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domingo, julho 07, 2024

Guerra Junqueiro morreu há cento e um anos...


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de setembro de 1850 - Lisboa, 7 de julho de 1923) foi bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República. Foi entre 1911 e 1914 o embaixador de Portugal na Suíça (o título era "ministro de Portugal na Suíça"). Guerra Junqueiro formou-se em direito na Universidade de Coimbra.   

   
Cronologia

  • 1850: Nasce no lugar de Ligares, Freixo de Espada à Cinta;
  • 1864: «Duas páginas dos quatorze anos»;
  • 1866: Frequenta o curso de Teologia na Universidade de Coimbra;
  • 1867: «Vozes Sem Eco»;
  • 1868: «Baptismo de Amor». Matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra;
  • 1873: «Espanha Livre». Colaboração de Guerra Junqueiro em «A Folha» de João Penha. É bacharel em Direito;
  • 1874: «A Morte de D. João»;
  • 1875: Primeiro número de «A Lanterna Mágica» em que colabora;
  • 1878: É nomeado Secretário Geral do Governo Civil em Angra do Heroísmo;
  • 1879: «A Musa em Férias» e «O Melro». Adere ao Partido Progressista. É transferido de Angra do Heroísmo para Viana do Castelo e eleito para a Câmara dos Deputados;
  • 1880: Casa a 10 de fevereiro com Filomena Augusta da Silva Neves. A 11 de novembro nasce a filha Maria Isabel;
  • 1881: Nasce a filha Júlia. Interditada por demência, vem a ser internada no Porto;
  • 1885: «A Velhice do Padre Eterno». Criação do movimento «Vida Nova» do qual Guerra Junqueiro é simpatizante;
  • 1887: Segunda viagem de Guerra Junqueiro a Paris;
  • 1888: Constitui-se o grupo «Vencidos da Vida». «A Legítima»;
  • 1889: Falece a sua esposa, Filomena Augusta Neves, facto que lamentará até ao fim dos seus dias;
  • 1890: «Finis Patriae». Guerra Junqueiro é eleito deputado pelo círculo de Quelimane;
  • 1895: Vende a maior parte das coleções artísticas que acumulara;
  • 1896: «A Pátria». Parte para Paris;
  • 1902: «Oração ao Pão»;
  • 1903: Reside em Vila do Conde;
  • 1904: «Oração à Luz»;
  • 1905: Visita a Academia Politécnica do Porto e instala-se nesta cidade;
  • 1908: É candidato do Partido Republicano pelo Porto;
  • 1910: É nomeado Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da República Portuguesa junto da Confederação Suíça, em Berna;
  • 1911: Homenagem a Guerra Junqueiro no Porto;
  • 1914: Exonera-se das funções de Ministro Plenipotenciário;
  • 1920: «Prosas Dispersas»;
  • 1923: Morre a 7 de julho em Lisboa.
  • 1966: O seu corpo é solenemente trasladado para o Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, numa cerimónia ocorrida para homenagear também outras ilustres figuras portuguesas entre os dias 1 e 5 de dezembro. Antes disso, encontrava-se no Mosteiro dos Jerónimos.
 



A Moleirinha

Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentito adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
P’ra vestir os netos, p’ra acender o lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, p’ra a fazer cristã!

Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d’outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!

 

Guerra Junqueiro

sexta-feira, julho 07, 2023

Guerra Junqueiro morreu há um século...


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de setembro de 1850 - Lisboa, 7 de julho de 1923) foi bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República. Foi entre 1911 e 1914 o embaixador de Portugal na Suíça (o título era "ministro de Portugal na Suíça"). Guerra Junqueiro formou-se em direito na Universidade de Coimbra.   

