A ESPERANÇA E OS DINOSSAUROS
Revolvíamos sem parar o pedregoso leito do rio
sem saber que os magarefes nos espiavam,
muito antes que as palavras doces
se convertessem em ameaças inflamadas. Cheios de impedernida glutonaria
satisfazíamos os nossos apetites, comíamos com bocas ávidas
o que estava destinado a ser a nossa Páscoa.
Estas serão as recordações que deixaremos à nossa passagem:
a maldição para os pacíficos, vidas destroçadas,
por mais que, de novo, era possível,
como ocorreu às extintas criaturas, aspirar a uma vida melhor.
Depois da carnificina, onde estão os verdes pastos
que nos prometeram na manhã em que, impacientes,
como cadáveres sedentos, corremos a entronizar o novo imperador,
que só pensava em dar rédea solta às suas vis ambições?
Mas, ainda assim, houve quem dissesse que um novo rei merece
virgens vestais, galos brancos e a flor das colheitas,
uma coroa na cabeça entrançada pelas nossas mãos
escolhendo as folhas mais preciosas e o vinho antigo
que se oferece a um Messias, mas isso só serviu
para que, uma vez derrotados os bárbaros,
nos enganasse com a falsidade do seu sorriso.
Poderíamos ter sido os escolhidos,
mas só temos uma história para contar, que tanto se refere à Atenas da África Ocidental
como se canta aos pobres da terra;
na fonte dos nossos segredos, ali onde trocámos
o nome de Cristo com as nossas vozes descrentes,
sempre em busca de um ridículo viático,
imaginemos agora a face de um novo Messias
e sobre a sua túnica as nossas mãos ensanguentadas.
in Autodafé - Syl Cheney-Coker
quarta-feira, fevereiro 23, 2011
Poema para geopedrados
Postado por Fernando Martins às 00:59
Marcadores: poesia, Syl Cheney-Coker
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