O
Processo dos Távoras refere-se a um escândalo político português do
século XVIII. Os acontecimentos foram desencadeados pela tentativa, pensa-se, sem se ter certeza, de assassinato de El-Rei
D. José I em
1758, e que culminaram numa execução pública em
Belém. Foram espancados e depois queimados
D. Francisco de Távora
e os seus dois filhos, José Maria e Luís Bernardo. Brás Romeiro,
grande amigo de Luís Bernardo também não escapou. Também foram logo
presos o
Duque de Aveiro, um dos seus criados e um irmão desse criado, e a Marquesa de Távora,
D. Leonor, que foi decapitada.
O resto da
família Távora, Aveiro, Alorna e Atouguia, entre eles o Bispo-Conde de Coimbra, D.
Miguel da Anunciação, foram presos, sendo mais tarde mandados libertar por
D. Maria I,
que nunca viu este processo com bom olhos, acreditando na inocência
dos Távoras e restantes acusados, em prol de benefícios obscuros.
Um dos criados do Duque de Aveiro desapareceu depois da guarda ter ido à
residência do Duque de Aveiro: diz-se que se desfigurou com
óleo de vitríolo e que se tornou mendicante. Foram dadas ordens de captura por toda a Europa, nunca se chegando a encontrar este homem.
Na verdade nunca ficou provado que se tratasse de um atentado contra o
Rei, falou-se e pensa-se que os tiros eram para um tal de Pedro
Teixeira, com o qual o Duque de Aveiro tinha um diferendo, mas também
aqui não há certezas.
No seguimento do
terramoto de Lisboa de
1 de novembro de
1755,
que destruiu o palácio real, o rei D. José I vivia num grande complexo
de tendas e barracas instaladas na Ajuda, à saída da cidade. Este era o
centro da vida política e social portuguesa.
Apesar de constituírem acomodações pouco espetaculares, as tendas da
Ajuda eram o centro de uma corte tão glamorosa e rica como a de
Versalhes de
Luís XV de
França. O rei vivia rodeado pela sua equipa administrativa, liderada pelo primeiro-ministro,
Sebastião José de Carvalho e Melo, e pelos seus
nobres. O primeiro-ministro era um homem severo, filho de um fidalgo de
província,
com algum rancor para com a velha nobreza, que o desprezava.
Desavenças entre ele e os nobres eram frequentes e toleradas pelo rei,
que confiava em Sebastião de Melo pela sua liderança competente após o
terramoto.
D. José I era casado com
Mariana Vitoria de Borbón,
princesa espanhola, e tinha 4 filhas. Apesar de ter uma vida familiar
alegre (o rei adorava as filhas e apreciava brincar com elas e levá-las
em passeio), D. José I tinha uma amante: Teresa Leonor, mulher de Luís
Bernardo, herdeiro da família Távora.
A marquesa Leonor de Távora e o seu marido
Francisco de Assis,
conde de Alvor (e antigo
vice-rei da Índia), eram as cabeças de uma das famílias mais poderosas do reino, ligadas às
casas de Aveiro,
Cadaval,
São Vicente e de
Alorna.
Eram também fortes opositores de Sebastião de Melo. Leonor de Távora
era uma mulher política, preocupada com os negócios do Reino, entregue a
seu ver a um novo-rico sem educação. Ela era também uma devota
católica, com forte afiliação aos
jesuítas, tendo como confessor um deles,
Gabriel Malagrida.
O atentado, investigação, julgamento e execução
Na noite de
3 de setembro de
1758, D. José I seguia incógnito numa carruagem que percorria uma rua secundária nos arredores de
Lisboa.
O rei regressava para as tendas da Ajuda de uma noite com a amante.
Pelo caminho, a carruagem foi intercetada por três homens, que
dispararam sobre os ocupantes. D. José I foi ferido num braço, o seu
condutor também ficou ferido gravemente, mas ambos sobreviveram e
regressaram à Ajuda.
Sebastião de Melo tomou o controle imediato da situação. Mantendo em
segredo o ataque e os ferimentos do rei, ele efetuou julgamento rápido.
