sábado, março 28, 2015

Alexandre Herculano nasceu há 205 anos

Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo (Lisboa, 28 de março de 1810 - Quinta de Vale de Lobos, Azoia de Baixo, Santarém, 18 de setembro de 1877) foi um escritor, historiador, jornalista e poeta português da era do romantismo.
Como liberal que era teve como preocupação maior, estabelecida nas suas acções políticas e seus escritos, sobretudo em condenar o absolutismo e a intolerância da coroa no século XVI para denunciar o perigo do retorno a um centralismo da monarquia em Portugal.


Berço do meu nascer, solo querido,
Onde cresci e amei e fui ditoso,
Onde a luz, onde o céu riem tão meigos,
Meu pobre Portugal, hei-de chorar-te!

Quando, aterrado ante o minaz aspecto
Do anjo de Deus, tremente vagueava
Nosso primeiro pai em volta do Éden,
Não lhe tecia tanto de amarguras
A vida o duro afã com que trocava
Pelo pão o suor co' a avara terra;
Não era tanto o traspassar-lhe os membros
O hiberno sopro do aquilão, queimar-lh'os
O sol estivo, e o magoar, errante,
Os pés feridos nos tojais bravios
Pelas sendas que abria em ermos vales,
Como as saudades de passados tempos,
Dessa infância viril, em que surgira,
Para viver e amar, do barro inerte;
Não o pungia tanto o mal presente
Como a recordação dos claros dias
De inocência e de paz que ali vivera.
A primavera eterna, as auras puras,
O murmurar do arroio, o canto da ave,
O frémito do bosque, o grato aroma
E o vistoso matiz do ameno prado,
O lago quedo a reflectir a lua,
As montanhas tão ricas de mistérios,
De ecos, de sombras, de tristezas santas;
Isso tudo, trazia-lh'o ante os olhos
Vingadora a memoria inexorável.
Por entre a bruma da estação chuvosa
Passavam-lhe de abril perfumes, galas;
Sob estuoso sol vinha a saudade
Dizer-lhe o sussurrar do manso arroio
E o ramalhar dos plátanos copados.
Por tenebrosas noites de procela,
Quando a torrente e o vendaval bramiam,
Cria d'entre o fragor ouvir romperem
Os matutinos cânticos das aves,
E ver no pego refletir-se a lua.
Longe, assim, do seu berço, o criminoso
Com dura punição remia o crime:
Mas para o consolar na senda agreste,
Em cujo termo o esperava a morte,
O severo juiz deixara ao triste
De uma esposa querida o seio casto,
Onde aspirar o amor, olhos que o pranto
Misturassem co'o seu. Perdendo a pátria
Perdia encantos só de natureza
Formosa e juvenil. As harmonias
Dos corações, os místicos afetos
Não lhe truncou a espada flamejante
Do querubim ao repeli-lo do Éden:
Para ele a pátria renasceu no exílio.

Eu, profugo como ele, o Éden nativo
Perdi; e perdi mais. Despedaçados
Os afetos de irmão, de amante, e filho
Restam-me na alma qual buída frecha,
Que no peito ao cravar-se estala e deixa,
Caindo, o ferro na ferida oculto.

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