(imagem daqui)
Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas (Póvoa de Atalaia, 19 de janeiro de 1923 - Porto, 13 de junho de 2005) foi um poeta português.
(...)
Estreou-se em 1939 com a obra Narciso, torna-se mais conhecido, em 1942, com o livro de versos Adolescente. A sua consagração acontece em 1948, com a publicação de As mãos e os frutos,
que mereceu os aplausos de críticos como Jorge de Sena ou Vitorino
Nemésio. A obra poética de Eugénio de Andrade é essencialmente lírica,
considerada por José Saramago como uma poesia do corpo a que se chega mediante uma depuração contínua.
Entre as dezenas de obras que publicou encontram-se, na poesia, Os amantes sem dinheiro (1950), As palavras interditas (1951), Escrita da Terra (1974), Matéria Solar (1980), Rente ao dizer (1992), Ofício da paciência (1994), O sal da língua (1995) e Os lugares do lume (1998).
Em prosa, publicou Os afluentes do silêncio (1968), Rosto precário (1979) e À sombra da memória (1993), além das histórias infantis História da égua branca (1977) e Aquela nuvem e as outras (1986).
Foi também tradutor de algumas obras, como dos espanhóis Federico García Lorca e Antonio Buero Vallejo, da poetisa grega clássica Safo (Poemas e fragmentos, em 1974), do grego moderno Yannis Ritsos, do francês René Char e do argentino Jorge Luís Borges.
Em setembro de 2003 a sua obra Os sulcos da sede foi distinguida com o prémio de poesia do Pen Clube Português.
in Wikipédia
Adeus
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
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