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quinta-feira, novembro 10, 2011

Pablo Neruda, Portugal e Cunhal - II

A Lâmpada Marinha

(imagem daqui)

A cítara esquecida - II

Ó Portugal formoso,
cesta de frutas e flores,
emerges na prateada margem do oceano,
na espuma da Europa,
com a cítara de ouro
que te deixou Camões,
cantando com doçura,
espalhando nos confins do Atlântico
teu tempestuoso odor de vinhateiro,
de flores citinas e marinhas,
tua luminosa lua entrecortada
por nuvens e tormentas.

in
Las uvas y el viento (1954) - Pablo Neruda

Pablo Neruda, Portugal e Cunhal - III

A Lâmpada Marinha

(imagem daqui)

Os presídios - III

Mas,
português da rua,
entre nós,
que ninguém nos escuta,
sabes
onde
está Álvaro Cunhal?
Sabes a ausência,
ou alguém o sabe,
do valente
Militão?
Moça portuguesa,
passas como que bailando
pelas ruas
rosadas de Lisboa,
mas,
sabes onde caiu Bento Gonçalves,
o português mais puro,
honra de teu mar e de tua areia?
Sabes
que existe uma ilha,
a Ilha do Sal
e que nela o Tarrafal
verte sombra?
Sim, tu sabes, moça,
rapaz, sim, tu bem o sabes.
Em silêncio
a palavra
anda com lentidão mas percorre
não só Portugal mas toda Terra.
Sim, sabemos,
em remotos países,
que há trinta anos
uma lápide
espessa como túmulo ou como túnica,
de clerical morcego,
afoga Portugal, teu triste canto,
salpica tua doçura,
com gotas de martírio
e mantém as suas cúpulas de sombra.

in
Las uvas y el viento (1954) - Pablo Neruda

Pablo Neruda, Portugal e Cunhal - IV

A lâmpada marinha

(imagem daqui)

O mar e os jasmins - IV

Da tua pequena mão outrora
saíram criaturas
disseminadas
no assombro da geografia.
Assim, a ti voltou Camões
para deixar-te um ramo de jasmins
sempiterno a florescer.
A inteligência ardeu como vinha
de transparentes uvas
na tua raça.
Guerra Junqueiro, entre as ondas,
deixou cair o trovão
de liberdade bravia
que transportou o Oceano no seu cantar,
e outros multiplicaram
teu esplendor de rosais e uvas
como se de teu estreito território
saíssem grandes mãos
derramando sementes pela terra toda.

Não obstante,
o tempo soterrou-te,
o pó clerical
acumulado em Coimbra
caiu sobre teu rosto
de laranja oceânica
e cobriu o esplendor de tua cintura.

in
Las uvas y el viento (1954) - Pablo Neruda

Pablo Neruda, Portugal e Cunhal - V

A Lâmpada Marinha

(imagem daqui)

A lâmpada marinha - V

Portugal,volta ao mar, a teus navios
Portugal volta ao homem, ao marinheiro,
volve à terra tua, à tua fragrância,
à tua razão livre no vento,de novo
à luz matutina
do cravo e da espuma.
Mostra-nos teu tesouro,
teus homens, tuas mulheres,
não escondas mais teu rosto
de embarcação valente posta nas avançadas do Oceano.
Portugal, navegante,
descobridor de ilhas,
inventor de pimentas,
descobre o novo homem,
as ilhas assombradas,
descobre o arquipélago no tempo.
A súbita
aparição do pão
sobre a mesa,a aurora,
tu, descobre-a,
descobridor de auroras.

Como é isto?

Como podes negar-te
ao ciclo da luz tu que mostras-te
caminhos aos cegos?

Tu, doce e férreo e velho,
estreito e amplo pai
do horizonte, como
podes fechar a porta
às novas ideias,
ao vento com estrelas do Oriente?

Proa da Europa, procura
na correnteza
as ondas ancestrais,
a marítima barba
de Camões.
Rompe
as teias de aranha
que cobrem tua fragrante copa de verdura
e então
a nós os outros, filhos dos teus filhos,
aqueles para quem
descobriste a areia
até então escura
da geografia deslumbrante,
mostra-nos que tu podes
atravessar de novo
o novo mar obscuro
e descobrir o homem que nasceu
nas maiores ilhas da terra.
Navega, Portugal, a hora
chegou, levanta
a tua estatura de proa
e entre as ilhas e os homens torna
a ser caminho.
A esta idade agrega
tua luz, volta a ser lâmpada:

aprenderás de novo a ser estrela.

in
Las uvas y el viento (1954) - Pablo Neruda

Álvaro Cunhal nasceu há 98 anos

 Álvaro Cunhal, retratado por Henrique Matos

Álvaro Barreirinhas Cunhal (Coimbra, 10 de novembro de 1913Lisboa, 13 de junho de 2005) foi um político e escritor português, conhecido por ser um resistente ao Estado Novo, e ter dedicado a vida ao ideal comunista e ao seu partido, o Partido Comunista Português.