Inspecção-Geral de Educação acusada de incentivar "comportamentos denunciantes"
29.04.2009 - 07h24 Graça Barbosa Ribeiro
Vários meses depois de a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, ter sido recebida com ovos, a Inspecção-Geral de Educação (IGE) foi ouvir os estudantes, maiores de 16 anos, da Escola Secundária de Fafe. A Associação de Pais contesta o método de interrogatório que, diz, incentiva a um "comportamento denunciante" e "é absolutamente inconcebível depois do 25 de Abril". Os pais já enviaram cartas ao procurador-geral da República, ao provedor de Justiça e aos grupos parlamentares. A IGE assegura, através de ofício, que nada de ilegal ocorreu.
O protesto que deu origem às averiguações da IGE ocorreu em Novembro. Maria de Lurdes Rodrigues dirigia-se a um edifício próximo da Escola Secundária de Fafe, para participar numa sessão de entrega de diplomas do programa Novas Oportunidades, quando cerca de 200 alunos se aproximaram, vaiando a ministra e arremessando ovos contra as viaturas oficiais. A ministra nem chegou a sair do automóvel e a manifestação não durou muito, ao contrário das consequências, que se prolongaram no tempo.
O conselho executivo da escola, os pais e as associações sindicais vieram a terreiro criticar a forma como os estudantes protestaram contra o estatuto do aluno. Mas nem assim os ânimos serenaram. Vinte quatro horas depois, em Baião, miúdos armados com ovos esperaram por um governante que não apareceu. E, dias mais tarde, era a vez de os secretários de Estado Jorge Pedreira e Valter Lemos serem alvejados com ovos e tomates, em Lisboa, ao que reagiram dizendo não acreditar que as manifestações fossem espontâneas.
“As perguntas feitas aos alunos permitem-nos deduzir que é isso que pretenderão provar — que eles foram manipulados, nomeadamente pelos professores”, comentou ontem, em declarações ao PÚBLICO, Paulo Nogueira Pinto, ele próprio docente (noutra escola) e pai de uma das alunas interrogadas pelo inspector da DGE. “Como é que souberam que a ministra vinha a Fafe? Quem é que se lembrou de fazer a manifestação? Os professores deram aulas? Marcaram faltas a quem não esteve na sala? Como é que os alunos saíram da escola? Estava algum funcionário à porta?”, desfia Nogueira Pinto, exemplificando perguntas a que a sua filha, aluna do 10.º ano, teve de responder.
Segundo diz, ela foi escolhida “de forma mais ou menos aleatória”. Estava a terminar uma aula de Educação Física quando o inspector pediu ao professor que lhe indicasse alunos com 16 anos ou mais. “Ela fazia parte do grupo e, como já tinha acabado os exercícios, foi indicada ”, explicou.
Nogueira Pinto diz não duvidar da veracidade do esclarecimento da DGE que, em resposta à sua reclamação, informa que o interrogatório foi legal na medida em que foi feito a jovens maiores de 16 anos, imputáveis para fins penais. Insiste, no entanto, que, “do ponto de vista ético, o método é profundamente incorrecto”.
Aquele pai contesta o facto de a aluna, de 16 anos, ter sido levada para uma sala que não conhecia para ser interrogada durante cerca de uma hora, e também o facto de, na sua perspectiva, ter sido “incitada a acusar e denunciar pessoas, nomeadamente os seus professores, pelos quais se espera que tenha respeito como figuras de autoridade”. “No fim, fizeram-na assinar uma folha com a suposta transcrição das suas declarações, feitas por uma pessoa que a DGE identifica como sendo o secretário do inspector”, relatou.
O presidente da associação de pais, Manuel Oliveira Gonçalves, diz que mal foi alertado para o que estava a acontecer, durante o mês de Março, se dirigiu ao conselho executivo, que disse desconhecer como estavam a ser escolhidos os alunos e como decorriam as audições. E que, por isso, auscultou alguns dos estudantes ouvidos, cujos relatos coincidiam com o da filha de Nogueira Pinto.
“Assim como criticámos os alunos pela forma como se manifestaram, agora questionamos a legalidade e a legitimidade de um interrogatório deste tipo”, afirmou ontem Manuel Gonçalves. Não se considera “satisfeito com o esclarecimento” dado a Nogueira Pinto. “Por um lado, custa-me a crer que seja legal. Mas, ainda que assim fosse, não é legítimo. Eu nem queria acreditar que isto estava acontecer, tantos anos depois do 25 de Abril”, comentou.
O PÚBLICO contactou o vice-presidente do conselho executivo da escola, Rui Fonseca, que, dando conta da ausência do presidente, não quis comentar o assunto, alegando desconhecer pormenores. Também o Ministério da Educação, através do assessor de imprensa, Rui Nunes, se escusou a prestar qualquer esclarecimento.