Achados da Guimarota
31.05.2007 - 10h05
Texto Teresa Firmino e Foto João Cortesão/PÚBLICO
Chegou ontem com uma vulgar mochila às costas. Lá dentro, trazia uma embalagem de cartão mais pequena do que uma caixa de sapatos. Abriu-a, e foi então que apareceram 20 caixinhas de plástico transparente, de tamanhos diversos, meticulosamente arrumadas. Guardam um autêntico tesouro para os paleontólogos: fósseis da mina da Guimarota, perto de Leiria, com 150 milhões de anos.
Thomas Martin veio de propósito da Alemanha para devolver a Portugal e ao Museu Geológico, em Lisboa, estes fósseis do Jurássico Superior. Os primeiros foram levados para a Alemanha nos anos 60, pela equipa do paleontólogo Walter Kühne, da Universidade Livre de Berlim, que os descobriu.
Antes de abrir as caixinhas, Thomas Martin, da Universidade de Bona, prepara um observador mais desatento para não se deixar influenciar pelo tamanho. "Os fósseis são muito pequenos, mas não é por isso que não são muito importantes", diz o paleontólogo. "Os fósseis mais importantes da Guimarota são mamíferos primitivos, que viviam no tempo dos dinossauros. Os dinossauros eram gigantes e os mamíferos eram anões, mas teriam um grande futuro."
Há uma parte da história conhecida: os dinossauros extinguiram-se há 65 milhões de anos, no Cretácico Superior, e os mamíferos, que tinham aparecido há cerca de 230 milhões de anos, no período Triásico, tal como os dinossauros, puderam então começar a reinar. Se assim não fosse, nós talvez cá não estivéssemos.
Mas há uma parte da história que os fósseis da Guimarota ajudaram a completar - aquela que conta como eram esses mamíferos primitivos. "Os mamíferos do Jurássico e do Cretácico eram muito pequenos, porque os dinossauros eram muito grandes e activos durante o dia. Tinham o tamanho de um ratinho, os maiores eram como ouriços. Provavelmente, viviam de noite, no escuro, para os dinossauros não os verem."
É então que Martin, de 47 anos, a estudar os fósseis da Guimarota desde 1991, na Universidade Livre de Berlim, está pronto para revelar o conteúdo das caixinhas. E explicar por que razão estes fósseis, que cabem na palma da mão, ganharam fama mundial.
"A Guimarota forneceu o primeiro esqueleto de um mamífero do Jurássico", diz. E eis que o paleontólogo saca do esqueleto do Henkelotherium guimarotae, descoberto em 1976. Vivia nas árvores e comia insectos.
Este é o único esqueleto quase completo de um Henkelotherium guimarotae, que serviu, aliás, para descrever pela primeira vez esse mamífero. Pertencia a um grupo de mamíferos (os paurodontídeos) que está entre os antepassados dos mamíferos actuais.
O outro ex-líbris da Guimarota que Thomas Martin trouxe é o Haldanodon exspectatus. "Vê-se aqui o crânio, o braço e isto é o fémur", aponta. "Estes ossos são muito fortes. Revelam um tipo de adaptação diferente: este animal escavava. Tinha um estilo de vida como o das toupeiras."
Pertencia aos docodontes: "Este grupo extinguiu-se sem deixar descendentes." Mas o Haldanodon também deu projecção mundial à Guimarota: "Foi o primeiro docodonte descoberto em todo o mundo, em 1977", diz o paleontólogo.
Dentro das caixinhas, estão muitos outros fósseis, todos de mamíferos. Os restos escavados da Guimarota permitiram descrever uma dezena de mamíferos novos. Para os crocodilos, peixes, lagartos e anfíbios, as novidades científicas rondaram as 15.
A vinda do cientista alemão não surgiu do nada. Há dez anos, o geólogo Miguel Ramalho, director do Museu Geológico, começou os contactos para que os fósseis voltassem. Como aliás tinha sido acordado, tanto que há mais de 30 anos até regressaram alguns. "Nos últimos três anos, retomei os contactos. Thomas Martin disse-me que não havia problema", conta Miguel Ramalho.
No início do ano, chegou uma leva de fósseis, por correio normal. "O acordo foi que o material seria devolvido depois da investigação. Ainda temos projectos em curso, mas todo o material vai regressar a Portugal", garante o paleontólogo alemão.
E o que aconteceu no aeroporto, quando o cientista alemão pôs a mochila na máquina de raios X? "Estava preparado para dar explicações, se me perguntassem alguma coisa. Não perguntaram."
in Público de 31.05.2007 - ver notícia
31.05.2007 - 10h05
Texto Teresa Firmino e Foto João Cortesão/PÚBLICO
Chegou ontem com uma vulgar mochila às costas. Lá dentro, trazia uma embalagem de cartão mais pequena do que uma caixa de sapatos. Abriu-a, e foi então que apareceram 20 caixinhas de plástico transparente, de tamanhos diversos, meticulosamente arrumadas. Guardam um autêntico tesouro para os paleontólogos: fósseis da mina da Guimarota, perto de Leiria, com 150 milhões de anos.
