Fraccionismo foi o nome dado a um movimento político
Angolano, liderado por
Nito Alves, ex-dirigente do
MPLA
(Movimento Popular de Libertação de Angola), no poder desde a
independência do país. Este movimento articulou-se como dissidência no
seio do MPLA, após a independência de Angola, em oposição ao Presidente
Agostinho Neto, e lançou em Luanda uma tentativa de
Golpe de Estado a
27 de maio de
1977.
O golpe fracassou devido ao apoio das
FAR
(forças cubanas estacionadas em Angola), e após um breve período de
acalmia em que tudo parecia estar solucionado, deu-se um atentado à vida
do Presidente Agostinho Neto, que levou a um período de dois anos, de
perseguição sangrenta dos (reais e alegados) seguidores e simpatizantes
de Nito Alves, culminando em milhares de mortos.
Antecedentes
Durante o período do
Governo de Transição, transformou-se no líder dos militantes do MPLA nos
musseques de Luanda, onde organizou os comités denominados "
Poder Popular", que lutaram durante a
guerra civil em Luanda, contra a
FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola).
Angola conquistará a independência um ano e alguns meses depois e,
segundo os Fraccionistas, já havia no seio do MPLA, uma desvirtuação dos
ideais para os quais muitos militantes haviam lutado. Houve uma grave
cisão, no seio do movimento, entre os chamados "
moderados" empenhados num crescimento cuidadoso e gradual, congregados à volta de
Agostinho Neto e
Lopo do Nascimento, e uma facção radical, com Nito Alves à cabeça, que objectava à predominância de mestiços e brancos no governo.
Segundo os radicais "
as pessoas brancas e de sangue misto
desempenhavam um papel fortemente desproporcionado no funcionamento do
governo de uma nação predominantemente negra". Porém, naquela época
já existiam negros que faziam parte do poder, até porque o presidente
Agostinho Neto insistia na tese de querer implantar em Angola um governo
multirracial.
Alguns desses membros do governo viam a oportunidade de conquistar uma
maior fatia do poder, lançando abertamente um apelo racista às massas,
como Nito Alves quando num
comício dos bairros periféricos de Luanda, afirmou que "
Angola, só seria verdadeiramente independente quando brancos, mestiços e negros passassem a varrer as ruas juntos".
Nito Alves era considerado por alguns como o segundo homem do poder, logo a seguir a Agostinho Neto, e fora nomeado
Ministro do Interior, quando o MPLA formou o primeiro
Governo
de Angola. Porém, o descontentamento de Nito Alves com a alegada
orientação de Agostinho Neto a favor dos intelectuais urbanos mestiços,
tais como
Lúcio Lara, influente histórico e um dos principais ideólogos do partido, o então ministro dos Negócios Estrangeiros,
Paulo Jorge, e o Ministro da Defesa,
"Iko" Carreira, constituiu foco de divisão no seio do Governo.
Esta divisão tornou-se mais evidente, quando em Luanda na 3ª Reunião Plenária do
Comité Central realizada de 23 a
29 de Outubro de
1976, se decidiu a suspensão por seis meses, de Nito Alves e de
José Van-Dúnem, acusados formalmente de Fraccionismo por terem sido protagonistas da criação de um 2º MPLA.
Como resultado da sua suspensão, Nito Alves e José Van-Dúnem propuseram a criação de uma
comissão de inquérito, para averiguar se havia ou não Fraccionismo no seio do partido e que foi liderada por
José Eduardo dos Santos,
arrastando no tempo as inquirições, bem como a apresentação das suas
conclusões sobre o Fraccionismo, levando a alastrar a divisão no seio do
MPLA.
É de referir que devido a essa comissão de inquérito, o próprio José Eduardo dos Santos e o primeiro-ministro de então,
Lopo do Nascimento,
foram posteriormente acusados de Fraccionistas. No entanto, José
Eduardo dos Santos foi ilibado pelo comissário provincial do Lubango,
Belarmino Van-Dúnem.
