António Feliciano de Castilho, 1.º
Visconde de Castilho, (
Lisboa, 28 de janeiro de 1800 - Lisboa, 18 de junho de 1875) foi um escritor romântico
português, polemista e
pedagogista, inventor do
Método Castilho de leitura. Em consequência de
sarampo perdeu a visão quase completamente aos 6 anos de idade. Licenciou-se em Direito na
Universidade de Coimbra. Viveu alguns anos em
Ponta Delgada,
Açores, onde exerceu uma grande influência entre a intelectualidade local. Contra ele se rebelou
Antero de Quental (entre outros jovens estudantes coimbrões) na célebre polémica do
Bom-Senso e Bom-Gosto, vulgarmente chamada de
Questão Coimbrã, que opôs os jovens representantes do
realismo e do
naturalismo aos vetustos defensores do
ultra-romantismo.
A infância e a cegueira
Filho de D. Domícilia Máxima de Castilho e do seu marido, Dr. José Feliciano de Castilho,
médico da Real Câmara e lente de prima da
Universidade de Coimbra, que depois emigraria para o
Brasil, apenas regressando com
D. João VI.
Foi uma criança com dificuldades de saúde, incluindo sérios sintomas de
tísica, as quais culminaram aos 6 anos de idade com um ataque de
sarampo que o deixou cego. Apesar de nessa altura já saber ler e escrever, a
cegueira
impediu-o durante toda a vida de escrever e ler, tendo de estudar
ouvindo a leitura de textos e sendo obrigado a ditar toda a sua obra
literária.
Aprendendo somente pelo que ouvia ou lhe diziam, Castilho conseguiu alcançar razoável erudição no
latim e nas humanidades clássicas, o conhecimento superficial de algumas línguas, e o conhecimento aprofundado da
língua portuguesa, que lhe permitiu distinguir-se como poeta e prosador.
A Universidade de Coimbra e as primeiras obras
Acompanhado por seu irmão Augusto Frederico de Castilho, quase da mesma
idade, com ele estudou humanidades, instruiu-se no conhecimento dos
poetas latinos, que foram sempre os seus estudos predilectos, e com ele
se matriculou na
Universidade de Coimbra, na Faculdade de Cânones, em que ambos se formaram.
Foi discípulo do padre José Fernandes, latinista de primeira ordem e
poeta muito apreciável, a quem deveu os elementos necessários para
adquirir o conhecimento profundo da língua latina, que sempre o
distinguiu.
O seu talento poético começou a desenvolver-se, sendo ainda criança;
versejava com a máxima facilidade. Tinha 16 anos quando escreveu e
publicou um
Epicédio na morte da Augustíssima Senhora D. Maria I, Rainha Fidelíssima.
Esta obra foi acolhida com surpresa, por ser firmada por um poeta de
tão tenra idade e, sobretudo, cego. Em reconhecimento, foi-lhe concedida
uma pequena pensão com carácter de incitamento.
Em 1818 publicou outro poemeto, intitulado
À faustíssima acclamação de S. M. o S. D. João VI ao throno.
Esta composição, e aquela que publicara a propósito do falecimento da
rainha, granjearam-lhe a propriedade duma escrivaninha de ofício de
escrivão chanceler e promotor do Juízo da Correição da cidade de
Coimbra, cujo lugar, pelo impedimento imposto pela cegueira, foi exercido por seu tio António Barreto de Castilho.
Em 1820 publicou uma Ode à morte de Gomes Freire e seus Sócios. Nesse ano também imprimiu anonimamente o elogio dramático A Liberdade, para se representar num teatro particular.
No sarau realizado na Sala dos Capelos da Universidade, em 21 e 22 de
Novembro de 1820, recitou várias composições, depois insertas na Collecção de poemas publicada em Coimbra.
Em 1821 imprimiu o seu poema pseudo clássico Cartas de Echo e Narciso, dedicadas à mocidade académica.
Os tempos de Castanheira do Vouga
O seu irmão Augusto, seu companheiro de estudos, optou pelo sacerdócio e
em outubro de 1826 foi provido na paróquia de São Mamede de
Castanheira do Vouga. António Feliciano, habituado à sua companhia, decidiu ir viver com ele, fixando-se naquela localidade até 1834.