   
Cronologia

  • 1850: Nasce no lugar de Ligares, Freixo de Espada à Cinta;
  • 1864: «Duas páginas dos quatorze anos»;
  • 1866: Frequenta o curso de Teologia na Universidade de Coimbra;
  • 1867: «Vozes Sem Eco»;
  • 1868: «Baptismo de Amor». Matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra;
  • 1873: «Espanha Livre». Colaboração de Guerra Junqueiro em «A Folha» de João Penha. É bacharel em Direito;
  • 1874: «A Morte de D. João»;
  • 1875: Primeiro número de «A Lanterna Mágica» em que colabora;
  • 1878: É nomeado Secretário Geral do Governo Civil em Angra do Heroísmo;
  • 1879: «A Musa em Férias» e «O Melro». Adere ao Partido Progressista. É transferido de Angra do Heroísmo para Viana do Castelo e eleito para a Câmara dos Deputados;
  • 1880: Casa a 10 de fevereiro com Filomena Augusta da Silva Neves. A 11 de novembro nasce a filha Maria Isabel;
  • 1881: Nasce a filha Júlia. Interditada por demência, vem a ser internada no Porto;
  • 1885: «A Velhice do Padre Eterno». Criação do movimento «Vida Nova» do qual Guerra Junqueiro é simpatizante;
  • 1887: Segunda viagem de Guerra Junqueiro a Paris;
  • 1888: Constitui-se o grupo «Vencidos da Vida». «A Legítima»;
  • 1889: Falece a sua esposa, Filomena Augusta Neves, facto que lamentará até ao fim dos seus dias.
  • 1890: «Finis Patriae». Guerra Junqueiro é eleito deputado pelo círculo de Quelimane;
  • 1895: Vende a maior parte das coleções artísticas que acumulara;
  • 1896: «A Pátria». Parte para Paris;
  • 1902: «Oração ao Pão»;
  • 1903: Reside em Vila do Conde;
  • 1904: «Oração à Luz»;
  • 1905: Visita a Academia Politécnica do Porto e instala-se nesta cidade;
  • 1908: É candidato do Partido Republicano pelo Porto;
  • 1910: É nomeado Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da República Portuguesa junto da Confederação Suíça, em Berna;
  • 1911: Homenagem a Guerra Junqueiro no Porto;
  • 1914: Exonera-se das funções de Ministro Plenipotenciário;
  • 1920: «Prosas Dispersas»;
  • 1923: Morre a 7 de julho em Lisboa.
  • 1966: O seu corpo é solenemente trasladado para o Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, numa cerimónia ocorrida para homenagear também outras ilustres figuras portuguesas entre os dias 1 e 5 de dezembro. Antes disso, encontrava-se no Mosteiro dos Jerónimos.
 



A Moleirinha

Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentito adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
P’ra vestir os netos, p’ra acender o lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, p’ra a fazer cristã!

Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d’outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!

 

Guerra Junqueiro

quinta-feira, julho 07, 2022

Guerra Junqueiro morreu há 99 anos...


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de setembro de 1850 - Lisboa, 7 de julho de 1923) foi bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República.




A Moleirinha

Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentito adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
P’ra vestir os netos, p’ra acender o lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, p’ra a fazer cristã!

Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d’outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!

 

Guerra Junqueiro

quarta-feira, julho 07, 2021

Guerra Junqueiro morreu há 98 anos


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de setembro de 1850 - Lisboa, 7 de julho de 1923) foi bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República.




A Moleirinha

Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentito adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
P’ra vestir os netos, p’ra acender o lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, p’ra a fazer cristã!

Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d’outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!

quarta-feira, julho 06, 2011

Guerra Junqueiro morreu há 88 anos

Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de Setembro de 1850 - Lisboa, 7 de Julho de 1923) foi bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado, jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da República.



A Moleirinha

Pela estrada plana, toque, toque, toque,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toque, toque, toque,
A velhinha atrás, o jumentito adiante!...

Toque, toque, a velha vai para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E contudo alegre como um passarinho,
Toque, toque, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a corar ao sol.

Vai sem cabeçada, em liberdade franca,
O jerico ruço duma linda cor;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toque, toque, a moleirinha branca
Com o galho verde duma giesta em flor.

Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toque, toque, toque, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ela oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...

Toque, toque, toque, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem mo dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia num burrico assim.

Toque, toque, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrelas, vivas, em cardume...
Toque, toque, toque, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toque, se levanta,
P’ra vestir os netos, p’ra acender o lume...

Toque, toque, toque, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chã!
Tão ingénuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar à igreja,
Baptizar-lhe a alma, p’ra a fazer cristã!

Toque, toque, toque, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vai numa frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...

Toque, toque, como o burriquito avança!
Que prazer d’outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui criança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deus...

Toque, toque, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toque, toque, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados querubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...

Toque, toque, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d’astros o luar sem véu,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que mói estas farinhas d’oiro
Com a mó de jaspe que anda além no Céu!