quinta-feira, março 11, 2021

Poema de aniversariante de hoje...

 

  

 As primeiras lágrimas de El-Rei 

A M. Pinheiro Chagas 
  
I
O principe morrera, e logo os cortesãos, 
Em prantos derredor do mortuário leito, 
Erguem a voz em grita aos céus levando as mãos. 

II 
El-Rei, João Segundo, a fronte sobre o peito, 
Contempla dos brandões à luz ensanguentada 
O filho, e a dor lhe avinca o grave e duro aspeito. 

III 
E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada 
A pouco e pouco sai, reina o silêncio, apenas 
Cortado pelo uivar longínquo da nortada. 

IV 
Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas, 
Aquelle rei sinistro, enérgico e tigrino, 
Tinha na frouxa voz modulações serenas. 
 
V E o filho inerte e mudo! Então num desatino Deixou-se El-Rei cair, ao acaso, num escabelo E quedou-se a pensar no seu atroz destino. VI Um enorme, um confuso e brônzeo pesadelo Caíu-lhe sobre o enfermo espírito enlutado, E o suor inundou-lhe as barbas e o cabelo. VII Talvez que o triste visse, em sonho alucinado. Do Duque de Viseu o espectro vingativo Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado. VIII E escutasse a feroz imprecação que altivo No cadafalso, outrora, o Duque de Bragança Às faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.
 
IX 
Súbito ergue-se o Rei, e para o leito avança, 
E uma lágrima então, embalde reprimida. 
Das barbas lhe caiu no rosto da criança. 
 
X
A vez primeira foi que El-Rei chorou em vida. 

 
Gonçalves Crespo

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