Foram oito anos durante os quais Portugal viveu tempos difíceis, com as
perseguições políticas e a violência generalizada, a que se seguiram
as
Guerras Liberais (1828-1834).
Apesar das naturais repercussões locais, Castanheira do Vouga foi para
Castilho um local de refúgio, o que lhe permitiu atravessar aqueles
tempos conturbados dedicando-se ao estudo dos clássicos. Foi nessa
época que traduziu as
Metamorfoses e os
Amores de
Ovídio, e que escreveu muitos dos versos que depois se incorporaram nas
Escavações poéticas e que compôs os poemetos
A noite do Castello e os
Ciúmes do Bardo.
O casamento
A publicação das
Cartas de Echo e Narciso motivou ao poeta uma aventura romântica. Uma dama reclusa no convento de
Vairão, D. Maria Isabel Baena Coimbra Portugal, escreveu-lhe dando-se como uma nova
Eco, e perguntando se ele procederia como
Narciso. Esta intriga galante resultou numa série de quadras do
Amor e Melancholia, que o poeta publicou em Coimbra no ano de 1828.
Concluída a guerra civil, e como resultado da
extinção das ordens religiosas
em Portugal levada a cabo pelos vencedores, esta senhora abandonou o
convento e veio a casar com o poeta, realizando-se o casamento em 29 de
julho de 1834.
Pouco durou este consórcio, pois Maria Isabel faleceu, sem filhos, a 1 de fevereiro de 1837.
Durante esse período, Castilho esteve empenhado num projecto visando
divulgar a história de Portugal, iniciando uma publicação por fascículos
intitulada
Quadros históricos. Para tal, a Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, que fundara o jornal literário
O Panorama, publicou em
1839 oito fascículos da obra, em que colaborou
Alexandre Herculano, escrevendo o último quadro.
Ida à Madeira e novo consórcio
No ano de 1840 acompanhou seu irmão Augusto à
ilha da Madeira, onde este, afectado por
tuberculose, procurava alívio para a doença. Não resultando o tratamento, Augusto faleceu na Madeira a 31 de dezembro desse ano.
Nesse mesmo ano casou com Ana Carlota Xavier Vidal, natural da ilha da Madeira.
Deste casamento, que duraria até 1871, ano em que faleceu a esposa,
resultarão sete filhos, entre os quais o memorialista e continuador da
obra literária paterna
Júlio de Castilho e o igualmente escritor e poeta
Eugénio de Castilho.
Os tempos áureos e a invenção do Methodo Portuguez
Nos primeiros dias de 1841 voltou da ilha da Madeira, e a 1 de outubro publicava-se o primeiro número da
Revista Universal Lisbonense, por ele fundada e dirigida, e à qual se dedicaria em quase exclusivo até
1845.
Por esta época inicia o período mais fecundo da sua produção literária,
consolidando a sua reputação como o "escritor do regime" cuja
aprovação era necessária para o sucesso literário em Portugal. Esta
predominância de Castilho e a criação de uma intrincada teia de elogios
mútuos e de empoladas críticas favoráveis, resultantes mais de
cumplicidades pessoais de que de real mérito literário, está na origem
da célebre
Questão Coimbrã do
Bom-Senso e Bom-Gosto.
Castilho deixou a direcção da
Revista Universal Lisbonense em 17 de junho de 1845, e nesse ano e no seguinte, de colaboração com seu irmão, o conselheiro
José Feliciano de Castilho, deu princípio à
Livraria Clássica Portuguesa, onde escreveu as biografias do padre
Manuel Bernardes e de
Garcia de Resende.
Em 1846 fez uma passagem pela política activa, militando no
Partido Cartista e escrevendo um panfleto intitulado
Chronica
certa muito verdadeira da Maria da Fonte, escrevida por mim mesmo que
sou seu tio, o mestre Manuel da Fonte, sapateiro do Peso da Régua, dada
à luz por um cidadão demitido que tem tempo para tudo.
Preocupado com o aterrador analfabetismo da população portuguesa, por
esse tempo começou a luta em que Castilho empenhou uma grande parte da
sua vida. Pretendia fazer adoptar um seu método de leitura repentina,
que denominou o
Methodo Portuguez (depois conhecido como o
Methodo Portuguez de Castilho) de aprendizagem da leitura, contra o qual se levantaram grandes polémicas.
