Brasão de El-Rei D. João I
- atribuições da coroa;
- o financiamento da guerra:
- a formulação dos capítulos que um dos três estados podia propor à resolução real.
O clero esteve representado pelo arcebispo de Braga, pelos
bispos das principais cidades, pelo
prior de Santa Cruz de Coimbra, por dois
abades mitrados beneditinos, por
Rui Lourenço, deão de Coimbra, e «outros prelados» entre os quais
D. João de Ornelas, abade de
Alcobaça. A nobreza, por setenta e dois fidalgos e muitos outros cavaleiros e escudeiros. E, como procuradores dos povos, os representantes de trinta e uma vilas e cidades. Antes de referir o que de fundamental se passou nestas cortes convém dizer em traços largos qual o panorama político-económico-social do País.
Alguns autores interpretam que os burgueses e os legistas apressaram o desmembramento da nobreza, quando promoveram e orientaram a revolução, aproveitando, ao que parece, uma experiência anterior, vivida escassos anos atrás, aquando dos tumultos de
1372, em que a «arraia-miúda» se manifestou contra o casamento de
D. Fernando com
D. Leonor Teles. Essa, sim, terá sido a verdadeira rebelião popular espontaneamente surgida, pois o povo não queria ver fortalecida, junto do rei, a posição da nobreza, a que estava ligada a nova rainha. Assim, o movimento dos mesteirais de Lisboa, capitaneado por
Fernão Vasques, em 1372, terá ficado na memória da burguesia, mostrando-lhe bem a valia potencial das massas revoltadas, se estas viessem a ser orientadas para lhe servirem de instrumento para a consecução do papel político que era ambicionado pelos armadores e mercadores de Lisboa e do Porto.
Desencadeada essa força, a burguesia irá servir-se dela para se alcandorar, com o Mestre de Avis, à direcção superior do Reino, sendo, para isso, assistida pelos legistas, cujas concepções de Direito romano irão ajudar à consolidação do Estado.
A aceitação de um rei estrangeiro pelos Portugueses mostrava-se difícil.
Formaram-se logo três partidos:
- Partido Legitimista ou partido de Castela, constituído por grande parte da nobreza que prestou vassalagem a João I de Castela e a D. Beatriz de Portugal como Rei e Rainha e senhores de Portugal (não esteve presente nas Cortes de Coimbra nem nunca tentou realizar quaisquer Cortes em Portugal)
- Partido Legitimista-Nacionalista, dos nobres que defendiam a causa de D. João de Portugal, Duque de Valência de Campos e do seu irmão, D. Dinis, filhos de D. Pedro I e D. Inês de Castro;
- Partido Nacionalista, que defendia a tomada do trono pelo Mestre de Avis, D. João I. Este, era constituído pelos mesteirais e burgueses, além do apoio da população de Lisboa, que temiam que o trono caisse nas mãos dos castelhanos, e foi representado por Álvaro Pais e Nuno Álvares Pereira. Os legistas deste partido eram representados pelo Doutor João das Regras.
- Para seus membros, a independência do reino de Portugal estaria na tomada de posse do Mestre de Avis, e não poderiam ser elevados a representantes do reino a D. Beatriz de Portugal nem os infantes D. João e D. Dinis, filhos de D. Pedro I e de Inês de Castro - a primeira, porque era casada com D. João I de Castela; os segundos, porque já tinham participado de lutas ao lado dos castelhanos contra o reino de Portugal.
No que respeita ao
clero, houve no início algumas figuras marcantes, como os
bispo de Lisboa,
bispo de Coimbra e
bispo da Guarda (os dois primeiros, D. Martinho e D. João Cabeça de Vaca, eram castelhanos), que aderiram ao partido do rei de
Castela. Mas o mesmo não aconteceu com outros, como o
arcebispo de Braga,
D. Lourenço Vicente que, sendo partidário da causa nacional, teve uma atitude patriótica ao longo de toda a crise e muito contribuiu para o triunfo final.
Em grande parte, a nobreza desta época alinhou com João I de Castela, que reclamava ser rei e senhor efectivo de Portugal pelo seu casamento com Beatriz e pela renúncia à regência de
Leonor Teles de Meneses. Mas houve também fidalgos que tomaram o partido do mestre de Avis. Eram, no entanto, na sua maioria, das mais baixas camadas da nobreza. A única excepção de relevo verificou-se nas Ordens Militares, que se mantiveram quase todas do lado português. Assim, para além do povo e das baixas camadas da nobreza e respectivos homens de armas, o núcleo mais activo com que pôde contar o «Regedor e Defensor do Reino» foi constituído por uma classe média de burgueses e de artesãos.
No entanto nem todos os burgueses estavam de acordo com o célebre
Álvaro Pais. Os grandes da cidade de Lisboa, chamados a ratificar a escolha do mestre de Avis para «Regente», mostraram-se hesitantes e tiveram de ser persuadidos pela rudeza do povo personificada num seu representante, o tanoeiro
Afonso Anes Penedo.
Abertas as cortes, o dr.
João das Regras, notável legista, omitindo o nome do seu candidato, refutou os possíveis direitos daqueles que se apresentavam como pretendentes ao trono de Portugal. Contra Beatriz e João I de Castela, a principal razão invocada foi a quebra pelo rei castelhano do
tratado antenupcial de Salvaterra, de março de 1383, e o facto de ser
cismático. Mas a despeito de todos os seus argumentos, que visavam demonstrar que o trono estava completamente vago, os seguidores do infante D. João não se deram por vencidos, dizendo que era a ele que o reino pertencia de direito e sem qualquer dúvida. As discussões arrastavam-se, e então, de forma inesperada e arrasadora, o legista exibe e lê a carta em que o
Papa Inocêncio VI se tinha recusado a legitimar os filhos do Rei D. Pedro e de D. Inês de Castro, fazendo cessar a oposição por parte de
Martim Vasques da Cunha e dos outros apoiantes do infante D. João a que as Cortes elegessem um novo rei. João das Regras propõe então abertamente D. João, Mestre de Avis, para rei de Portugal, o qual é eleito «por unida concordança de todos os grandes e comum povo» (
Fernão Lopes,
Crónica de el-rei D. João I, capítulo 191).
Quanto ao «financiamento da guerra», os concelhos autorizaram um «pedido» de 400 000 libras. Seguiram-se os capítulos dos povos, na sua maioria de grande importância, e só a cidade de Lisboa apresentou 36. Os diplomas que despacham os capítulos das cortes têm a data de
10 de abril de
1385.