Foi
a 30 de novembro de 1939 que a PSP o prendeu, sob orientação da PVDE e
por ordem do Ministro do Interior, Mário Pais de Sousa.
(...)
Miguel
Torga é conduzido para a esquadra, situada então nas imediações do
edifício do Governo Civil, a caminho do castelo. Depois de interrogado, é
encarcerado, em regime de incomunicabilidade. O dia seguinte era
feriado, dia da Restauração da Independência. Torga permaneceu em
estrita reclusão, a sua solidão apenas quebrada pelos contactos
indispensáveis com os guardas. Só no dia 3, depois de pagar do seu bolso
a estadia no «cuarto particolar» [sic] da PSP, o autor foi conduzido a
Lisboa na «carreira», por um agente de Leiria.
É aí que reencontra os seus amigos, que, para surpresa sua, decidem acompanhá-lo clandestinamente na viagem.
«Mal
entrei na camioneta da carreira, avistei o Dr. Olívio calmamente
sentado a um canto, a folhear o jornal e a fumar o seu cigarro. Fez um
gesto imperceptível, num discreto sinal de cumplicidade, e mergulhou de
novo na leitura. (…) Em Alcobaça, o Dr. Olívio saiu e o lugar foi
ocupado imediatamente pela D. Gena. (…)
Nas Caldas da Rainha, a
D. Gena apeou-se, sorriu mais uma vez antes de desaparecer, e entrou o
marido a substituí-la. Só então intuí o que algumas espreitadelas
furtivas pelo vidro traseiro da viatura logo confirmaram: que o Tomé nos
acompanhava de perto no Ford escalavrado, a apoiar aqueles
revezamentos.
Comovido por semelhante dedicação, tão
delicadamente manifestada – os quatro a dizerem-me todo o caminho, num
testemunho sem palavras, que não estava sozinho no mundo, que algumas
almas solidárias iam ali fiéis a meu lado – o resto da viagem foi quase
de inteira placidez.»
Em Lisboa, a PVDE voltou a interrogá-lo,
sem grande resultado, identificou-o e encaminhou-o para a cadeia do
Aljube. Levantada a incomunicabilidade, foi encafuado numa cela
colectiva, onde conviveu durante uns dias com cerca de uma dezena de
outros prisioneiros. Mas os seus problemas com uma úlcera gástrica
fizeram com que, a 18 de dezembro, fosse internado na enfermaria da
prisão, onde permaneceu até à sua libertação.
Ao longo desse
tempo, recebeu visitas e manteve correspondência com os amigos de
Leiria, que continuaram a apoiá-lo em tudo aquilo que estivesse ao seu
alcance. Foi a eles que Torga pediu ajuda quando Andrée Crabbé, sua
futura mulher, sofreu um acidente de automóvel em Caldas da Rainha,
quando se dirigia a Lisboa para o visitar, ficando internada durante
mais de um mês. Foi também com a sua ajuda que conseguiu iludir os pais
sobre a situação, evitando assim um desgosto que considerava
desnecessário. A correspondência entre Lisboa e S. Martinho de Anta
passava obrigatoriamente por Leiria, onde recebia o carimbo do correio.
Mas
a prisão de Torga provocou algumas reacções na sociedade portuguesa
daquele tempo. Destaca-se, por exemplo, a existência, no processo da
PIDE sobre Torga, de um “memorial” [sic], sem data, do deputado, médico e
professor António de Almeida, natural de Penalva do Castelo, que se
insurge com tal medida.
Exaltando as qualidades literárias e
“nacionalistas” de Torga, sugere que, «para castigo basta a apreensão do
livro». E ainda que «a completar os ensinamentos que da prisão
resultaram, deixá-lo estar mais uns dias na cadeia e, depois, deixá-lo
ir tratar da vida».
Mas, como se sabe, só a 2 de fevereiro de
1940 o ministro do Interior resolve dar ordem para a sua libertação,
cerca de dois meses depois da sua detenção em Leiria.
Texto de Carlos Alberto R. S. Silva publicado nas Actas do I Colóquio "Miguel Torga em Leiria" - 2009
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