Toda a obra de Byron, que exprime o
pessimismo
romântico, com a tendência a se voltar contra os outros e contra a
sociedade, pode ser vista como um grande painel autobiográfico. Foram
novos, em sua postura, o tom declarado de rebeldia ante as convenções
morais e religiosas e o charme
cínico de que seu herói demoníaco sempre se revestiu.
A fama de Byron não se deve somente aos seus escritos, mas também a sua
vida - amplamente considerada extravagante - que inclui numerosas
amantes,
dívidas, separações e alegações de
incesto.
A família Byron
Ameaçado de excomunhão, pelo assassinato de
Thomas Becket, o rei
Henrique II
prometeu ao papa fazer penitência e donativos aos mosteiros. Ordenou
que árvores fossem tombadas e que se construíssem no local abadias,
dedicadas à Virgem, que receberam o nome de Newstead.
Os monges que viviam em Newstead obedeciam a regras simples, tais como:
não possuir nada, amar a Deus e ao próximo, vencer as tentações
carnais e não fazer nada que provocasse escândalos. Além disso,
distribuíam aos pobres esmolas anuais, em memória de seu fundador.
Os abades sucederam-se durante três séculos, até o reinado de
Henrique VIII. Este, com a intenção de se casar com
Ana Bolena, pediu ao papa para que anulasse seu casamento com
Catarina de Aragão. O papa recusou.
Foi então, decretado o confisco de todos os conventos religiosos que
não dispusessem de renda maior que 200 libras. A abadia de Newstead foi
atingida pelo decreto e, os cónegos que ali viviam, foram expulsos, com
mínimos benefícios concedidos pelo rei.
Os camponeses, frustrados, viram partir os monges. Imaginaram que eles
iriam assombrar as celas vazias e que a abadia causaria desgraças a
quem ousasse comprá-la. Um ano depois, o rei Henrique VIII vendeu o
mosteiro ao seu fiel súbdito, Sir John Byron, conhecido como o “Pequeno
Sir John da Barba Grande”.
Sir John pertencia a uma família que possuía muitas terras. Ele
transformou a abadia num imenso e belo castelo e os seus descendentes
apegaram-se àquela casa. Ninguém, exceto os camponeses, imaginava que a
influência dos monges viesse a afetar tanto a família Byron.
A influência dos monges
O quarto lorde Byron, que viveu no
século XVII,
teve dois filhos que iriam marcar pela eternidade as influências
negativas dos monges sobre a família: O mais velho, quinto lorde Byron,
teve seu destino marcado pelo assassinato que cometeu. Ele estava numa taberna, conversando sobre caça, quando iniciou uma ignóbil
discussão com Chaworth, que havia falado mal do quinto Lorde por suas
falhas na caça.
Ambos se enfrentaram e Chaworth foi rasgado pela espada de Byron. O
quinto e desgraçado Lorde Byron foi julgado e absolvido. Porém carregou
consigo o eterno peso de ser encarado como um assassino. Talvez, por
isso, tenha desenvolvido um comportamento estranho durante sua vida, o
mesmo comportamento que o qualificou com o apelido de “Lorde mau”.
Durante a noite, ele abria as represas dos rios para destruir as
fábricas de fiação; esvaziava os lagos dos vizinhos; mandou construir
na margem de seu lago dois pequenos fortes de pedra, e mantinha uma
frota de barcos de brinquedo, os quais fazia flutuar no lago;
organizava sobre seu próprio corpo corridas de grilos que, segundo seus
criados, lhe obedeciam.
Já o seu irmão (avô do Byron poeta) não conseguia fugir da semelhante
sina. “Jack Mau-Tempo”, como era chamado, era um azarado almirante, que
morreu como vice-almirante em
1786.
O seu apelido não era ocasional. Diziam que toda vez que Byron
preparava o barco e posicionava-se sobre ele, uma forte tempestade
armava-se. “Jack Mau-Tempo” teve dois filhos: o mais velho, John, pai
do Byron poeta, era soldado. O segundo, Georges Anson, marinheiro.