Poucos dias depois, dois homens foram presos e torturados. Os homens
confessaram a culpa e que tinham tido ordens da família dos Távoras, que
estavam a conspirar pôr o
duque de Aveiro,
José Mascarenhas, no trono. Ambos foram enforcados no dia seguinte, mesmo antes da tentativa de
regicídio
ter sido tornada pública. Nas semanas que se seguem, a marquesa Leonor
de Távora, o seu marido, o conde de Alvor, todos os seus filhos,
filhas e netos foram encarcerados. Os conspiradores, o duque de Aveiro e
os genros dos Távoras, o marquês de Alorna e o conde de Atouguia foram
presos com as suas famílias.
Gabriel Malagrida, o jesuíta confessor de Leonor de Távora foi igualmente preso.
Foram todos acusados de alta traição e de regicídio. As provas
apresentadas em tribunal eram simples: a) as confissões dos assassinos
executados, b) a arma do crime pertencia ao duque de Aveiro e c) o facto
de apenas os Távoras poderem ter sabido dos afazeres do rei nessa
noite, uma vez que ele regressava de uma ligação com Teresa de Távora,
presa com os outros. Os Távoras negaram todas as acusações mas foram
condenados à morte. Os seus bens foram confiscados pela coroa, o seu
nome apagado da nobreza e os brasões familiares foram proibidos. A
varonia Távora e
morgadio foram então transferidos para a casa dos
condes de São Vicente.
A sentença ordenou a execução de todos, incluindo mulheres e crianças. Apenas as intervenções da Rainha Mariana e de
Maria Francisca, a herdeira do trono, salvaram a maioria deles. A marquesa, porém, não seria poupada.
Ela e outros acusados que tinham sido sentenciados à morte foram torturados e executados publicamente em 13 de janeiro de 1759, num descampado, perto de Lisboa, próximo da Torre de Belém.
A execução foi violenta mesmo para a época, as canas das mãos e dos pés
dos condenados foram partidas com paus e as suas cabeças decapitadas e
depois os restos dos corpos queimados e as cinzas deitadas ao
rio Tejo.
O rei esteve presente, juntamente com a sua corte, absolutamente
desnorteada. Os Távoras eram seus semelhantes, mas o rei quis que a
lição fosse aprendida e para que nunca mais a nobreza se rebelasse
contra a autoridade régia.
O
palácio do Duque de Aveiro, em
Belém,
Lisboa foi demolido e o terreno salgado, simbolicamente, para que nunca mais nada ali crescesse. No local, hoje chamado
Beco do Chão Salgado,
existe um marco alusivo ao acontecimento mandado erigir por D. José
com uma lápide que pode ser lida. As armas da família Távora foram
picadas e o nome Távora foi mesmo proibido de ser citado.
Gabriel Malagrida foi enforcado e queimado a 21 de setembro de 1761 e a
Companhia de Jesus declarada ilegal. Todos as suas propriedades foram confiscadas e os
jesuítas
expulsos do território português, na Europa e no Ultramar. A família
Alorna e as filhas do Duque de Aveiro foram condenadas a prisão perpétua
em
mosteiros e
conventos.
Sebastião de Melo foi feito Conde de Oeiras, pelo seu tratamento competente do caso, e posteriormente, em
1770, obteve o título de 1º
Marquês de Pombal, o nome pelo qual é mais conhecido hoje.
(...)
Consequências
Culpados ou não, as execuções dos Távoras foram um acontecimento devastador para
Portugal. A
execução de uma família da primeira nobreza constituiu um choque. A futura rainha
Dona Maria I ficou muito afetada pelos eventos.
O desprezo da rainha pelo primeiro-ministro de seu pai foi total. Retirou-lhe todos os poderes e expulsou-o de
Lisboa. Foi emitido um decreto proibindo a sua presença a uma distância inferior a 20 milhas da capital.
Do total de mais de 400 pessoas citadas, muitas escaparam e fugiram
para o Brasil, sendo o caso mais conhecido o misterioso Frei Lourenço,
fundador do Convento do
Caraça em
Minas Gerais.
Mais tarde, depois da governação de "Pombal", o desembargador Frei Dr.
José Ricalde Pereira de Castro, tendo sido o relator do Tribunal que fez a revisão deste processo ("dos Távoras"), por sentença de 23 de maio de
1781, pronunciou-se a inocência dos
Marqueses de Távora, de seus filhos, do
Conde de Atouguia, embora confirmando a culpabilidade do
Duque de Aveiro, mas tal sentença nunca foi confirmada pela rainha D. Maria I.