Depois de uma luta pertinaz pela adopção do seu método, e no meio de
uma generalizada descrença dos pedagogos sobre a sua eficácia, o governo
nomeou-o Comissário para a Propagação do Methodo Portuguez e
deu-lhe um lugar no Conselho Superior de Instrução Pública. Contudo,
nunca adoptou oficialmente o método para uso generalizado nas escolas
públicas, recusa que seria o eterno pesar da vida de Castilho.
O exílio nos Açores
Sofrendo de crónicos problemas financeiros e desgostoso por ver a
frieza com que fora acolhida em Portugal o seu Método Português, em 1847
partiu para os
Açores, fixando-se em
Ponta Delgada, cidade onde viveu até 1850.
Recebido em Ponta Delgada como um herói, rapidamente conquistou a
simpatia da aristocracia local, em particular da próspera elite dos
comerciantes da laranja. Vivia-se então na
ilha de São Miguel um período de prosperidade económica, assente sobre a exportação de laranjas para
Inglaterra,
e de procura de novas culturas industriais que permitissem manter o
forte sector de exportação de produtos agroalimentares que entretanto se
criara.
Instalado em São Miguel, com o apoio de alguns magnatas locais, entre os quais
José do Canto, Castilho dedicou-se à escrita e ao fomento cultural.
Nesse período, escreveu em Ponta Delgada o Estudo Histórico-Poético de Camões, enriquecido de curiosas notas, fundou uma tipografia, onde se imprimiu o jornal o Agricultor Michalense,
a convite da Sociedade Promotora da Agricultura da ilha, que o tinha
contratado. Castilho era o redator principal, dedicando-se, para além
da escrita, à realização de conferências que despertaram o amor de
estudo.
Fundou a
Sociedade dos Amigos das Letras e Artes, escreveu a
Felicidade pela Agricultura, o
Tratado de Mnemónica, o
Tratado de metrificação, as
Noções rudimentares para uso das escolas e traduziu os
Colóquios aldeãos de
Timon.
"Os Colloquios aldeões de Timon: vertidos em vulgar. Ponta Delgada:
Typ. Castilho, 1850" assim referenciados no catálogo da Biblioteca
Nacional de Portugal, são a tradução de "Entretiens de village" (1843)
do Vicomte de Cormenin (Louis Marie de Lahaye de Cormenin; 1788 - 1868),
que assinava frequentemente sob o pseudónimo de
Timon.
Tentou consolidar na ilha a tipografia e a gravura em madeira. Também
compôs, para aplicar a poesia à música, e torná-la por isso mais
atractiva, o Hymno do Trabalho, que se tornou muito popular, o Hymno dos Lavradores e o Hymno da Infância no Estudo.
Com o apoio das autarquias, por sua iniciativa criaram-se escolas
gratuitas, umas de instrução primária, outras de instrução secundária e
aí se ensaiou pela primeira vez a leitura repentina pelo Método
Castilho.
Os últimos anos - a luta pelo Methodo Portuguez de Castilho
Desencantado com a sua experiência açoriana, a 22 de fevereiro de 1850
regressou a Lisboa, e dedicou-se com renovada energia à luta contra os
adversários do seu método de leitura, de que se publicaram duas edições
em 1850, saindo a terceira em
1853, refundida e acompanhada de vinhetas, com o título de
Methodo Portuguez Castilho.
A sua actividade motivou grandes polémicas, em que por vezes Castilho actuou com grande dureza, como quando publicou a Tosquia de um Camelo, Carta a Todos os Mestres das Aldeias e das Cidades, em 1853, O Ajuste de Contas, em 1854, e Resposta aos Novíssimos Impugnadores do Methodo Portuguez, também em 1854.
Em 1853 foi nomeado Comissário Geral de Instrução Primária, tendo de
imediato fomentado a abertura de cursos públicos em Lisboa, Coimbra,
Leiria e
Porto para instruir os professores no seu método, do qual publicou em 1854 a quarta edição.
A partir desta data, Castilho dedicou a maior parte do seu tempo à propaganda do Methodo Portuguez, embora continuasse a sua actividade como escritor e polemista.