O nascimento e casamento com Catherine de Gight
John Byron era um soldado violento e que acumulava monstruosas dívidas,
facto que levou a ser apelidado de “Jack o Louco”. Casou-se com a, até
então, Marquesa de Carmarthen, uma linda jovem que abandonou o seu
marido, Lord Carmarthen, para ficar com Byron, tornando-se assim, a
baronesa Conyers.
Com Lady Conyers, Byron teve uma filha: Augusta Byron. Logo após o
nascimento de Augusta, Lady Conyers morreu. Alguns dizem que ela foi
vítima de maus-tratos de John Byron. Os Byron se defendem, alegando que
sua morte foi ocasionada por imprudência da mesma, ao caçar a cavalo
ainda de repouso do parto.
Logo depois da morte de Lady Conyers, John Byron foi “afogar suas
mágoas” em Bath, um balneário em moda na época. Lá conheceu Catherine de
Gight, uma órfã e herdeira escocesa. Catherine era feia: pequena,
gorda, com pele corada demais e nariz comprido. Porém, possuía algo em
que John Byron se interessava: era herdeira de 23 mil libras, destas,
três mil liquidas e o resto representado pela propriedade de Gight,
direitos de pescas de salmão e ações de um banco em Aberdeen.
Apesar de bem nascida, Catherine era herdeira de uma família que
carregava em sua história trágicos acontecimentos. Os Gordon,
representados pelo primeiro senhor de Gight, Sir William Gordon, eram
realmente marcados por má sina: William Gordon morreu afogado, Alexandre
Gordon assassinado, John Gordon enforcado, e por aí segue. Os membros
da família possuíam um temperamento semelhante aos bárbaros. Bastava
alguém se intrometer em seus caminhos, que de imediato eram atacados e
mortos pelos mesmos.
A ira dos Gordon não foi suficiente para impedir o casamento de
Catherine com John. Desse casamento, marcado pela desgraça, nasce George
Gordon Byron, o poeta que mudaria as vertentes dos movimentos
literários e submeteria fiéis seguidores às suas peripécias.
Não demorou muito para a rica Catherine, se submeter às perdas
irreparáveis possibilitadas pelo marido. John tratou de gastar não só a
fortuna liquida, como todos os bens de Catherine. Como se não bastasse,
o mesmo tinha amantes por todos os cantos, maltratava Catherine, era
audacioso para conquista de suas vontades e viveu muito bem! Até morrer
à míngua: John suicidou-se pela miséria que o mesmo construiu. Tal
miséria não era apenas uma consequência subjetiva, ela alastrou também à
vida de Catherine. Foi essa a herança deixada por John Byron, até
então.
George Gordon Byron: o poeta começa a descobrir o mundo
George Gordon Byron cresceu graças ao sacrifício custoso da sofrida
mãe. Sozinha, Catherine desdobrou-se para criar o pequeno Byron.
Procurou sempre as melhores referências para que Byron fosse alguém
melhor que seu pai. Porém, não era apenas de virtudes que Catherine
usava: constantemente, era abordada por um sentimento de ira e
infelicidade, os quais descontava em seu filho, batendo-lhe. Além da
mãe, o pequeno Byron contava com a ira incógnita de sua governanta, cujo
nome era May Gray.
Sob o teto de uma criação instável, Byron ainda portava uma pequena
enfermidade que o marcaria com forte veemência: ele possuía um defeito
numa das pernas, era coxo. Tal defeito foi um obstáculo enorme no
desenvolvimento do garoto, que se sentia envergonhado perante os outros.
O tratamento, exaustivo, também o irritava muito.
Contudo, os anátemas destinados a esse Byron, não fariam tanto efeito
como pensado. O rapaz possuía características peculiares que o
destacavam. Apaixonou-se por literatura ao primeiro contacto - ainda bem
novo - com a história de Caim e Abel contada por um professor de
História de sua escola. Além de tudo, foi conquistando amigos no colégio
de maneira bastante surpreendente, citemos: uma certa vez, um rapaz -
primeiro amigo de Byron - apanhava de um tirano grandalhão. Byron, com a
voz trémula e os olhos cheios de lágrimas, perguntou para o autor,
quantos socos pretendia dar em seu amigo. Surpreendido, o garoto
perguntou o motivo dessa “estúpida” pergunta. Byron, disse: “Se não se
importar, gostaria de receber a metade”.
