sábado, fevereiro 03, 2024

Garcia de Resende morreu há 488 anos...

Janela manuelina da casa de Garcia de Resende em Évora (daqui)


Biografia
Filho de Francisco de Resende, Fidalgo da Corte de D. Afonso V de Portugal, "criado" do Bispo de Évora D. Garcia de Meneses, a quem D. João II de Portugal doou, a 28 de junho de 1484, uma herdade no termo de Évora, e de sua mulher Beatriz Boto, que viveu em Évora.
Sabe-se que em 1490 era moço da câmara de D. João II (1481-1495) e, no ano seguinte, seu moço de escrevaninha ou secretário particular, cargo que exercia ainda em Alvor, onde o soberano veio a falecer. Coube-lhe ser designado secretário-tesoureiro da faustosa embaixada liderada por Tristão da Cunha, enviada por D. Manuel I (1495-1521) ao Papa Leão X. Os últimos anos de vida passou-os em Évora, onde era proprietário.
Como muitos homens do Renascimento, Garcia de Resende tinha muitas facetas: trovava, tangia, desenhava e julga-se que era entendido em arquitetura militar.
Alguns historiadores consideram-no o iniciador do ciclo dos Castros, pois as suas trovas referentes à morte de Inês de Castro são o mais antigo documento poético conhecido versando sobre o assunto. Escreveu a Miscelânea em redondilhas, curiosa anotação de personagens e de acontecimentos, nacionais e europeus. Nessa obra atribui em versos a Gil Vicente a inovação da comédia de costumes em Portugal, quando o teatro da época se limitava a ser um misto de teatro litúrgico e teatro pastoril, conforme afirma Clovis Monteiro que transcreveu o seguinte trecho da citada obra e no qual é também citado Juan del Encina:
"E vimos singularmente
Fazer representações
D'estilo mui eloquente,
De mui novas invenções,
E feitas por Gil Vicente,
Ele foi o que inventou
Isto cá, e o usou
Com mais graça e mais doutrina,
Posto que Joam del Enzina
O pastoril começou."
Mas o que tornou Resende conhecido foi o Cancioneiro Geral, publicado em 1516, que reuniu as composições poéticas produzidas nas cortes de D. Afonso V (1438-81), D. João II e D. Manuel I, tendo-lhe redigido um prólogo dedicado ao príncipe D. João e composto as quarenta e oito trovas com que se encerra a obra.
Foi sepultado em campa armoriada com brasão e timbre dos de Resende, em capela que instituiu, em 1520, na cerca do Convento do Espinheiro, em Évora.
Em 1933 a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma rua na Calçada de Carriche.
  
Primeira edição do Cancioneiro Geral (1516)
   
 
 
 
Não receeis fazer bem
 
 

Senhoras não hajais medo
não receeis fazer bem
tende o coração mui quedo
e vossas mercês verão cedo
quão grandes bens do bem vem.
Não torvem vosso sentido
as cousas qu’haveis ouvido
porqu’é lei de deos d’amor
bem, vertude nem primor
nunca jamais ser perdido.

Por verdes o galardão
que do amor recebeu
porque por ele morreu
nestas trovas saberão
o que ganhou ou perdeu.
Não perdeu senão a vida
que pudera ser perdida
sem na ninguém conhecer
e ganhou por bem querer
ser sua morte tão sentida.

Ganhou mais que sendo dantes
nom mais que fermosa dama
serem seus filhos ifantes
seus amores abastantes
de deixarem tanta fama.
Outra mor honra direi:
como o príncepe foi rei
sem tardar mas mui asinha
a fez alçar por rainha
sendo morta o fez por lei.

Os principais reis d’Espanha
de Portugal e Castela
e emperador d’Alemanha
olhai que honra tamanha
que todos decendem dela.
Rei de Nápoles também
duque de Bregonha a quem
todo França medo havia
e em campo el rei vencia
todos estes dela vem.

Por verdes como vingou
a morte que lh’ordenaram
como foi rei trabalhou
e fez tanto que tomou
aqueles que a mataram.
A um fez espedaçar
e ò outro fez tirar
por detrás o coração
pois amor dá galardão
não deixe ninguém d’amar.

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