Os Massacres de setembro de 1792 designam uma série de execuções sumárias e em massa que se desenrolaram de 2 de setembro até 7 de setembro de 1792 em Paris.
É um dos episódios sombrios da Revolução Francesa. Os historiadores
não estão de acordo quanto às motivações que levaram o povo a cometer
esses atos criminosos contra prisioneiros encarcerados na sequência dos "acontecimentos de 10 de agosto de 1792". Esses eventos determinaram o fim da monarquia e culminaram com a prisão do Rei Luís XVI. A matança foi perpetrada não apenas em Paris, mas igualmente em outras cidades do país, como Orléans, Meaux e Reims, sem no entanto alcançarem a mesma amplitude da capital.
Contexto
A França está em guerra contra a Áustria desde 20 de abril de 1792.
Os exércitos prussianos investem contra Longwy, em 23 de agosto, e Verdun, cercada, está perto de sofrer a mesma sorte. Espalha-se, então, por uma dezena de líderes revolucionários, entre eles Antoine Joseph Santerre e seu cunhado Étienne-Jean Panis, um sentimento de pânico: no Manifesto de Brunswick de 25 de julho - cuja autenticidade foi depois contestada -, o duque de Brunswick teria empregado expressões pouco corretas:
por falta de responsabilização e de um retorno à ordem real, os
exércitos prussianos entregariam Paris à execução militar e a uma
subversão total.
O rumor propaga-se. Alguns querem transferir as instituições da República para a província e evacuar a capital. Danton opõe-se energicamente a esta solução. Começa a aparecer a ideia de um "inimigo interno". Um novo rumor, habilmente difundido, diz que os contra-revolucionários, presos durante os eventos de 10 de agosto, arquitetam um complot, que são cúmplices e, portanto, culpados pelas ameaças proferidas por Brunswick. Os líderes da Revolução sugerem que seja exigido pelo "povo", uma justiça rápida a fim de pôr termo a esse complot.
Desenvolvimento
Os massacres começam pelo de um comboio de padres refratários
prisioneiros que cruzam com um grupo de soldados recém-alistados. Os
massacres continuam com a degola de vinte e três padres refratários na
Prisão da Abadia por Federados marselheses e bretões. Um grupo dirige-se
em seguida para a Prisão do Convento Carmelita, onde estão presos cento
e cinquenta padres não-juramentados. À chegada dos assassinos, correm a
se ajoelhar na capela onde são mortos com golpes de lança, de machado e
bastões. Em seguida, o grupo volta à Abadia, ainda lotada de
prisioneiros, e nela instala um tribunal. São assim que são julgadas e
executadas mais de trezentas pessoas. Stanislas-Marie Maillard, executor de ordens do Comité de Vigilância, condena todos os que se apresentam diante dele à prisão na "Force". A porta abre-se e, assim que os condenados atravessam o limiar, caem sob golpes de lança e baioneta. O massacre dura toda a noite.
No mesmo dia, quatro padres são massacrados dentro da Igreja de São Luís e São Paulo (atual Igreja de São Paulo no Marais), uma antiga igreja de jesuítas.
O massacre espalha-se em seguida durante cinco dias pelas prisões vizinhas: a Conciergerie, a Prisão do Grand-Châtelet, a Prisão de la Force, o Hôpital de la Salpêtrière, a Bicêtre e a Prisão des Carmes.
Os massacres não param aí.
Marat
deseja que seus tribunais populares sanguinários estendam-se por toda a
França. Faz então sair dos prelos uma circular, datada de 3 de setembro, que justifica os abusos, fomenta a cólera e provoca ainda inúmeros julgamentos sumários:
“
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A Comuna de Paris
apressa-se a informar a seus irmãos de todos os departamentos que uma
parte dos ferozes conspiradores detidos nas prisões foi levada à morte
pelo Povo; atos de justiça que lhe pareceram indispensáveis, para reter
pelo terror as legiões de traidores escondidos dentro de seus muros, no
momento em que iam marchar contra o inimigo; e a nação inteira, após a
longa sequência de traições que a conduziram até a beira do abismo, se
apressará a adotar este meio tão necessário de salvação pública, e todos
os Franceses gritarão como os Parisienses: Nós marchamos contra o inimigo; mas nós não deixaremos atrás de nós estes bandidos, para degolar os nossos filhos e mulheres.
