quarta-feira, dezembro 14, 2022

Hoje é dia de recordar um Poeta...

(imagem daqui)

 

Nas Trevas
Como estou só no mundo! Como tudo 
É lágrima e silêncio!

Ó tristeza das Coisas, quando é noite
Na terra e em nosso espírito!… Tristeza
Que se anuncia em vultos de arvoredos,
Em rochas diluídas na penumbra
E soluços de vento perpassando
Na tenebrosa lividez do céu…
Ó tristeza das Coisas! Noite morta!
Pavor! Desolação! Escura noite!
Fantástica Paisagem,
Desde o soturno espaço à fria terra
Toda vestida em sombra de amargura!
Erma noite fechada! Nem um leve
Riso vago de estrela se adivinha…
Somente as grossas lágrimas da chuva
Escorrem pela face do Silêncio…
Piedade, noite negra! Não me beijes
Com esses lábios mortos de Fantasma!
Ó Sol, vem alumiar a minha dor
Que, perdida na sombra, se dilata
E mais profundamente se enraíza
Nesta carne a sangrar que é a minha alma!
Ilumina-te, ó Noite! Oh Vento, cala-te!
Negras nuvens do sul, limpai os olhos,
Desanuviai a brônzea face morta!
Oh, mas que noite amarga, toda cheia
Do teu Fantasma angélico e divino;
Espírito que, um dia, em minha irmã,
Tomou corpo infantil, figura de Anjo…
E para quê, meu Deus? Para partir,
Com seis anos apenas, no primeiro
Riso da vida, em lágrimas, levando
Toda a luz de esperança que floria
Este ermo, este remoto em que divago…
Como estou só no mundo! Como é triste
A solidão que faz a tua Ausência,
E o terrível e trágico silêncio
Da tua alegre Voz emudecida!
Oh noite, oh noite triste! Ó minha alma!
Tu, que o viste e beijaste tantas vezes,
Tu, que sentiste bem o que ele tinha
De angélica Criança sobre-humana,
Não vês as próprias coisas como sofrem,
E como as grandes árvores agitam
As ramagens de lágrimas e sombras?
Repara bem na lúgubre tristeza
Da nossa velha casa abandonada
Da divina Presença da Criança!
Ah, como as portas gemem e o beirais
Têm soluços de vento…
Lá fora, no terreiro onde brincavas,
A noite escura chora…
                        Ó minha alma,
Embebe-te na dor das Coisas ermas;
Chora também, consome-te, soluça,
Junto à Mãe dolorosa, de joelhos…
   
   
in Elegias (1912) - Teixeira de Pascoaes

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