoa na serra do Alvão. Verifiquei agora que ele é o autor de um livro de poesia premiado: Estrada Nacional (Imprensa Nacional, 2016; vencedor dos prémios Inês de Castro e Ruy Belo 2016). Além disso, escreveu um ensaio na Imprensa da Universidade de Coimbra sobre Manuel António Pina e foi co-autor com Jorge Reis-Sá da antologia Poemas portugueses. Antologia de poemas portugueses do séc. XIII ao séc. XXI (Porto Editora, 2010). E traduziu livros de poesia e as Conversas com Carl Sagan (de Tom Head, Quási, 2007).

Percebi logo que Rui Lage está bem informado sobre a física do Big Bang, das estrelas e galáxias, dos planetas e dos exoplanetas e ainda da astronáutica. «Canto aleatório», o primeiro poema de Firmamento (a primeira parte do livro dá o título ao livro, havendo mais duas, «Ciência futura da vida» e «Ode Lunar»), fala do Big Bang, vindo do nada ou vai-se lá saber de onde: «Eu canto as flutuações de densidade,/ no vazio inicial,/ a espuma quântica indecisiva, o espaço distendido,/ as partículas aleatórias que nos salvaram,/ do nó irreversível (…)”. De facto, pouco sabemos sobre o início de tudo, mas tudo pode ter vindo de flutuações casuais de um vácuo quântico primordial. Para os físicos o vazio não é vazio, mas sim um constante borbulhar de partículas. Este paradoxo do «vazio não vazio» tem uma ressonância poética que o poeta soube explorar. A estrofe final do poema repete dois versos do início: «(…) Sim, eu canto as flutuações de densidade/ no vazio inicial./ Sem elas não haveria firmamento,/ infância,/ o x do infinito para rebuscar. Sem elas/ não daria contigo a comer figos a eito/ num equilíbrio térmico perfeito,/ com a alegria/ de um pequeno animal aleatório.» O x do infinito está a itálico porque foi tirado de Gomes Leal («Fausto rebusca o x do infinito, / E Satã dorme em cima do Evangelho”). Sim, é verdade: resultámos do prodigioso processo de evolução cósmica.

Muito interessantes são os poemas sobre os astronautas (lembro que Gedeão escreveu um poema irónico sobre o homem novo na Lua). O poema «Apolo 11 (Namíbia, Erich Wendt)» termina assim: «(…) Mas hoje canto a nave que nos desceu/ no Mar da Tranquilidade, canto/ em tributo ao primeiro passo/ na rosácea do pó,/ canto em louvor de Neil,/ e celebro as grutas onde o signo/ primeiro se representou/ a cisão irreversível que aí principiou.// E porque a natureza humana é sair da natureza/ eu canto a nave que nos desnaturou.» Para se perceber melhor: o nome «gruta Apolo 11» foi dado pelo arqueólogo alemão Erich Wendt a uma gruta da Namíbia onde trabalhava quando soube que a Águia tinha alunado. O poema remete para o processo que da gruta levou até á Lua.

Um dos poemas que mais gosto é ainda astronáutico. Intitula-se «Elegia de Buzz Aldrin e Marion Moon». Esclareço o título: a mãe de Buzz Aldrin, o segundo homem a poisar a Lua (que ainda está vivo!), chamava-se Marion Moon. Aldrin é, portanto, literalmente um filho da Lua. A mãe não o pôde ver a pisar o astro com o seu nome, por ter morrido um ano antes. Deste poema não transcrevo nada, pois vale a pena comprar o livro só para ler as três páginas que ocupa. Também gostei da «Elegia quântica para Manuel António Pina», onde entra o gato de Schrödinger. Lembro que Pina, que gostava de gatos, era também seduzido pela física moderna. Na linha de poema de Aldrin, há um outro poema que me imptressionou: «Fallen Astronaut»  glosa uma pequena escultura de um artista belga deixada pelos astronautas da Apolo 15 na Lua em homenagem às vitimas do espaço. E, leitor que comprou o livro, não perca por nada a «Elegia da Voyager 2 à entrada do espaço interestelar». As Voyagers, recordo, são os dois artefactos que já arremessámos para fora do sistema solar. Deixo só os versos finais: «(…) Se houver notícias de algum deus, cala-as./ Fala-nos só da sua falta.»

Na segunda partem «Ciência futura da vida», o poeta fala do esconjuro que a medicina está a fazer à morte. No poema «Ode ao Pacemaker» glosa o pacemaker da avó desta maneira: «transístor acomodado na gaiola do tórax,/ com faísca dada por físico prodigioso». E, mais adiante: «(…) A minha avó fora portanto melhorada/ e o divino barro assim conspurcado/ por exíguo gerador/ e fios de cobre condutor/ que jamais carne humana gerou.(…)» Ainda no mesmo capitulo merece destaque o poema lapidar «O Demónio de Maxwell»: «Esquecer liberta energia sob a forma/ de calor// Recordar faz frio.» Esse demónio virtual foi inventado por Maxwell para diminuir a entropia num sistema isolado. Não existe, que se saiba.

O livro encerra, na «Ode lunar», com um poema sobre a morte: «(…) O Universo teve uma origem,/ vai para qualquer parte./ Expande-se. Arrefece./ Nem a morte é eterna. Também ela se expande/ com o resto. Move-se. Vai para qualquer parte./ E nós vamos com ela (…)»

Há muito tempo que um livro de poesia não me enchia tanto as medidas.

 

in De Rerum Natura - post de Carlos Fiolhais