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”
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Acontecem execuções, por exemplo, em Orléans, Meaux ou Reims mas a situação nas Províncias permanecerá muito moderada se comparada com os abusos que ensanguentam a Capital. Os Massacres de Setembro em Paris e nos departamentos fizeram um total de 1.400 mortos.
Os assassinos não eram bandidos mas sim, geralmente, pequenos
comerciantes ou artesãos. Se os contra-revolucionários foram as
primeiras vítimas, foram maioritariamente prisioneiros do direito comum
os que foram mortos. Em 4 de setembro, no hospício-prisão da Salpétrière, os assassinos violaram e mataram prostitutas, loucas e até órfãs, ainda crianças.
O papel do governo revolucionário nestes assassinatos permanece muito
obscuro: se os motins não foram totalmente espontâneos, hesita-se
quanto à responsabilidade total da Comuna que os teria encorajado ou
mesmo organizado. Para muitas testemunhas, como o cidadão Jean-Jacques Arthur, esta carnificina é uma conceção de doze a quinze indivíduos apenas e não de "todos os cidadãos que compõem a Comuna".
Foi a "Comissão dos Doze"
que foi encarregada pela Convenção de apurar sobre os massacres. Mas,
contrariamente ao que foi algumas vezes mencionado, não foi Georges Jacques Danton
que foi posto em questão pelos Girondinos - nomeadamente Kersaint e
Vergniaud - mas sim os quatro administradores da polícia, os cidadãos Etienne-Jean Panis, Sergent, Pierre Jacques Duplain, principais instigadores da operação, e Didier Jourdeuil.
Por volta de 15 de agosto, juntaram-se a Marat, que chegava da
Inglaterra e que era antiga relação de Duplain, e a outros cúmplices,
indivíduos de quem a História não guardou registo e que tinham os nomes
de Cally, Lenfant, Duffort, Mamin, Rotondo etc. Um dentre eles, Michel Chemin Deforgues, de origem aristocrática e que Bertrand Barère de Vieuzac iria instalar no Ministério de Assuntos Exteriores em 1793, negou ter participado da matança e fez carreira medíocre na diplomacia.
A polícia ou o braço armado da Comuna de Paris - ela própria responsável por encorajar ou pelo menos acobertar as
operações - era pois dirigida, após a noite de 9 para 10 de agosto, por
este grupo formado ao redor de Duplain e Panis, cujos objetivos foram
assim resumidos pelo cidadão Arthur: "O que querem não é uma
monarquia constitucional, mas sim uma monarquia a seu jeito e vantagem.
Não mais casta privilegiada! era bem tempo que o povo tivesse sua vez,
e, por povo, é a eles próprios a que se referem". Eles aproveitam-se da instabilidade política de seis semanas que se segue aos acontecimentos de 10 de agosto
para dominar a Assembleia Legislativa. Segue-se uma série de medidas de
exceção (nomeadamente um grande número de prisões arbitrárias) e uma
luta pelo poder que torna a França, então em estado de guerra civil,
praticamente ingovernável. As últimas sessões da Assembleia Legislativa
foram marcadas por uma luta feroz entre o poder municipal insurreto e a
assembleia eleita que mal e mal se mantinha. A Convenção teve também, na
sequência, que sustentar os espancamentos da Comuna que, graças aos
canhões do General Hanriot, pesou fortemente sobre suas decisões após
Maio de 1793.
Danton e os Massacres de setembro
A
Comuna de 10 de agosto fez proceder a numerosas prisões (arbitrárias)
por todas as Secções de Paris, mas não ousou ainda julgar com a chamada
de testemunhas, como, aliás, será muito pouco feito durante o Terror; os processos sensíveis são feitos a portas fechadas (Brissot, Hérbert, Danton), depois sem debates (após a lei de 22 de Pradial)
e as prestações de contas manuscritas desses processos - que serviram
para os autos do Tribunal Revolucionário - foram muito controladas até setembro de 1793.