Pretendendo alargar o uso a todo o mundo lusófono, em 1865 foi ao
Brasil com o intuito de propagar o seu
Methodo, donde voltou nesse mesmo ano, sendo recebido pelo imperador D.
Pedro II do Brasil, a quem dedicou o seu drama
Camões, e de quem foi sempre amigo, até à morte.
Em 1861 publicou uma nova edição do
Amor e Melancholia, complementada com a
Chave do Enigma e com uma autobiografia até 1837. Em 1862 publicou-se a tradução dos
Fastos de
Ovídio,
em 6 volumes, seguida de notas escritas a seu convite por diferentes
escritores portugueses. Em 1863 publicou-se a colecção de poesias
Outono.
Em 1866 foi a
Paris em companhia de seu irmão, José Feliciano de Castilho, sendo ali apresentado a
Alexandre Dumas, de quem era apaixonado admirador. Nesse ano publicou em Paris a
Lyrica d'Anacreonte e em 1867, também em Paris, promoveu uma edição luxuosa da tradução das
Geórgicas de
Virgílio. Em 1868 saíram os
Ciúmes do Bardo, com a tradução em italiano feita pelo próprio autor.
Embora não soubesse alemão, Castilho empreendeu a tradução do
Fausto de
Johann Wolfgang von Goethe, primeira parte, sobre uma tradução francesa. Também sem conhecer o inglês, tentou a tradução de algumas obras de
William Shakespeare. Surgiu uma polémica violenta, chamada a
Questão faustiana.
Existe um grande número de cartas de Castilho publicadas em jornais e
revistas a este respeito. Ainda na área da imprensa, participou como
colaborador em diversas publicações periódicas, nomeadamente no
O Panorama (1837-1868),
Jornal da Sociedade dos Amigos das Letras (1836) e
Arquivo Pitoresco (1857-1868). Também se encontra colaboração da sua autoria, publicada postumamente, na revista
Contemporânea (1915-1926).
O título de
Visconde de Castilho foi-lhe concedido em duas vidas, por decreto de 25 de maio de 1870.
Faleceu em Lisboa a 18 de junho de 1875. Dada a sua fama, no seu
funeral viram-se representadas todas as classes da sociedade, os
ministros, os seus colegas académicos da
Academia das Ciências de Lisboa, os representantes das letras e do jornalismo e os homens mais ilustres da magistratura, do professorado e das forças armadas.
Para comemorar o centenário do nascimento do notável homem de letras,
colocou-se em 28 de janeiro de 1900 uma lápide no prédio de
São Pedro de Alcântara onde nasceu.
OS TREZE ANOS
(Cantilena)
Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.
Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já bailo ao Domingo
com as mais no terreiro.
Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.
Nos serões já canto,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.
Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro,
olho tudo à roda,
de cima do outeiro.
E só se não vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho co’as patas
Ao pé do salgueiro.
Miro-me nas águas,
rostinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.
Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que são cativeiro.
Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo mui outra
da que era primeiro.
O meu gibão largo,
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás cabaneiro,
dizendo-lhe: «Toma
gibão, domingueiro,
de ilhoses de prata,
de arminho e cordeiro.
A mim já me aperta,
e a ti te é laceiro;
tu brincas co’as outras
e eu danço em terreiro».
Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro.
Já não sou Anita,
sou a Ana do outeiro;
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.
Não quero o sargento,
que é muito guerreiro,
de barbas mui feras
e olhar sobranceiro.
O mineiro é velho,
não quero o mineiro:
Mais valem treze anos
que todo o dinheiro.
Tão-pouco me agrado
do pobre moleiro,
que vive na azenha
como um prisioneiro.
Marido pretendo
de humor galhofeiro,
que viva por festas,
que brilhe em terreiro.
Que em ele assomando
co’o tamborileiro,
logo se alvorote
o lugar inteiro.
Que todos acorram
por vê-lo primeiro,
e todas perguntem
se ainda é solteiro.
E eu sempre com ele,
romeira e romeiro,
vivendo de bodas,
bailando ao pandeiro.
Ai, vida de gostos!
Ai, céu verdadeiro!
Ai, Páscoa florida,
que dura ano inteiro!
Da parte, madrinha,
de Deus vos requeiro:
Casai-me hoje mesmo
com Pedro Gaiteiro.