Deixou uma obra breve, mas que claramente o afirma como um consumado poeta. Com colaboração na
revista Pirâmide e em vários jornais (A Rabeca, Notícias de Chaves, O Templário,
Diário de Lisboa,
A Batalha,
Jornal de Letras, Artes e Ideias) publicou o seu primeiro livro,
40 Noites de Insónia de Fogo de Dentes Numa Girândola Implacável e Outros Poemas, em 1958. Representado em inúmeras antologias poéticas, António José Forte é também autor do livro de poesia infanto-juvenil
Uma rosa na tromba de um elefante.
A poesia de António José Forte carreia uma certa perversão do
"discurso" poético e a utopia ideológica, anarquizante e ainda
claramente surrealista; é, com uma intenção nitidamente
bretoniana, uma
maneira de afirmar que o acto de escrever é "ainda aquilo que sabe
fazer melhor", mas dizer também em consciência haver "gente que nunca
escreveu uma linha e fez mais pela palavra que toda uma geração de
escritores". A sua poesia está reunida em
Uma Faca nos Dentes, com um prefácio de
Herberto Helder, seu amigo de muitos anos, onde este afirma que
"a
voz de António José Forte não é plural, nem directa ou sinuosamente
derivada, nem devedora. Como toda a poesia verdadeira, possui apenas a
sua tradição. A tradição romântica, no menos estrito e mais expansivo e
qualificado registo".
O Poeta em Lisboa
Quatro horas da tarde.
O poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos.
Tem febre. Arde.
E a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos.
Segue por esta, por aquela rua
sem pressa de chegar seja onde for.
Pára. Continua.
E olha a multidão, suavemente, com horror.
Entra no café.
Abre um livro fantástico, impossível.
Mas não lê.
Trabalha - numa música secreta, inaudível.
Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.
Fuma mais. Outra vez.
E atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.
Sai de novo para o mundo.
Fechada à chave a humanidade janta.
Livre, vagabundo
dói-lhe um sorriso nos lábios. Canta.
Sonâmbulo, magnífico
segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado.
Um luar terrífico
vela o seu passo transtornado.
Seis da madrugada.
A luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa.
Defende-se à dentada
da vida proletária, aristocrática, burguesa.
Febre alta, violenta
e dois olhos terríveis, extraordinários, belos.
Fiel, atenta
a aranha leva-o para a cama arrastado pelos cabelos.
in Uma faca nos dentes (1983) - António José Forte
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