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sexta-feira, março 08, 2013

João de Deus nasceu há 183 anos

João de Deus de Nogueira Ramos (São Bartolomeu de Messines, 8 de março de 1830 - Lisboa, 11 de janeiro de 1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objecto das mais variadas homenagens e, aquando da sua morte, sepultado no Panteão Nacional. Foi considerado o poeta do amor.


Beijo

Beijo na face
Pede-se e dá-se:
    Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
    Vá!



Um beijo é culpa
Que se desculpa:
    Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
    Vá!




Um beijo é graça
Que a mais não passa:
    Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
    Vá!


Guardo segredo,
Não tenha medo...
    Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
    Dê!


Como ele é doce!
Como ele trouxe,
    Flor!
Paz a meu seio;
Saciar-me veio,
    Amor!


Saciar-me? louco...
Um é tão pouco,
    Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
    Amor!


Talvez te leve
O vento em breve,
    Flor!
A vida foge.
A vida é hoje,
    Amor!


Guardo segredo;
Não tenhas medo
    Pois!
Um mais na face
E a mais não passe!
    Dois...


Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
    Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
    Três!


Três é a conta
Certinha e justa...
    Vês?
E o que te custa?
Não sejas tonta!
    Três!


Três, sim. Não cuides
Que te desgraças:
    Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes,
    Três.


As folhas santas
Que o lírio fecham,
    Vês?
E que o não deixam
Manchar, são... quantas?
    Três!...


in Campo de Flores (1868) - João de Deus

quinta-feira, março 08, 2012

O poeta e pedagogo João de Deus nasceu há 182 anos

Estátua a João de Deus no Jardim da Estrela 
João de Deus de Nogueira Ramos (São Bartolomeu de Messines, 8 de março de 1830 - Lisboa, 11 de janeiro de 1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado. Gozou de extraordinária popularidade, foi quase um culto, sendo ainda em vida objecto das mais variadas homenagens e, aquando da sua morte, sepultado no Panteão Nacional. Foi considerado o poeta do amor.

(...)

Na literatura da sua época, João de Deus ocupou uma posição singular e destacada. Surgido nos finais do ultra-romantismo, aproximou-se da tradição folclórica de forma mais conseguida que qualquer outro escritor romântico português. A sua poesia distinguiu-se, sobretudo, pela grande riqueza musical e rítmica.
Grande parte da sua obra poética está presente em Flores do Campo (publicada em 1868), Folhas Soltas (1876) e Campos de Flores. Esta última obra, publicada em 1893, além de conter outros poemas, engloba também o conteúdo de "Flores do Campo" e "Folhas Soltas", pelo que funciona como uma colectânea da sua obra poética.
Foi, ainda, autor de fábulas e de obras destinadas ao teatro, estas na maior parte dos casos traduções e adaptações de autores estrangeiros. Grande parte da sua produção em prosa foi reunida na colectânea Prosas.
Mas a sua obra mais importante viria a ser a Cartilha Maternal, um método destinado a ajudar a aprendizagem da leitura a criança, que ainda hoje mantém seguidores.


Saudade


Tu és o cálice;
Eu, o orvalho!
Se me não vales,
Eu o que valho?


Eu se em ti caio
E me acolheste
Torno-me um raio
De luz celeste!


Tu és o colo
Onde me embalo,
E acho consolo,
Mimo e regalo:


A folha curva
Que se aljofara,
Não d'água turva,
Mas d'água clara!


Quando me passa
Essa existência,
Que é toda graça,
Toda inocência,


Além da raia
D'este horizonte -
Sem uma faia,
Sem uma fonte;


O passarinho
Não se consome
Mais no seu ninho
De frio e fome,


Se ela se ausenta,
A boa amiga,
Ah! que o sustenta
E que o abriga!


Sinto umas mágoas
Que se confundem
Com as que as águas
Do mar infundem!


E quem um dia
Passou os mares
É que avalia
Esses pesares!


Só quem lá anda
Sem achar onde
Sequer expanda
A dor que esconde;


Longe do berço,
Morrendo à mingua,
País diverso...
Diversa língua...


Esse é que sabe
O meu tormento,
Mal se me acabe
Aquele alento!


Ah, nuvem branca
Ah, nuvem d'oiro!
Ninguém me estanca
Amargo choro;


E assim que passes
Mesmo de largo...
Vê n'estas faces
Se há pranto amargo.


Tu és o norte
Que me desvias
De ir dar à morte
Todos os dias;


A larga fita
Que d'alto monte
Cerca e limita
O horizonte!


Tu és a praia
Que eu solicito!
Tu és a raia
D'este infinito!


Se há uma gruta
Onde me esconda
À força bruta
Que traz a onda;


À força imensa
D'esta corrente
D'alma que pensa,
Alma que sente;


Se há uma vela,
Se há uma aragem,
Se há uma estrela,
N'esta viagem...


