Como quatro cérebros cozidos há 4000 anos chegaram até nós
Um dos cérebros fossilizados com 4000 anos
Cérebros encontrados na escavação
Um dos esqueletos encontrados na escavação
Casa onde se descobriram os cérebros
Condições únicas de mumificação permitiram a preservação de quatro cérebros humanos na região da Anatólia, na Turquia.
Nos últimos oito anos, escavações – que antecederam a exploração de
carvão que a empresa Seyitömer Lignite quer fazer no monte Seyitömer
Höyük, na região de Kütahya, na Turquia – puseram a descoberto cinco
milénios de história da humanidade, cerca de 17 mil artefactos e, agora,
quatro cérebros humanos cozidos. O estudo destes cérebros cozidos e bem
conservados foi publicado online na revista Homo – Journal of Comparative Human Biology.
O monte, de 23,5 metros de
altura, que corresponde a uma zona de habitação ancestral com 150 metros
quadrado, mostra sinais de um sismo ocorrido na Idade do Bronze, que
terá levado à queda de casas e consequente incêndio, deixando
subterradas e carbonizadas pelo menos seis pessoas. Os seus esqueletos
foram encontrados no interior de uma casa, rodeados por outros objectos
também carbonizados. Mas o que mais impressionou os cientistas foram os
cérebros dentro de quatro dos crânios, com 4.000 anos.
Noticiada pela revista britânica Newscientist,
esta foi uma descoberta extremamente rara porque os tecidos do cérebro
são os que se decompõem mais rapidamente após a morte. A mumificação
natural, responsável pela fraca deterioração dos tecidos dos cadáveres,
ocorre em condições específicas, como temperaturas muito baixas (como
nos glaciares), ambiente seco (como no deserto) e condições ácidas ou
com baixa concentração de oxigénio (como nas turfeiras).
Para a
conservação destes cérebros contribuíram vários factores. Logo após a
morte dos indivíduos, o incêndio e as altas temperaturas originadas
fizeram com que os cérebros fossem cozidos nos próprios fluídos
cerebrais. Para além disso, o incêndio consumiu todo o oxigénio e a
humidade presente no espaço, criando mais uma condição para a
conservação dos cérebros.
Depois de subterrados, contaram com o
próprio solo para manterem a integridade. O boro (elemento químico) é um
repelente natural de insectos e bactérias e era utilizado nas
mumificações no Egipto. O potássio, magnésio e alumínio, elementos
químicos responsáveis por tornarem o solo alcalino (pH alto), promovem a
saponificação, formação da “cera dos cadáveres” que preservou o formato
dos tecidos cerebrais.
No cérebro em melhor estado de
preservação, que será exposto num museu, a equipa de cientistas,
liderada por Meriç Altinöz, do Departamento de Biologia Molecular e
Genética da Universidade de Halic, na Turquia, já fez uma tomografia
axial computorizada (TAC). Neste exame, identificaram-se todas as
regiões cerebrais. Pela observação directa detectaram-se também algumas
perturbações nos lobos frontais desse cérebro.
Para uma história das doenças neurológicas
Noutros dois cérebros foram sujeitos à observação microscópica de “fatias” dos seus tecidos e à análise dos componentes biológicos (como gorduras) ou de elementos químicos (também analisados no solo do local), comparando-os com os de outros cérebros mumificados e com cérebros actuais.
Noutros dois cérebros foram sujeitos à observação microscópica de “fatias” dos seus tecidos e à análise dos componentes biológicos (como gorduras) ou de elementos químicos (também analisados no solo do local), comparando-os com os de outros cérebros mumificados e com cérebros actuais.
Vários metais pesados (como mercúrio e alumínio) foram
encontrados tanto no cérebro como nos ossos e dentes, e também no solo,
mostrando que, para além da contaminação que possa ter existido devido
aos cadáveres estarem subterrados, houve incorporação desses elementos
durante a vida dos indivíduos, sinal de uma actividade profissional que
implicava, por exemplo, a exploração mineira e a exposição aos elementos
presentes nos solos daquela região.
Salvo temporariamente da
exploração mineira, espera-se que este local arqueológico, escavado pela
equipa de Nejat Bilgen, do Departamento de Arqueologia da Universidade
Dumlupinar, também na Turquia, traga contributos para a história da
região da Anatólia. E não só.
“Os cérebros de Seyitömer
contribuíram com mais informação sobre novas formas de tafonomia (estudo
de organismos em decomposição ao longo do tempo e como fossilizaram)
nos tecidos humanos”, conclui a equipa de Meriç Altinöz, no artigo
científico. Num comentário à descoberta na revista Newscientist,
Frank Rühli, da Universidade de Zurique (na Suíça), que não fez parte
do estudo, destacou, por sua vez, como é importante verificar se nos
crânios encontrados em escavações arqueológicas ainda restaram tecidos
cerebrais. “Se quisermos saber mais sobre a história das doenças
neurológicas, temos de ter tecidos como estes”, acrescentou.