Thomas Martin veio de propósito da Alemanha para devolver a Portugal e ao Museu Geológico, em Lisboa, estes fósseis do Jurássico Superior. Os primeiros foram levados para a Alemanha nos anos 60, pela equipa do paleontólogo Walter Kühne, da Universidade Livre de Berlim, que os descobriu.
Antes de abrir as caixinhas, Thomas Martin, da Universidade de Bona, prepara um observador mais desatento para não se deixar influenciar pelo tamanho. "Os fósseis são muito pequenos, mas não é por isso que não são muito importantes", diz o paleontólogo. "Os fósseis mais importantes da Guimarota são mamíferos primitivos, que viviam no tempo dos dinossauros. Os dinossauros eram gigantes e os mamíferos eram anões, mas teriam um grande futuro."
Há uma parte da história conhecida: os dinossauros extinguiram-se há 65 milhões de anos, no Cretácico Superior, e os mamíferos, que tinham aparecido há cerca de 230 milhões de anos, no período Triásico, tal como os dinossauros, puderam então começar a reinar. Se assim não fosse, nós talvez cá não estivéssemos.
Mas há uma parte da história que os fósseis da Guimarota ajudaram a completar - aquela que conta como eram esses mamíferos primitivos. "Os mamíferos do Jurássico e do Cretácico eram muito pequenos, porque os dinossauros eram muito grandes e activos durante o dia. Tinham o tamanho de um ratinho, os maiores eram como ouriços. Provavelmente, viviam de noite, no escuro, para os dinossauros não os verem."
É então que Martin, de 47 anos, a estudar os fósseis da Guimarota desde 1991, na Universidade Livre de Berlim, está pronto para revelar o conteúdo das caixinhas. E explicar por que razão estes fósseis, que cabem na palma da mão, ganharam fama mundial.
"A Guimarota forneceu o primeiro esqueleto de um mamífero do Jurássico", diz. E eis que o paleontólogo saca do esqueleto do Henkelotherium guimarotae, descoberto em 1976. Vivia nas árvores e comia insectos.
Este é o único esqueleto quase completo de um Henkelotherium guimarotae, que serviu, aliás, para descrever pela primeira vez esse mamífero. Pertencia a um grupo de mamíferos (os paurodontídeos) que está entre os antepassados dos mamíferos actuais.
O outro ex-líbris da Guimarota que Thomas Martin trouxe é o Haldanodon exspectatus. "Vê-se aqui o crânio, o braço e isto é o fémur", aponta. "Estes ossos são muito fortes. Revelam um tipo de adaptação diferente: este animal escavava. Tinha um estilo de vida como o das toupeiras."
Pertencia aos docodontes: "Este grupo extinguiu-se sem deixar descendentes." Mas o Haldanodon também deu projecção mundial à Guimarota: "Foi o primeiro docodonte descoberto em todo o mundo, em 1977", diz o paleontólogo.
Dentro das caixinhas, estão muitos outros fósseis, todos de mamíferos. Os restos escavados da Guimarota permitiram descrever uma dezena de mamíferos novos. Para os crocodilos, peixes, lagartos e anfíbios, as novidades científicas rondaram as 15.
A vinda do cientista alemão não surgiu do nada. Há dez anos, o geólogo Miguel Ramalho, director do Museu Geológico, começou os contactos para que os fósseis voltassem. Como aliás tinha sido acordado, tanto que há mais de 30 anos até regressaram alguns. "Nos últimos três anos, retomei os contactos. Thomas Martin disse-me que não havia problema", conta Miguel Ramalho.
No início do ano, chegou uma leva de fósseis, por correio normal. "O acordo foi que o material seria devolvido depois da investigação. Ainda temos projectos em curso, mas todo o material vai regressar a Portugal", garante o paleontólogo alemão.
E o que aconteceu no aeroporto, quando o cientista alemão pôs a mochila na máquina de raios X? "Estava preparado para dar explicações, se me perguntassem alguma coisa. Não perguntaram."
in Público de 31.05.2007 - ver notícia
1 comentário:
Sempre fui mais dado às vulcanologias, aos riscos geológicos, às ígneas e às geoquímicas, mas é com muito agrado que tomo conhecimento do regresso desse património geo-paleontológico nacional e dos frutos do trabalho do meu antigo professor Miguel Ramalho... se todos lutássemos unidos, talvez a geologia em Portugal fosse mais respeitada.
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