terça-feira, junho 10, 2008

Sextina camoniana




Foge-me pouco a pouco a curta vida,
– se por caso é verdade que inda vivo – ;
vai-se-me o breve tempo d’ante os olhos;
choro pelo passado em quanto falo,
se me passam os dias passo a passo,
vai-se-me enfim a idade, e fica a pena.

Que maneira tão áspera de pena!
Que nunca uma hora viu tão longa vida
em que possa do mal mover-se um passo!
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que choro, enfim? Para que falo,
se lograr-me não pude de meus olhos?

Ó fermosos, gentis e claros olhos,
cuja ausência me move a tanta pena,
quanta se não compreende em quanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
de vós m’inda inflamasse o raio vivo,
por bem teria tudo quanto passo.

Mas bem sei que primeiro o extremo passo
me há-de vir a cerrar os tristes olhos
que Amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena,
que escreveram de tão molesta vida
o menos que passei, e o mais que falo.

Oh! Que não sei que escrevo, nem que falo!
Que se de um pensamento noutro passo,
vejo tão triste género de vida
que, se lhe não valerem tanto os olhos,
não posso imaginar qual seja a pena
que traslade esta pena com que vivo.

Na alma tenho contino um fogo vivo,
que, se não respirasse no que falo,
estaria já feita cinza a pena;
mas, sobre a maior dor que sofro e passo
me temperam as lágrimas dos olhos,
com que, fugindo, não se acaba a vida.

Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
vejo sem olhos e sem língua falo;
e juntamente passo glória e pena.

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