Infância e juventude
Ainda que em casa se falasse o francês, os Brel eram de ascendência
flamenga, com uma parte da família originária de
Zandvoorde, perto de
Ieper. O pai de Brel era sócio de uma cartonaria e este estaria supostamente destinado a trabalhar na empresa da família.
A seguir à escola primária, onde entrou em
1935, frequentou o Colégio Saint-Louis, a partir de
1941. Aluno pouco brilhante, é neste colégio que Brel começa a mostrar interesse pelas artes: em
1944,
aos 15 anos, colabora na criação do grupo de teatro, actua em várias
peças, escreve três pequenas histórias e interpreta ao piano alguns
improvisos para poemas que ele próprio escreveu.
Em
1946 adere a uma organização de solidariedade
católica, a
Franche Cordée, de ajuda aos
doentes,
pobres, órfãos e
velhos. É aqui, e não no seu ambiente familiar ou escolar, que se inicia a sua formação
cultural.
Entre as actividades desta organização contava-se a realização de
recitais onde Brel se iniciou nas apresentações públicas,
acompanhando-se a si próprio à
viola. É aqui que conhece Thérèse Michielsen ("Miche"), com quem se casa em
1950.
Carreira
No início dos
anos 50, não se entusiasmando pelo trabalho na
fábrica de cartão do
pai (dizia-se "encartonado" neste trabalho), continua a escrever
canções, que vai mostrando aos
amigos e cantando pelos
bares de Bruxelas sempre que se proporciona.
A pequena mas sólida fama na sua terra natal proporciona-lhe a gravação em
1953, do primeiro
single, um
78 rpm,
contendo as canções "Il y a" e "La foire". Persistente na sua ideia
de fazer carreira com as suas canções, Brel deixa o emprego, a
família, a sociedade burguesa de Bruxelas (que ele viria a retratar em
"Les Bourgeois") e vai tentar a sorte na
capital francesa, onde consegue ao fim de algum tempo ser ouvido pelo descobridor de talentos
Jacques Canetti (irmão de
Elias Canetti, o
prémio Nobel da literatura de
1981). É apresentado no célebre
cabaré parisiense
Les Trois Baudets, do próprio Canneti, onde pouco tempo antes havia actuado em grande estilo
Georges Brassens. Em
1959 é vedeta no
Bobino, em Paris e canta em Bruxelas no "L’Ancienne Belgique" com
Charles Aznavour.
A segunda metade da década de 50 é passada num grande ritmo de
espectáculos (chega a participar em 7 espectáculos numa única noite).
Para além dos sucessos conseguidos no
Olympia e no
Bobino, em Paris, vai fazendo espectáculos por todo o mundo. Em
1954 é publicado o seu primeiro álbum "Jacques Brel et ses chansons". Torna-se notado por
Juliette Gréco,
que grava uma das suas canções, "Le diable". Este encontro é marcante
no futuro da carreira de Brel pois é então que se inicia uma
frutuosa colaboração com Gérard Jouannest,
pianista e acompanhante da cantora, e com o também pianista e orquestrador François Rauber. Em
1955
conhece Georges Pasquier ("Jojo"), percussionista no Trio Milson e
de quem se torna amigo. O seu primeiro grande sucesso ocorre em
1956 com a música "Quand on a que l’amour". Em
1957 é laureado com o
Grand Prix du Disque da
Academia Charles Cros e a sua
digressão faz grande sucesso pela
França. Em
1958 Miche, a mulher, retorna a Bruxelas. Desde então ele e a família vivem vidas separadas.
Sob a influência do seu amigo "Jojo" e dos pianistas Gérard Jouannest
(que o acompanhava em palco) e François Raubert (orquestrador e
pianista de estúdio), o estilo de Brel foi mudando. A música tornou-se
mais complexa e os temas mais diversificados. Um apurado sentido de
observação, de ironia e de humor, associado à sua capacidade poética,
permitiram-lhe criar temas que abordam, das mais diferentes maneiras,
várias das realidades do dia a dia. Nele encontram-se canções cómicas
como Les bonbons, Le lion ou Comment tuer l’amant de sa femme, mas também canções mais emotivas como Voir un ami pleurer, Fils de, Jojo. Os temas vão desde o amor, com Je t’aime, Litanies pour un retour, Dulcinéa, até à sociedade, com Les singes, Les bourgeois, Jaurès, passando por preocupações espirituais, como em Le bon Dieu, Si c’était vrai, Fernand.