Byron conquistou, também, o diretor de seu colégio, o doutor Joseph
Drury, que - de tanta afeição - ofereceu-se para ensinar latim e grego a
Byron. O dr. Drury foi um grande condutor do menino Byron, porém
ganhou diversos momentos de enxaquecas pela ousadia de tentar
disciplinar o rapaz.
Polémica
Byron havia-se irritado com as audácias malignas da mãe. Com isso, resolveu deixar a cidade de Southwell e partiu para
Londres.
Lá, enquanto esperava alcançar a maioridade, Byron decidiu ser poeta,
embalado pelos literatos que, durante toda sua adolescência, leu.
Escreveu uma série de poemas e, apoiado por uma amiga de Southwell - cujo nome era Elizabeth - publicou o seu primeiro livro: Horas Ociosas.
Byron havia dedicado grande parte de seu tempo para concretizar o
projeto. Deixou ao encargo de Elizabeth a organização e a impressão. Os
primeiros exemplares impressos foram distribuídos a amigos e
conhecidos. Logo então, os consequentes exemplares foram entregues às
livrarias e propostos a consignação. Byron, ansioso, visitava o máximo
possível de livrarias para conferir a vendagem, que por sinal era boa.
Logo, começaram as críticas: as pessoas de Southwell não haviam gostado
do livro, faziam críticas frias ao trabalho de Byron e se sentiam
ofendidas com suas manifestações de ódio ao lugar (Southwell). Já a
crítica se ocupou da duplicidade de opinião de sempre: uns elogiavam,
outros arrasavam.
Byron recebia elogios de seus amigos e de familiares distantes. Porém,
um aviso sobre um artigo hostil e violento que seria publicado na
Revista de Edimburgo - principal órgão liberal escocês, lhe chegou aos
ouvidos. Ele esperava com grande ansiedade, mas não esperava tanto: “A poesia desse jovem Lord pertence àquela cuja existência nem Deus e nem os homens admitem. Para diminuir o seu crime, o nobre autor apresenta sobretudo o argumento de sua menoridade. Provavelmente
pretende dizer: vejam como um menor pode escrever! Este poema foi
feito por um rapaz de 18 anos... e este por um de 16!...”, e por aí
prossegue, com um tom igualmente cruel. Byron ficou arrasado. Pensou
em replicar, mas decidiu calar-se - por enquanto. Relevou o facto de
que todos os escritores passam por isso em suas respectivas carreiras e
prosseguiu com a mesma empolgação.
Lord Byron decidiu partir para uma viagem incógnita, na qual ele
pretendia descobrir as belezas dos países vizinhos a Inglaterra. Visitou
vários países e dividiu o seu gosto pela beleza contrastante entre as
obras góticas e as produzidas pela guerra. Byron achava lindas as
paisagens de uma cidade destruída e pelos corpos moribundos, caídos
pelos cantos. Obteve diversas experiências e voltou renovado para
Inglaterra. Foi, então, convocada a sua presença na Câmara dos Lordes
para tomar posse do seu cargo. Byron agiu completamente contra as
tradições que assolavam a Câmara: primeiro, foi acompanhado apenas de
um amigo, enquanto a presença da família nunca deixou de existir como
princípio aos Lordes. Depois, agiu como um indiferente ao receber os
cumprimentos do presidente da Câmara. O seu amigo espantou-se ao
presenciar tamanha arrogância: Byron ofereceu ao “presidente” apenas as
pontas dos dedos como forma de, segundo ele, “não iludi-lo em relação
ao seu possível apoio, pois não o daria a ninguém deste lugar”.
