Isabel de Portugal - Ticiano (Museu do Prado)
Era irmã de El-Rei
D. João III e do
Cardeal-Rei D. Henrique,
reis de Portugal. Inteligente e culta, criada no esplendor da mais
rica corte europeia do seu tempo, em Lisboa, na educação da imperatriz
participaram também, por influência de sua mãe, os castelhanos Beatriz
Galindo,
la Latina e o humanista Luís Vives. Foi longamente
regente em nome de Carlos V, entre 1528 e 1533, primeiro, e de 1535 a
1538 novamente, enquanto o marido se ausentou, em guerra.
Além disso, teve muita importância em relação à educação do seu
primogénito, que viria a ser Filipe II de Espanha, e I de Portugal, de
língua materna portuguesa, criado e educado pelas damas lusitanas de sua
mãe durante a infância.
Casamento
O casamento fora negociado por seu pai, D. Manuel I, que morrendo antes
de o concluir o deixou recomendado em testamento ao seu sucessor no
codicilo de 11.12.1521. Assim, a 06.10.1525 firmou-se em Torres Novas o
contrato. A noiva levou por dote a exorbitante quantia de 900 mil
cruzados portugueses, ou dobras castelhanas.
Carlos V,
seu noivo e seu primo direito, era então ainda apenas Carlos I, rei de
Aragão e Castela, duque da Borgonha e vários outros feudos: só quatro
anos depois será eleito imperador do
Sacro Império,
tornando-se hierarquicamente o mais alto soberano da Cristandade, com
jurisdição sobre a Alemanha e vários reinos e senhorios da Espanha,
Itália, França e Flandres, estendendo ao mundo a sua influência política
e o poder das suas armas; porém, como todos os soberanos da
Renascença, foi várias vezes obrigado a recorrer a grandes famílias de
banqueiros, como os
Fugger,
não só para financiar a sua acessão à coroa imperial, como também os
seus projetos político-militares. Por isso mesmo Carlos havia
prometido, anteriormente, a
Henrique VIII casar-se com sua filha,
Maria,
de quem igualmente era primo direito, em 1522 (quando esta tinha
apenas seis anos) - mas preferiu aceitar a consorte lusitana, cuja
aliança e cujo dote imediato eram bem mais significativos na Europa do
tempo, e lhe traziam a liquidez necessária para a compra do trono
imperial.
Assim, a princesa casou-se em Almeirim por procuração, em 1 de novembro
de 1525, com o seu primo Carlos, representado pelo embaixador Carlos
Popeto; e partiu em janeiro de 1526 rumo a
Elvas com grande e rica comitiva, dai prosseguindo a viagem em liteira até a fronteira do
Caia.
Aí, montada em linda égua branca esplendorosamente ajaezada, e com
luzido e fidalgo acompanhamento, foi ao encontro da embaixada castelhana
que a vinha buscar, encabeçada pelos duques de Calábria e de Béjar e
pelo arcebispo de Toledo. Passada a fronteira, seguiu para Sevilha aonde
se encontrava o marido, ali se repetindo solenemente as bodas
imperiais nos paços chamados de
Reales Alcázares, em Março de
1526. Foi um casamento feliz, pois os noivos se apaixonaram apenas se
conheceram, e se isolaram do mundo prolongando uma lua-de-mel que não
parecia querer acabar, e apenas terminaria quatorze anos depois, de
facto, pela morte da imperatriz.
Deslumbrado com a sua beleza, Carlos V deu-lhe ao casar por nova divisa as três graças, tendo a primeira delas a
rosa, símbolo da formosura; a segunda o ramo de
murta, símbolo do amor; e a terceira, a coroa de
carvalho, símbolo da fecundidade, além do mote:
Has habet et superat.
Na corte castelhana em Toledo, a imperatriz D. Isabel preferiu viver
sem se ocupar com política, quase sempre no seu oratório ou convivendo
com as numerosas damas portuguesas que a haviam acompanhado até Castela,
vigiando as amas dos seus numerosos filhos. Ao morrer de parto,
catorze anos depois de casada, Carlos V tanto se comoveu com a sua perda
que, no convento de S. Justo, onde se recolheu durante o luto pesado da
viuvez, passava horas a contemplar o seu retrato mais emblemático,
pintado por Ticiano.
A morte a lenda
Tendo a imperatriz falecido em Toledo, e estando nessa época o soberano
em Granada, encarregou este o futuro S. Francisco de Borja, um dos
muitos apaixonados platónicos da bela imperatriz, de a conduzir até si a
fim de a sepultar. Chegados lá, ao abrirem cerimonialmente o caixão de
D. Isabel, a fim de verificarem a identidade do régio cadáver, a sua
decomposição ia já avançada, destruindo a formosura da mais bela mulher
daquele tempo, segundo rezavam os literatos de então. Segundo a lenda,
perante a hedionda visão do seu cadáver descomposto o ainda Duque de
Gândia, casado com a portuguesa D. Leonor de Castro, uma das suas damas,
e que tanto e tão longamente amara a linda imperatriz à distância,
jurou nunca mais servir a senhor humano algum, virando-se unicamente
para o serviço divino; e ao enviuvar de D. Leonor, alguns anos depois,
optará pela vida religiosa ingressando na Companhia de Jesus. O novo
padre Francisco de Borja foi o terceiro Geral da Companhia, sendo depois
canonizado como
São Francisco de Borja.
No entanto, sabemos agora que a famosa frase depois atribuída ao
duque, e que deu o mote ao célebre poema de Sophia de Mello Breyner
intitulado "Meditação do Duque de Gândia sobre a morte de Isabel de
Portugal", sobre a sua alegada decisão de nunca mais servir a senhor
mortal algum, foi sim pronunciada por
São João de Ávila
na oração fúnebre da imperatriz que proferiu durante as suas exéquias.
É ainda no entanto possível que S. João de Ávila tenha utilizado nas
exéquias imperiais a frase do humilde S. Francisco de Borja ao ser
obrigado a contemplar decomposta a mulher que amara, e que a tradição
oral o soubesse, ao atribuir a autoria desta a ele e não a S. João de
Ávila.
Brasão da Imperatriz Isabel de Portugal
Meditação do Duque de Gândia sobre a morte de Isabel de Portugal
Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.
Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
in Mar Novo (1958) - Sophia de Mello Breyner Andresen
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