É quem eu amo,
A quem adoro!
E por quem chamo!
E por quem choro!


in Ramo de Flores - João de Deus

domingo, dezembro 25, 2011

Irene Lisboa nasceu há 119 anos

 Irene Lisboa na Quinta dos Lacerdas (Outubro de 1933 - retirado daqui)

Irene do Céu Vieira Lisboa nasceu na Quinta da Murzinheira, freguesia de Arranho, concelho de Arruda dos Vinhos no dia 25 de dezembro de 1892. Foi escritora, professora e pedagoga portuguesa. Formou-se pela Escola Normal Primária de Lisboa, depois continuou os estudos na Suíça, França e Bélgica onde se especializou em Ciências de Educação, o que a habilitou a escrever várias obras sobre assuntos pedagógicos. Durante a estadia em Genebra, mercê de uma bolsa do Instituto de Alta Cultura, teve a oportunidade de conhecer Jean Piaget e Édouard Claparède, com quem estudou no Instituto Jean-Jacques Rousseau.
Começou a vida profissional como professora da educação infantil. Em 1932 recebeu o cargo de Inspectora Orientadora do ensino primário e infantil. Como destaca Rogério Fernandes: «o programa de tal departamento desenhado por Irene Lisboa, reformulava de alto a baixo as funções de um órgão estatal até aí consagrado exclusivamente ao controlo ideológico, administrativo e disciplinar dos docentes.». Eis a razão porque Irene Lisboa foi afastada do cargo, primeiro para funções burocráticas – foi nomeada para o Instituto de Alta Cultura – e depois, em 1940, definitivamente afastada do Ministério da Educação e de todos os cargos oficiais, por recusar um lugar em Braga. Na verdade, foi uma forma de exílio para uma pedagoga incómoda pelas suas ideias avançadas.
Irene Lisboa dedicou-se por completo à produção literária e às publicações pedagógicas. No entanto não foi livre na expressão dos seus pensamentos. «Restavam-lhe a imprensa, o livro, a conferência. Grande parte das suas intervenções tem, precisamente, esses suportes, mas convém não esquecer que o controlo censório exercido pela ditadura salazarista sobre a expressão pública do pensamento não lhe permitiu certamente a transmissão das suas opiniões com toda a claridade.»
Faleceu a 25 de novembro de 1958, a um mês de cumprir 66 anos de idade.
A escrita dominou toda a sua vida. A obra literária que produziu foi elogiada por alguns dos seus pares como José Rodrigues Miguéis, José Gomes Ferreira e João Gaspar Simões, embora nunca tenha tido grande aceitação por parte do público.


PEQUENOS POEMAS MENTAIS

Mental: nada, ou quase nada sentimental.


I

Quem não sai de sua casa,
não atravessa montes nem vales,
não vê eiras
nem mulheres de infusa,
nem homens de mangual em riste, suados,
quem vive como a aranha no seu redondel
cria mil olhos para nada.
Mil olhos!
Implacáveis.
E hoje diz: odeio.
Ontem diria: amo.
Mas odeia, odeia com indómitos ódios.
E se se aplaca, como acha o tempo pobre!
E a liberdade inútil,
inútil e vã,
riqueza de miseráveis.


II

Como sempres, há-de-chegar, desde os tempos!
Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.
Mas que vos reunirá, pensamentos?
Chegais a existir, pensamentos?
É provável, mas desconfiados e inválidos,
Rosnando estúpidos, com cães.

Ó inúteis, aquietai-vos!
Voltai como os cães das quintas
ao ponto da partida, decepcionados.
E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.


III

Esse gesto...
Esse desânimo e essa vaidade...
A vaidade ferida comove-me,
comove-me o ser ferido!

A vaidade não é generosa, é egoísta,
Mas chega a ser bela, e curiosa!
E então assim acabrunhada...
Com franqueza, enternece-me.

Subtil
A minha mão que, julgo, ridiicularizas,
de que desconheces a suavidade,
cerra-te pacificamente os olhos
e aquieta benignamente o ar.
Paira sobre a tua cabeça, móbil, branda,
na prática de um velho rito,
feminil, piedoso, desconhecido e inconfesso.


IV

Ó luxúria brutal, perversa e felina,
dos outros, alheia,
sem pensamentos nem repouso!
retira-me da frente o venenoso cálice,
a tua peçonha adocicada.
Que a morte, o nirvana, a indiferença
dos longuíssimos anos sem sobressaltos, me retome.

Abro os braços e meço: cá, lá... cá, lá...
solidão, infinita solidão!
E neste movimento, neste balouço, adormeço,
Cá, lá... morte, vida... morte, vida...
Todas as ausências, todas as negações.


V

Os poetas cumprimentam-se, delicados.
Cada um como seu metro, o seu espírito, a sua forma;
as suas credenciais...
Mas são simpáticos os poetas!
Sensíveis, femininos, curiosos.
Envolve-os um mistério.
Não! Esta é a linguagem de toda gente: o mistério...
Que mistério?
Os poetas são apenas reservados, são apenas...
perturbados e capciosos.


VI

Cai um pássaro do ar, devagar, muito devagar.
E as árvores soturnas não se mexem.
Estio!
Não se vêem bulir as árvores, em bloco, ou aos arcos,, estampadas...
Elegante Lapa! Sol fosco, paisagem de manhã.
A gente do sítio, pobreza e riqueza, ainda recolhida.
Aqui, uma janela discreta que se abre, preta, cega.
Ali outra fechada.
E esta alternância, bastante irregular, vai-se repetindo, repete-se...

E eu, ai eu! Prisioneira, sempre prisioneira; tão enfadada!


in Revista de Portugal, n. 3, 1938