Os líderes da Comuna tinham um interesse evidente em deixar agir
os assassinos que fariam desaparecer nessa massa um certo número de
antigos empregadores, transformados agora em testemunhas inconvenientes.
Muitos de entre esses líderes (e aqui é muitas vezes citado o nome de
Danton) haviam recebido fundos da Lista Civil (da Corte), o que aparece
claramente durante o processo contra Luís XVI. As primeiras testemunhas dessas prevaricações foram a Princesa de Lamballe - cujo nome havia sido publicamente citado durante o caso do "Comité Austríaco" - o Duque de Brissac, Arnaud de Laporte, Louis Collenot d’Angremont
e outros menos conhecidos. Essas considerações podem também explicar o
silêncio de Danton às acusações de que foi vítima. Ele foi incriminado,
aparentemente, por causa das palavras proferidas por ele durante o dia 2
de setembro de 1792 e que ficaram gravadas em todas as memórias: Audácia, ainda audácia, sempre audácia.
No entanto, estas palavras não podem ser interpretadas como um
incentivo aos massacres que se seguiram. Preocupado com seu futuro
político, não se defendeu exageradamente do papel que alguns lhe
imputavam porque desejava conservar uma influência relativa sobre os
membros da Comuna (que não durou senão alguns meses). Foi inclusive
graças a essa influência que os Girondinos lhe confiaram o Ministério da
Justiça.
Princesa de Lamballe
Várias centenas de servidores das Tulherias e Guardas Suíços morreram assassinados durante os Massacres de setembro. A Rainha Maria Antonieta foi muito afetada por essas mortes mas chorou principalmente a sua amiga, a Princesa de Lamballe,
por quem chegou a vestir luto. A Princesa de Lamballe, levemente
politizada, entrou para a História como vítima emblemática destes
massacres.
Jean-Paul Marat
Após a tomada da Bastilha, Jean-Paul Marat
asseguravam para quem quisesse ouvir que a política mais eficaz para
romper com o passado consistia em fazer cair algumas centenas de
cabeças. O seu jornal, que noticiava com antecedência os massacres dos
quais foi co-autor, era um dos mais virulentos da capital. Marat possuía
um grande prestígio nos meios menos educados após a prisão do Rei em Varennes. Ele contava assim no "L'Ami du Peuple" ("O Amigo do Povo", em português), o seu jornal, que "o
episódio dos massacres de setembro surgiu de uma estratégia popular
insurrecional, comum a todos os movimentos extremistas e principalmente
quando estes se sentem ameaçados, que visava colocar os mais moderados
frente ao facto consumado e impedia qualquer recuo, eliminando homens do
lado oposto, tornando os moderados cúmplices (ainda que só por sua
inação) de um massacre, criando uma atmosfera de Terror, visando calar a
expressão de uma opinião contrária".
E, de facto, os massacres e as ameaças que a Comuna e seu exército
revolucionário, dirigido por Hanriot, fizeram a partir daí pesar sobre a
Comuna, permitiram aos "Exagerados" tomar lugar preponderante nos
acontecimentos de 1793 e no desenrolar do Terror do ano II.
Os Massacres de setembro de 1792 são na verdade o prelúdio a esta
lógica do terrorismo como instrumento de controle do poder durante o
ano II (1793-1794). Constituem assim uma das primeiras "derrapadas" da
Revolução Francesa. Este acontecimento permanece objeto de debates entre
historiadores, alguns defendendo uma visão leninista ou estalinista
da Revolução, outros empenhando-se em mostrar os limites do poder
popular e os perigos, atualmente, de uma exemplaridade do terrorismo.
Números
Os
Massacres de Setembro de 1792 fizeram um total aproximado de 1.400
vítimas sem que se possa fixar exatamente o número, já que se dispõe
apenas de aproximações baseadas nos números dados por Matton de La
Varenne e Peltier, que podem ser confrontados com os registos das
prisões de que se tem cópia.
As 191 vítimas religiosas são consideradas mártires pela Igreja Católica, entre elas 3 bispos, 127 padres seculares, 56 religiosos e 5 laicos que foram beatificados em outubro de 1926 por Pio XI.
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