O ritmo de espectáculos anuais continua intenso, chegando a ultrapassar os 365 num único ano. Em
1966 anuncia que irá deixar de actuar em público como cantor. Seguem-se vários espectáculos de despedida nomeadamente em
Paris (
Olympia) e em
Bruxelas (
Palais des Beaux-Arts). Apesar da insistência dos seus amigos, Brel não muda de ideias e, em
16 de maio de
1967 dá a sua última actuação ao vivo, em Roubaix.
Cinema e teatro
O teatro torna-se a sua primeira experiência, com a adaptação da peça "L’homme de la manche". A personagem de
Dom Quixote, que desempenhava, estava bem de acordo com o seu idealismo. A peça estreia em
1968
no Theatre Royal de la Monnaie, em Bruxelas e no mesmo ano no
Theatre des Champs-Elysées em Paris, tendo ultrapassado as 150
representações. Entretanto volta-se para o cinema, participando
durante os cinco anos seguintes como actor em mais de uma dezena de
filmes e como realizador em dois deles
Franz e
Le Far West.
Após este último filme, Brel diz um novo adeus ao espectáculo, desta
vez muito mais radical: deixa Paris, a França, os seus próprios
afectos.
Vagueando pelo mundo
Os seus
brevets aéreos e marítimos abrem-lhe a porta à possibilidade de vaguear pelo mundo por ar ou por mar. Voa pela Europa, qual
Saint-Exupéry (mito que o acompanhava desde há muito). Em
1974, após comprar um
veleiro de 19
metros decide partir com
Madly Bamy, que tinha conhecido na rodagem do filme
L'Aventure c'est l'aventure para uma volta ao mundo de 3 anos. Em setembro, ao aportar nos
Açores,
toma conhecimento do falecimento do seu grande amigo Jojo, a quem
vem a dedicar uma canção. Em outubro é-lhe detectado um pequeno
tumor no
pulmão
e, no mês seguinte, é efectuada a ablação do lobo pulmonar superior
esquerdo. Em dezembro, após um pequeno repouso, desloca-se ao local
onde está o seu veleiro e decide prosseguir a sua viagem. Em novembro
de
1975 chega à baía de Atuona, na ilha Hiva Oa, no arquipélago das
Ilhas Marquesas,
Polinésia Francesa.
Naquelas ilhas isoladas Brel não procura o isolamento mas antes o
contacto com uma realidade totalmente desconhecida, e sob certos
aspectos ainda não contaminada pela "civilização". Em
1976
aluga uma pequena casa em Hiva Oa, vende o veleiro e decide adquirir
um pequeno avião bimotor. Ajuda a combater o isolamento das ilhas
mais remotas do arquipélago, disponibilizando o seu avião para
transporte de correio ou de pessoas.
Em
1977
desloca-se a Paris, onde grava discretamente em estúdio doze canções
das dezassete que havia escrito, e que virão a integrar o seu último
álbum, esperado há mais de dez anos, e chamado, simplesmente, "Brel".
Gravado nas difíceis condições físicas e psicológicas de Brel que se
pode antever, torna-se perturbador ler as últimas palavras da sua
canção “Les Marquises”: "Veux-tu que je te dise / Gémir n'est pas de
mise / Aux Marquises" ("Se queres que te diga / Gemer não é opção /
Nas Ilhas Marquesas"). O disco teve um sucesso imediato: apesar de
Brel ter pedido que não houvesse publicidade, mais de um milhão de
exemplares estavam reservados antes da edição e setecentos mil foram
adquiridos logo no primeiro dia da sua venda ao público. Alheio a
esse sucesso, volta à ilha pela penúltima vez. Em
1978
a saúde começa-se a degradar e retorna a Paris, em julho, para novos
tratamentos. Em outubro é internado no Hospital com uma embolia
pulmonar, vindo a falecer com 49 anos, às 04.10 horas da madrugada do
dia 9 de outubro de 1978. O regresso a Hiva Oa, dá-se uma última vez:
Jacques Brel é sepultado no cemitério local.
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