Nasceu na praça do
Rossio,
freguesia da
Pena, em
Lisboa,
filho natural de João António Gomes Leal (m. 1876), funcionário da
Alfândega, e de Henriqueta Fernandina Monteiro Alves Cabral Leal.
Frequentou o Curso Superior de Letras, mas não o concluiu, empregando-se
como escrevente de um notário de Lisboa. Durante a sua juventude
assumiu pose de poeta
boémio e
janota, mas, com a morte da sua mãe, em 1910, caiu na
pobreza e reconverteu-se ao
catolicismo. Vivia da caridade alheia, chegando a passar fome e a dormir ao relento, em bancos de jardim, como um
vagabundo, tendo uma vez sido brutalmente agredido pela
canalha da rua. No final da vida,
Teixeira de Pascoaes
e outros escritores lançaram um apelo público para que o Estado lhe
atribuísse uma pensão, o que foi conseguido, apesar de diminuta.
Foi um dos fundadores do jornal "O Espectro de Juvenal" (1872) e do jornal "
O Século" (1881), tendo colaborado também na
Gazeta de Portugal,
Revolução de Setembro e
Diário de notícias. Tem ainda colaboração na revista ilustrada
Nova Silva (1907) e outras publicações periódicas, nomeadamente:
O berro (1896),
Branco e Negro (1896-1898),
Brasil-Portugal (1899-1914),
A corja (1898),
A galeria republicana (1882-1883),
A imprensa (1885-1891),
Jornal de domingo (1881-1888)
A leitura (1894-1896),
A mulher (1879),
As quadras do povo (1909),
Ribaltas e gambiarras (1881),
O Thalassa (1913-1915) e
o Xuão (1908-1910). A sua obra insere-se nas correntes
ultra-romântica,
parnasiana,
simbolista e
decadentista.
O Selvagem
Eu não amo ninguem. Tambem no mundo
Ninguem por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.
Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitario, inerte e mudo,
- Passividade estupida das Cousas.
Fechei, de ha muito, o livro do Passado
Sinto em mim o despreso do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N'um egoismo barbaro e escuro.
Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos crueis indifferentes,
Meu peito é um covil, onde, ás escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.
E não vejo ninguem. Saio sómente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguem me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua...
in Claridades do Sul (1875) - António Gomes Leal