O caso da White Island
Victor-Hugo Forjaz
- Professor Catedrático Emérito de Vulcanologia
Nos Açores, terra vulcânica e geotérmica como a Nova Zelândia, os Planos de Emergência, salvo os de dois municípios de S. Miguel, constituem pouco mais do que peças decorativas de algumas gavetas.
1 A crosta terrestre anda agitada em diversas partes do mundo - não
apenas a oeste da Ilha do Faial. Neste caso evidenciamos os recente e
trágicos fenómenos de 9 de dezembro de 2019 ocorridos em White Island,
na Nova Zelândia, um dos vulcões mais activos do planeta e área de
grande procura geoturística (incorrectamente noticiada em jornais e TV’s
como Ilha Branca).
Afora os 6 mortos confirmados, os 30 turistas
internados (alguns em graves situações) e as dezenas de desaparecidos
(que ou morreram ou sofreram graves ferimentos), a violenta erupção
freática (reacção água/magma), do tipo “side blast” (impacto lateral) ,
excedeu a rotina eruptiva, no geral caracterizada por explosões
subverticais cujos “comportamentos“ ou figurinos eram bem conhecidos
quer dos guias das excursões quer do proprietário da pequena ilha (cerca
de um quarto do Corvo). Seguiu -se uma explosão freática vertical que
alcançou os 3.800 metros .
2 Quando a Professora Zilda França e eu lá fomos, numa missão
científica, a ilha era estatal. Porém quando lá me desloquei uma segunda
vez a ilha já era privada, ou seja, tinha sido vendida a um ricaço que a
alterou para lucrativo negócio, muito maior do que a pobretana subida e
espezinhamento oficialmente autorizado (!!) do precioso Piquinho da
Ponta do Pico….
O novo proprietário já tinha construído um pontão
de acostagem de embarcações dos grandes paquetes que se avizinhavam
prudentemente da ilhota. A nossa embarcação era oficial pelo que
acostou, não pagou soberanas taxas e colocou-se nas imediações,
aguardando o regresso da equipa do Serviço Geológico de Auckland,
capital da Ilha Norte da Nova Zelândia.
3 Observámos diversas
pequenas erupções freáticas, recolheram-se amostras, os peritos locais
mediram temperaturas e efectuaram diversos testes geofísicos
(gravimetria, sismologia de detalhe, magnetismo, geoelectricidade, etc.)
e recolhemo-nos a terra mais firme da Ilha Norte. Nos escritórios tomei
contacto com toda a cuidadosa metodologia dos vulcanólogos
neozelandeses e impressionou-me a estreita colaboração entre a
universidade e os outros dois serviços estatais que seguiam White Island
desde há muitos anos. Enfim, demostraram que, em vulcanologia, não
devem existir exclusivos e que se deve alcançar a Verdade ao longo de
trocas de opiniões e de aplicação de diversas técnicas .
4 Em 16 de setembro p.p.. os especialistas alertaram para
sinais de incremento da explosividade de White Island bem como dos
respectivos perigos. O proprietário da ilhota privada e os seus guias
não seguiram os alertas pois apenas se preocupavam com os lucros dos
passageiros dos vizinhos grandes navios de turismo.
White Island: é bem visível a destruição do bordo da cratera, por impacto lateral, da chaminé central para o bordo direito
No recente dia 9 de dezembro cerca de 50 pessoas, entre os 13 e os 72
anos de idade, confiantes na segurança do passeio, desembarcaram no
pontão-cais e meteram-se terra adentro. Pelas 14.11 horas (tempo local )
desenlaçou-se o que os cientistas esperavam — uma tremenda erupção
freática, resultante do contacto súbito de águas oceânicas com uma massa
lávica (magmática) em ascensão. Foi um inferno - gente pelo ar, guias
desorientados, cais quase destruído, embarcações tentando fugir, etc,
etc. Conseguiu-se recolher 31 pessoas onde 27 exibiam queimaduras de 70%
do corpo. Um segundo grupo desapareceu. A primeira ministra da Nova
Zelândia considerou o desastre como uma emocionante tragédia .
5 Este nosso texto, porém, tem ainda outra finalidade, ou seja, sintetizar o desfecho além da procura de vivos e de mortos.
Assim, no dia seguinte ao desastre, a polícia neozelandesa decidiu
apurar responsabilidades e as investigações serão em breve anunciadas.
Desse
modo um determinado n.º de entidades será responsabilizada, desde a
proteção civil Nacional à proteção civil dos municípios (mayors) e de
seus planos e ensaios de emergência.
Um grande sarilho mas também um alerta para
os Açores, terra vulcânica e geotérmica como a Nova Zelândia onde os
Planos de Emergência, salvo os de dois municípios de S. Miguel (Ponta
Delgada e Vila Franca do Campo), constituem peças decorativas de algumas gavetas e
onde a qualidade é medida pelo peso das páginas e dos mapas anexos!
Medite-se
na forma como o faz o gestor da presente crise sísmica a oeste do
Faial, deixando a população desinformada e sozinha. As geotermias de
S.Miguel e da Terceira são outros segredos sem acesso a peritos que os
desejem (apenas manusear) com o pretexto de que se trata de empresa
privada… E o geólogo director-técnico reside em Lisboa! Oremos pelo
futuro…
in Observador
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