Uma das cópias certificadas da Magna Carta preparadas em 1215
A
Magna Carta (significa "Grande Carta" em
latim), cujo nome completo é
Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês), é um documento de
1215 que limitou o poder dos monarcas da
Inglaterra, especialmente o do rei
João, que o assinou, impedindo assim o exercício do
poder absoluto. Resultou de desentendimentos entre João, o
Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano. Segundo os termos da Magna Carta, João deveria renunciar a certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que a vontade do
rei estaria sujeita à
lei. Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao surgimento do
constitucionalismo.
Antecedentes
Após a
conquista normanda da Inglaterra de
1066 e os acontecimentos históricos do
século XII, o Rei da
Inglaterra tornara-se, na passagem para o
século XIII, um dos soberanos mais poderosos da
Europa, devido ao sofisticado sistema de governo centralizado introduzido pelos
normandos e às amplas possessões anglo-normandas no continente. Entretanto, uma extraordinária sequência de fracassos da parte do rei
João - que subira ao trono inglês no início do século XIII - levou os barões ingleses a revoltarem-se e a impor limites ao poder real.
Foram três os seus grandes fracassos.
Primeiro, o Rei não tinha o respeito dos seus súbditos, devido à maneira pela qual obteve o poder após a morte de
Ricardo Coração-de-Leão. João mandou aprisionar e, ao que parece, liquidar o seu sobrinho e co-pretendente ao trono,
Artur da Bretanha, causando a rebelião da
Normandia e da
Bretanha contra o rei inglês.
Em segundo lugar, João fracassou na sua tentativa de reconquistar os territórios ingleses tomados por
Filipe Augusto de França, fracasso este que ficou patente com a
batalha de Bouvines, em
1214. Não é por este motivo que João é chamado de "Sem Terra" (
Lackland), mas sim porque, sendo o filho mais novo, não recebera terras em herança, ao contrário dos seus irmãos mais velhos.
O terceiro fracasso de João foi envolver-se numa controvérsia com a
Igreja Católica acerca da indicação do
Arcebispo da Cantuária. O rei recusou-se a aceitar a indicação feita pelo
Papa para a posição e, como consequência, a
Inglaterra foi colocada sob sentença de interdição até que João se submetesse, em
1213.
Eventos consequentes
Em
10 de junho de
1215, os
barões, revoltados com os fracassos do rei, tomaram
Londres e forçaram
João a aceitar um documento conhecido como os "Artigos dos Barões", ao qual o grande selo real foi aposto em
Runnymede, a
15 de junho do mesmo ano. Em troca, os barões renovaram os seus juramentos de fidelidade ao rei, em
19 de junho. Um diploma formal, preparado em 15 de junho pela chancelaria, para registar o acordo entre o rei João e os barões, ficou conhecido como
Magna Carta. Cópias desta foram enviadas a funcionários tais como xerifes e bispos.
A cláusula mais importante para João, naquele momento, era a 61ª, conhecida como "cláusula de segurança" e a mais extensa do documento. Estabelecia um comité de 25 barões com poderes para reformar qualquer decisão real, até mesmo pela força se necessário.
João não pretendia honrar a Magna Carta, já que esta havia sido selada sob coerção; ademais, a cláusula 61 anulava, para todos os efeitos práticos, as suas prerrogativas como monarca. O rei, portanto, repudiou o documento assim que os barões deixaram Londres, o que mergulhou a Inglaterra numa
guerra civil.
João viria a morrer em
Newark, Inglaterra, em
18 de outubro de
1216, possivelmente envenenado por um abade, irritado por ele ter tentado seduzir uma freira e encontra-se sepultado na catedral de
Worcester. Subiu ao trono o seu filho Henrique III, em outubro de
1216. A Magna Carta foi repristinada em nome de seu filho e sucessor,
Henrique III, pela sua regência (Henrique era menor de idade), em novembro daquele ano, suprimindo-se algumas cláusulas, inclusive a 61ª. Quando atingiu a maioridade, aos 18 anos, em
1225, Henrique republicou o documento mais uma vez, numa versão ainda mais curta, com apenas 37 artigos.
Na altura da morte de Henrique, em
1272, a Magna Carta já se tinha incorporado ao direito inglês, o que tornaria mais difícil a um futuro soberano anulá-la. O
Parlamento de
Eduardo I, filho e sucessor de Henrique, republicou o documento uma última vez, em
12 de outubro de
1297, como parte de um estatuto conhecido como
Confirmatio cartarum e que confirmava a versão curta de 1225.
Os Termos da Magna Carta
A Magna Carta foi redigida em
latim.
O documento garantia certas liberdades políticas inglesas e continha disposições que tornavam a Igreja livre da ingerência da monarquia, reformavam o direito e a justiça e regulavam o comportamento dos funcionários reais.
Grande parte da Magna Carta foi copiada da Carta de Liberdades de
Henrique I, outorgada em
1100 e que submetia o
Rei a certas
leis acerca do tratamento de oficiais da
igreja e
nobres – o que na prática concedia determinadas
liberdades civis à igreja e à nobreza inglesa.
O documento compõe-se de 63 artigos ou cláusulas, a maioria referente a assuntos do
século XIII e de importância datada (
e.g., redução das reservas reais de caça). O texto é um produto de negociação, pressa e diversas mãos.
Uma das cláusulas que maior importância teve ao longo do tempo é o artigo 39 (tradução livre a partir de uma versão em
inglês):
"Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra."
Significa que o rei devia julgar os indivíduos conforme a lei, seguindo o devido processo legal, e não segundo a sua vontade, até então absoluta.
O artigo 40 dispõe:
"A ninguém venderemos, a ninguém recusaremos ou atrasaremos, direito ou justiça."
Importância
A versão de
1225 da Magna Carta é o primeiro estatuto inglês e a pedra angular da
constituição britânica. Tornou-se especialmente importante no
século XVII, com o recrudescimento do conflito entre a coroa e o
Parlamento. Foi revis
ta diversas vezes, de maneira a garantir mais amplos direitos a um número maior de pessoas e preparando o terreno para o surgimento da monarquia constitucional britânica.
A Magna Carta de
1297 ainda integra o direito inglês, embora apenas os artigos 1, 9 e 29, bem como parte da introdução, estejam em vigor.
Etimologia
De
magna, feminino de "grande" em
latim, e
carta, ae, termo latino que se refere à folha de papiro pronta para a escrita e que está na origem da palavra "carta" em
português.
Cópias da Magna Carta
Atualmente existem 17 cópias do texto. A maior parte está em Inglaterra, na Biblioteca Britânica, Arquivos da Catedral de
Salisbury, arquivos Públicos de Londres e Biblioteca Bodleian da
Universidade de Oxford.
Fora da Inglaterra há duas cópias, uma no Parlamento, em
Camberra que foi doada ao povo australiano e outra na mão de privados.
A única versão nas mãos de privados (de 1297 com o selo real de Eduardo I) pertence ao advogado e magnata americano David Rubenstein, co-fundador do grupo financeiro Carlyle e antigo conselheiro de assuntos internos do presidente
Jimmy Carter. Durante cinco séculos foi propriedade da família Brudenell. Em 1984, foi comprada pela fundação Perrot. Em 18 de dezembro de 2007 Rubenstein comprou por 21,3 milhões de dólares (14,8 milhões de euros) na
Sotheby's de
Nova Iorque.