Carta a Miguel Torga
Lisboa, 6 de Junho de 1930.
Meu prezado Camarada:
Muito agradeço o exemplar do seu livro "Rampa". Recebi-o já há alguns dias. Só hoje posso escrever para lho agradecer. Li-o, porém, logo que o recebi.
Li-o e gostei dele. A sua sensibilidade é de tipo igual à do José Régio – é confundida, em si mesma, com a inteligência. O que em si é ainda por aperfeiçoar é o modo de fazer uso dessa sensibilidade. Há que separar mais os dois elementos, que naturalmente a compõem; ou que confundi-los ainda mais. Uma análise instintiva que coloque a sensibilidade desintelectualizada perante a inteligência dessensibilizada, em contraste, diálogo e reparo; ou uma síntese em que desapareçam os traços de haver dois.
Não creio impossível que qualquer, ou ambos, destes processos sejam por si atingidos num futuro próximo da sua consciência de si mesmo.
Intelectualmente – e portanto artisticamente – falando (a arte não é mais que uma manifestação distraída da inteligência), a sensibilidade é o inimigo. Não o inimigo que se nos opõe, como na guerra, mas o inimigo a quem nos opomos, como no amor. Há que vencer, pois, não por esmagamento, mas por sedução ou domínio. Chamar a sensibilidade para dentro da casa da inteligência; ou fazer a inteligência montar casa externa à sensibilidade. Imagens? Como o universo... Mas, em suma, gostei do seu livro, e por ele o felicito.
Com a melhor camaradagem e apreço
Fernando Pessoa
Lisboa, 6 de Junho de 1930.
Meu prezado Camarada:
Muito agradeço o exemplar do seu livro "Rampa". Recebi-o já há alguns dias. Só hoje posso escrever para lho agradecer. Li-o, porém, logo que o recebi.
Li-o e gostei dele. A sua sensibilidade é de tipo igual à do José Régio – é confundida, em si mesma, com a inteligência. O que em si é ainda por aperfeiçoar é o modo de fazer uso dessa sensibilidade. Há que separar mais os dois elementos, que naturalmente a compõem; ou que confundi-los ainda mais. Uma análise instintiva que coloque a sensibilidade desintelectualizada perante a inteligência dessensibilizada, em contraste, diálogo e reparo; ou uma síntese em que desapareçam os traços de haver dois.
Não creio impossível que qualquer, ou ambos, destes processos sejam por si atingidos num futuro próximo da sua consciência de si mesmo.
Intelectualmente – e portanto artisticamente – falando (a arte não é mais que uma manifestação distraída da inteligência), a sensibilidade é o inimigo. Não o inimigo que se nos opõe, como na guerra, mas o inimigo a quem nos opomos, como no amor. Há que vencer, pois, não por esmagamento, mas por sedução ou domínio. Chamar a sensibilidade para dentro da casa da inteligência; ou fazer a inteligência montar casa externa à sensibilidade. Imagens? Como o universo... Mas, em suma, gostei do seu livro, e por ele o felicito.
Com a melhor camaradagem e apreço
Fernando Pessoa
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