Estátua de António Aleixo, em Loulé
António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de fevereiro de 1899 - Loulé, 16 de novembro de 1949) foi um poeta popular português.
Biografia
Considerado um dos poetas populares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social, sempre presente nos seus versos, António Aleixo também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto,
e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no
panorama literário português da primeira metade do século XX.
No emaranhado de uma vida cheia de pobreza, mudanças de emprego,
emigração, tragédias familiares e doenças na sua figura de homem humilde
e simples, havia o perfil de uma personalidade rica, vincada e
conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda de polícia e servente de pedreiro, trabalho este que, como emigrante, foi exercido em França.
De regresso ao seu país natal, estabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas
e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, actividades que
se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de
"poeta-cauteleiro".
Faleceu por conta de uma tuberculose, a 16 de novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma das suas filhas.
Estilo
Poeta possuidor de uma rara espontaneidade, de um apurado sentido filosófico
e notável pela «capacidade de expressão sintética de conceitos com
conteúdo de pensamento moral», António Aleixo tinha por motivos de
inspiração desde as brincadeiras dirigidas aos amigos até à crítica
sofrida das injustiças da vida. É notável em sua poesia a expressão
concisa e original de uma "amarga filosofia, aprendida na escola
impiedosa da vida".
A sua conhecida obra poética é uma parte mínima de um vasto repertório
literário. O poeta, que escrevia sempre usando a métrica mais comum na
língua portuguesa (heptassílabos, em pequenas composições de quatro
versos, conhecidas como "quadras" ou "trovas"), nunca teve a preocupação de registar suas composições. Foi o trabalho de Joaquim de Magalhães, que se dedicou a compilar os versos que eram ditados pelo poeta no intuito de compor o primeiro volume de suas poesias (Quando Começo a Cantar),
com o posterior registo do próprio poeta tendo o incentivo daquele
mesmo professor, a obra de António Aleixo adquiriu algum trabalho
documentado. Antes de Magalhães, contudo, alguns amigos do poeta
lançaram folhetos avulsos com quadras por ele compostas, mais no
intuito, à época, de angariar algum dinheiro que ajudasse o poeta na sua
situação de miséria que com a intenção maior de permanência da obra na
forma escrita.
Estudiosos de António Aleixo ainda conjugam esforços no sentido de
reunir o seu espólio, que ainda se encontra fragmentado por vários
pontos do Algarve,
algum dele já localizado. Sabe-se também que vários cadernos seus de
poesia foram queimados, como meio de defesa contra o vírus infeccioso da
doença que o vitimou, sem dúvida um «sacrifício» impensado, levado a
cabo pelo desconhecimento de seus vizinhos. Foi esta uma perda
irreparável de um património insubstituível no vasto mundo da literatura
portuguesa.
Reconhecimento
A partir da descoberta de Joaquim de Magalhães, o grande responsável
por "passar a limpo" e registar a obra do poeta, António Aleixo passou a
ser apreciado por inúmeras figuras da sociedade e do meio cultural
algarvio. Também é digno de registo José Rosa Madeira, que o protegeu,
divulgou e coleccionou os seus escritos, contribuindo no lançamento do
primeiro livro, "Quando Começo a Cantar" (1943), editado pelo Círculo Cultural do Algarve.
A opinião pública aceitou a primeira obra de António Aleixo com bom
agrado, tendo sido bem acolhida pela crítica. Com uma tiragem de cerca
de 1.100 exemplares, o livro esgotou-se em poucos dias, o que
proporcionou ao Poeta Aleixo uma pequena melhoria de vida, contudo
ensombrada pela morte de uma filha sua, com tuberculose.
Desta mesma doença viria o poeta a sofrer pelos tratamentos que a vida
lhe foi impondo, tendo de ser internado no Hospital – Sanatório dos
Covões, em Coimbra, a 28 de junho de 1943.
Em Coimbra
começa uma nova era para o poeta que descobre novas amizades e
deleita-se com novos admiradores, que reconhecem o seu talento, de
destacar o Dr. Armando Gonçalves, o escritor Miguel Torga, e António Santos (Tóssan),
artista plástico e autor da mais conhecida imagem do poeta algarvio,
amigo do poeta que nunca o desamparou nas horas difíceis. Os seus
últimos anos de vida foram passados ora no sanatório em Coimbra, ora no Algarve, em Loulé.
A 27 de maio de 1944 recebeu o grau de Oficial da Ordem do Mérito.
Homenagem e Consagração
Em homenagem ao poeta popular e à sua obra, muitos distritos
portugueses atribuíram o seu nome a ruas e avenidas e até a diversas
escolas, como:
- O Liceu de Portimão passou a chamar-se Escola Secundária Poeta António Aleixo.
- Em Coimbra - Na zona de Santa Clara e em Brasfemes.
- Em Paço de Arcos, junto da Escola Náutica, também existe uma rua com o nome de António Aleixo.
- Em Odivelas foi dado o nome do poeta a um largo.
- Em Setúbal, o nome do poeta foi também atribuído a uma rua de um bairro da cidade, situado na zona do Centro Hospitalar.
- Em Camarate, no Bairro São José
- Em Albufeira, junto às praias no Algarve, e em muitas ruas espalhadas por esse Portugal fora e não só, pode-se ver e ouvir o nome do Poeta do Povo imortalizado em alguma placa.
- Há alguns anos também passou a existir a «Fundação António Aleixo», com sede em Loulé e que já usufrui do Estatuto de Utilidade Pública, o que lhe permite atribuir bolsas de estudo aos mais carenciados, facto que deve ser encarado como bastante positivo.
- O reconhecimento a este poeta tem-se repercutido noutros países de língua portuguesa, nos quais o nome de Aleixo foi imortalizado em instituições como, por exemplo, a Escola Poeta António Aleixo no Liceu Católico de São Paulo no Brasil.
Obra
António Fernandes Aleixo está hoje, bem enraizado e presente. As suas
obras foram apresentadas na televisão, rádio e demais sistemas de
informação, os seus versos incluídos em diversas antologias, o seu nome
figura na história da literatura de língua portuguesa,
é patrono de instituições e grupos político-culturais, existem
medalhas cunhadas e monumentos erigidos em sua honra. Da sua autoria
estão publicadas as seguintes obras:
- Quando começou a cantar (1943);
- Intencionais (1945);
- Auto da vida e da morte (1948);
- Auto do curandeiro (1949);
- Auto do Ti Jaquim (1969) - incompleto;
- Este livro que vos deixo (1969) - reunião de toda a obra do poeta;
- Inéditos (1979) - tendo sido, estes quatro últimos, publicados postumamente.
in Wikipédia
Ser Doido-Alegre, que Maior Ventura!
Ser doido-alegre, que maior ventura!
Morrer vivendo p'ra além da verdade.
É tão feliz quem goza tal loucura
Que nem na morte crê, que felicidade!
Encara, rindo, a vida que o tortura,
Sem ver na esmola, a falsa caridade,
Que bem no fundo é só vaidade pura,
Se acaso houver pureza na vaidade.
Já que não tenho, tal como preciso,
A felicidade que esse doido tem
De ver no purgatório um paraíso...
Direi, ao contemplar o seu sorriso,
Ai quem me dera ser doido também
P'ra suportar melhor quem tem juízo.
in Este Livro que Vos Deixo... (1969) - António Aleixo