Mário Cesariny de Vasconcelos (Lisboa, 9 de agosto de 1923 - Lisboa, 26 de novembro de 2006) foi pintor e poeta, considerado o principal representante do surrealismo português.
É de destacar também o seu trabalho de antologista, compilador e
historiador (polémico) das atividades surrealistas em Portugal.
Mário Cesariny nasceu, por acaso, na Vila Edith, na Estrada da Damaia, em
Benfica, onde os pais estavam a passar férias. Último filho (três irmãs mais velhas) de Viriato de Vasconcelos, natural de
Tondela,
Tondela, e de sua mulher María de las Mercedes Cesariny (de ascendência paterna
corsa e materna
espanhola), natural de
Paris. O pai, com uma personalidade dominadora e pragmática, era
empresário ourives, com loja e oficina na
rua da Palma, na freguesia de
Santa Justa, em plena baixa
lisboeta.
Depois da escola primária, o jovem Mário frequentou durante um ano o
Liceu Gil Vicente, após o que o pai (que o queria ourives) o mudou para
um curso de cinzelagem na
Escola de Artes Decorativas António Arroio (onde conheceu
Artur do Cruzeiro Seixas e
Fernando José Francisco),
que completou. Depois, como não lhe agradasse o trabalho de ourives,
frequentou um curso de habilitação às Belas-Artes. Também estudou
música, gratuitamente, com o compositor
Fernando Lopes Graça.
Cesariny era um talentoso pianista, mas o pai, enfurecido, proibiu-o
de continuar esses estudos. Entretanto, no final da adolescência,
Cesariny e os amigos frequentam várias tertúlias nos cafés de Lisboa e
descobrem o
neo-realismo e depois o
surrealismo.
Em
1947, Cesariny viaja até
Paris onde frequenta a
Académie de la Grande Chaumière e conhece
André Breton, cuja influência o leva a participar na criação, no mesmo ano, do
Grupo Surrealista de Lisboa, juntamente com figuras como
António Pedro,
José Augusto França,
Cândido Costa Pinto,
Vespeira,
Moniz Pereira e
Alexandre O´Neill, que reuniam na
Pastelaria Mexicana. Este grupo surgiu como forma de protesto libertário contra o regime
salazarista e contra o
neo-realismo, dominado pelo
Partido Comunista Português, de tendência
estalinista. Mais tarde, funda o antigrupo (dissidente)
Os Surrealistas do qual fazem parte entre outros os seguintes autores
António Maria Lisboa,
Risques Pereira,
Artur do Cruzeiro Seixas,
Pedro Oom,
Fernando José Francisco e
Mário-Henrique Leiria.
É nesta altura também que Viriato, o seu pai, abandona a família para se fixar no
Brasil com uma amante. Isto faz com que Mário se aproxime mais de sua mãe e, da sua irmã Henriette.
Na década de 50, Cesariny dedica-se à pintura, mas também, e sobretudo, à poesia, que escreve nos cafés. O seu editor é
Luiz Pacheco,
com quem mais tarde (nos anos 70) se incompatibilizaria por
completo. É também durante esse período que começa a ser incomodado e a
ser vigiado pela
Polícia Judiciária, por "suspeita de
vagabundagem", obrigado a humilhantes apresentações e interrogatórios regulares, devido à sua
homossexualidade, que vivencia diariamente, de modo franco e destemido. Só a partir de
25 de abril de 1974 deixará de ser perseguido e atormentado pela polícia.
Cesariny vivia com dificuldades financeiras, ajudado pela família.
Apesar da excelência da sua escrita, esta não o sustentava
financeiramente e Cesariny, a partir de meados dos anos 60, acabaria
por se dedicar por inteiro à pintura, como modo de subsistência.
A partir da década de 80, a obra poética de Cesariny é reeditada pelo editor
Manuel Hermínio Monteiro e redescoberta por uma nova geração de leitores.
Nos últimos anos da sua vida, Cesariny viveu com a sua irmã mais
velha, Henriette (falecida em 2004). Ao contrário do que acontecia
anteriormente, abriu-se aos meios de comunicação dando frequentes
entrevistas e falando sobre a sua vida íntima. Em
2004,
Miguel Gonçalves Mendes realizou o documentário
Autografia, filme intenso e comovente onde Cesariny se expõe e revela de modo total.
Figuras de Sopro, 1947, óleo sobre cartão
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Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte......violar-nos.....tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas.....portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida......há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
in Pena Capital (1957) - Mário de Cesariny
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