O tempo se passou e o poeta resolveu lançar seu mais novo trabalho:
Childe Harold. O livro contava suas aventuras durante a viagem pela
Europa e foi concebido pela sociedade como um novo fenómeno literário.
Byron, de início, não acreditava que seu livro fosse capaz de causar
tanto frisson; contudo, foi o que aconteceu. A obra explodiu como
uma bomba prestes a iniciar novos tempos na vida de um homem que, por
sua vez, estava prestes a viver algo bem mais explosivo que o sucesso: o
incesto.
Nasce o Dom Juan e a eterna tormenta...
A nova vida se instalava com ares de idolatria. Um rei suspenso de seu
posto por toda vida e que definitivamente tomava seu devido lugar.
Byron era aclamado em todos os cantos da grande Inglaterra.
Intelectuais, políticos, artistas e - principalmente - mulheres,
proclamavam o seu nome em todas as discussões imagináveis.
O pequeno jovem coxo, antes recusado por inúmeras mulheres, era então o
ideal imaginário de nove entre dez mulheres inglesas. Todas fantasiavam
suas feições, imaginavam seus dotes e deslumbravam-se aos versos de
uma literatura excêntrica e real.
Como não poderia deixar de ser, Byron enfeitiçou a alma de inúmeras
mulheres - na sua maioria, casadas - e viveu romances pitorescos,
condenados ao fim pelo desprezo e pela indiferença do poeta. Assim,
diversas mulheres, cujos casamentos estavam condenados às ruínas,
deixavam-se cobrir pelos braços do poeta querido.
Mas Byron, frágil e propenso à desgraça, não escaparia do peso maior
que carregaria por toda sua vida: Augusta, a sua irmã, estava em
condições iguais das mulheres casadas que se renderam aos encantos de
Byron. O seu casamento não ia bem, e refugiou-se na casa do irmão para
aliviar a tensão que a perseguia desde então. Byron recebeu-a de braços
abertos e toda sua admiração transformou-se em cordialidade.
Entretanto, algo bombástico alimentava a sua ânsia. Começou a enxergar a
irmã com outros olhos: via-a como uma semelhança, um espelho raro
petrificado por idêntica sina, como uma possibilidade de encontrar o
Byron escondido pelo ser anti-social e céptico. Além, enxergava-a como
uma mulher de exorbitante beleza e que precisava de algo a mais do que
os braços seguros de um irmão. Não pensou lucidamente, quando esqueceu a
semelhança sanguínea, a hereditariedade e as anátemas profetizadas em
nome de um ato incomum e estonteante. Contudo, seguiu controlando-se,
até as asas de uma vida errante produzirem névoas bruscas e não
fornecerem apoio para a negação. Nada propunha a Byron um caminho
contrário ao do seguido. Não obstante, Augusta voltou para casa
grávida...
Morte
Lines Inscribed Upon a Cup Formed from a Skull, 1808
Start not - nor deem my spirit fled;
In me behold the only skull
From which, unlike a living head,
Whatever flows is never dull.
I lived, I loved, I quaffed, like thee:
I died: let earth my bones resign;
Fill up - thou canst not injure me;
The worm hath fouler lips than thine.
Better to hold the sparkling grape,
Than nurse the earth-worm's slimy brood;
And circle in the goblet's shape
The drink of gods, than reptile's food.
Where once my wit, perchance, hath shone,
In aid of others' let me shine;
And when, alas! our brains are gone,
What nobler substitute than wine?
Quaff while thou canst: another race,
When thou and thine, like me, are sped,
May rescue thee from earth's embrace,
And rhyme and revel with the dead.
Why not? Since through life's little day
Our heads such sad effects produce;
Redeemed from worms and wasting clay,
This chance is theirs, to be of use.
Versos Inscritos numa Taça Feita de um Crânio
Não, não te assustes: não fugiu o meu espírito
Vê em mim um crânio, o único que existe
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.
Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri;
Que renuncie a terra aos ossos meus
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus olhos.
Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora eu;
Substituto haverá mais nobre que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?
Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.
E por que não? Se as frontes geram tal tristeza
Através da existência (curto dia ...),
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia.