Biblioteca Municipal Afonso Lopes Vieira (Leiria - foto FM)
Natural de
Leiria, bacharelou-se em
Direito, pela
Universidade de Coimbra, em
1900. Depois de exercer a advocacia junto do seu pai, Afonso Xavier Lopes Vieira, radicou-se em
Lisboa, onde veio a exercer o ofício de redator na
Câmara dos Deputados, até
1916. No último desses anos deixou o cargo para se dedicar exclusivamente à atividade literária. Na capital, residiu no
Palácio da Rosa, junto ao bairro da
Mouraria, que fora dos marqueses de
Castelo Melhor, e foi propriedade do poeta entre
1927 e
1942. Em frente do palácio, no Largo da Rosa, foi colocado um busto seu.
Ainda jovem, Afonso Lopes Vieira descobriu os clássicos da literatura,
nomeadamente através da biblioteca do seu tio-avô, o poeta
Rodrigues Cordeiro, e iniciou a sua colaboração em jornais manuscritos, de que são exemplos
A Vespa e
O Estudante. Com a publicação do livro
Para Quê? (
1897) faz a sua estreia poética, iniciando um período de intensa actividade literária -
Ar Livre (
1906),
O Pão e as Rosas (
1908),
Canções do Vento e do Sol (
1911),
Poesias sobre as Cenas Infantis
de Shumann (
1915),
Ilhas de Bruma (
1917),
País Lilás, Desterro Azul (
1922)
- encerrando a sua actividade poética, assim julgava, com a antologia
Versos de Afonso Lopes Vieira (
1927), mas que culminará com a obra inovadora e epigonal
Onde a terra se acaba e o mar começa (
1940).
O carácter ativo e multifacetado do escritor tem expressão na sua colaboração em
A Campanha Vicentina, na multiplicação de conferências em nome dos valores artísticos e culturais nacionais, recolhidas nos volumes
Em demanda do Graal (
1922) e
Nova demanda do Graal (
1942). A sua acção não se encerra, porém, aqui, sendo de considerar a dedicação à causa infantil, iniciada com
Animais Nossos Amigos (
1911), o filme infantil
O Afilhado de Santo António (
1928), entre outros. Por fim, assinale-se a sua demarcação face ao despontar do
Salazarismo, expressa no texto
Éclogas de Agora (
1935), sob a égide e em defesa do
Integralismo Lusitano.
Teve ainda colaboração em publicações periódicas, de que são exemplo as revistas
Ave Azul (1899-1900),
Serões (1915-1920),
Arte & vida (1904-1906),
A republica portugueza (1910-1911),
Alma Nova (1914-1930),
Atlantida (1915-1920),
Contemporânea (1915-1926),
Ordem Nova (1926-1927) e
Lusitânia (1924-1927).
Cidadão do mundo, Afonso Lopes Vieira não esqueceu as suas origens, conservando as imagens de uma
Leiria de paisagem bucólica e romântica, rodeada de maciços verdejantes plantados de vinhedos e rasgados pelo rio
Lis, mas, sobretudo, de
São Pedro de Moel, lugar da sua
Casa-Nau
e paisagem de eleição do escritor, enquanto inspiração e génese da
sua obra. O Mar e o Pinhal são os principais motivos da sua poética.
Nestas paisagens o poeta confessa sentir-se «[…] mais em família com o
chão e com a gente», evidenciando no seu tratamento uma apetência para
motivos líricos populares e nacionais. Essencialmente panteísta, leu e
fixou as gentes, as crenças, os costumes, e as paisagens de uma
Estremadura que interpretou como «o coração de Portugal, onde o próprio
chão, o das praias, da floresta, da planície ou das serras, exala o
fluido evocador da história pátria; província heróica, povoada de
mosteiros e castelos…» (Nova demanda do Graal, 1942: 65).
Actualmente a Biblioteca Municipal em Leiria tem o seu nome. A sua casa de
São Pedro de Moel foi transformada em Museu. Lopes Vieira é considerado um eminente poeta, ligado à corrente da chamada
Renascença Portuguesa e um dos primeiros representantes do
neogarretismo.
Pinhal do Rei
Catedral verde e sussurrante, aonde
a luz se ameiga e se esconde
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do mar:
ditoso o "Lavrador" que a seu contento
por suas mãos semeou este jardim;
ditoso o Poeta que lançou ao vento
esta canção sem fim...
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
rei D. Dinis, bom poeta e mau marido,
lá vem as velidas bailar e cantar.
Encantado jardim da minha infância,
aonde a minh'alma aprendeu;
a música do Longe e o ritmo da Distância
que a tua voz marítima lhe deu;
místico órgão cujo além se esfuma
no além do Oceano, e onde a maresia
ameiga e dissolve em bruma,
e em penumbra de nave, a luz do dia.
Por estes fundos claustros gemem
os ais do Velho do Restelo...
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
teus velhos troncos de saudades fremem...
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
são as caravelas, teu corpo cortado,
é lo verde pino no mar a boiar.
Pinhal de heróicas árvores tão belas,
foi do teu corpo e da tua alma também
que nasceram as nossas caravelas
ansiosas de todo o Além;
foste tu que lhe deste a tua carne em flor
e sobre os mares andaste navegando,
rodeando a terra e olhando os novos astros,
ó gótico Pinhal navegador,
em naus, erguida, levando
tua alma em flor na ponta alta dos mastros!...
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
que grande saudade, que longo gemido
ondeia nos ramos, suspira no ar!
Na sussurrante e verde catedral
oiço rezar a alma de Portugal:
ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
sonâmbulos de surda ansiedade,
no roxo da tardinha,
abre a flor da Saudade;
ela aí vem, sozinha,
dorida do naufrágio e dos escolhos,
viúva de seus bens
e pálida de amor,
arribada de todos os aléns
de este mundo de dor;
ela aí vem, sozinha,
e reza a ladainha
na sussurrante catedral aonde
toda se espalha e esconde,
e aonde, ecoando a cantar,
se alonga e se prolonga a longa voz do mar.
in Onde a Terra se Acaba e o Mar Começa (1940) - Afonso Lopes Vieira
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