A mulher de José Van-Dúnem,
Sita Valles, com ligações ao
PCUS (Partido Comunista da União Soviética) obtidas através do
Komsomol, a organização Soviética da juventude, remontando ao período em que tinha feito parte da Comissão Central da
UEC (União dos Estudantes Comunistas), sendo, à altura, considerada a número 2, a seguir de
Zita Seabra, foi também expulsa do MPLA, acusada de ser uma agente infiltrada do
KGB (policia secreta russa).
A realização da
assembleia magna de
militantes realizada a
21 de Maio de
1977
na cidadela de Luanda, presidida por Agostinho Neto, é o ponto de
ruptura, sendo feito o anúncio oficial da expulsão de Nito Alves e de
José Van-Dúnem.
Preparação
Nito Alves, depois de ter sido ouvido pela comissão de inquérito em
fevereiro de
1977, começou a convencer o povo de que a acusação de “Fraccionismo” que lhe era dirigida, estava associada a uma intenção de “
Golpe de Estado”
que lhe procuravam também imputar. Realçava igualmente o facto de que,
alguns dirigentes do MPLA teriam transmitido informações a militantes,
sobre a previsão de fuzilamento dele próprio, em Janeiro desse ano.
Convenceu também os seus seguidores, de que as cadeias estavam a ser
preparadas pelas forças afectas a esse grupo, para receber presos que a
segurança já tinha em mira, em listas que circulavam no seu seio. Foi
pois, através deste clima de desconfiança generalizada, criada dentro do
MPLA e da suposta tentativa de eliminação física de alguns dos seus
militantes que Nito Alves e o grupo dos seus apoiantes mais próximos,
promoveram a mobilização de grande parte dos membros do MPLA em sua
defesa, com o apoio de algumas das organizações de massas, de alguns
populares de Luanda (particularmente do musseque Sambizanga) e de
sectores importantes do exército.
Os chamados Nitistas manifestaram-se genuinamente no país a
27 de maio de
1977,
de forma inequívoca, apoiados pelo exército, contra a linha de
orientação repressiva que pensavam estar a ser seguida e contra a
deterioração da vida do povo e carência generalizada de géneros
alimentares, procurando obter o apoio de Agostinho Neto às suas
pretensões de depurar a organização destes elementos da aliança das
forças
Maoístas e de direita para garantir o aprofundamento da revolução popular.
O que de facto os seus apoiantes não sabiam é que toda essa situação
tinha sido orquestrada por Nito Alves, conduzido por agentes da
CIA
e que através de elementos bem colocados, manipulavam os média e as
bases populares, criando armazéns clandestinos onde acumulavam imensos
bens alimentares e outros de primeira necessidade, os mesmos de que o
povo reclamava carência, preparando-se para abrir esses mesmos armazéns
depois do golpe para apaziguar as massas. Tratando-se claramente de
manipulação descarada e camuflada.
O golpe
Na madrugada de
27 de maio de
1977 (sexta-feira), Nito Alves, então
Ministro da
Administração Interna sob a presidência de Agostinho Neto, liderou um movimento popular de protesto que se dirigiu para o
Palácio Presidencial,
para apelar ao Presidente Neto que tomasse uma posição contra o suposto
rumo de influência Maoísta que o MPLA estava a seguir e para que
alterasse essa tendência com o retorno à linha
Marxista-Leninista pura.
Virinha e
Nandy, dirigentes do destacamento feminino das
FAPLA
(Forças Armadas Populares de Libertação de Angola), dirigem o assalto à
cadeia de S. Paulo, onde se encontrava em visita de inspeção,
Hélder Neto, chefe da
INFANAL (serviço de Informação e Análise), órgão paralelo à
DISA
(Direcção de Informação e Segurança de Angola). Para tentar impedir o
ataque, Helder Neto, liberta alguns presos e entrega-lhes armas para o
ajudarem a defender a cadeia. No entanto,
Sambala, um cantor popular detido por delito comum, prende-o pelos braços, quando ele abre as portas da cadeia para negociar com
Virinha e
Nandy, acabando, supostamente, por se suicidar.
Luís dos Passos, o actual secretário-geral do
PRD, num jipe com seis militares, dirigia a tomada da
Rádio Nacional, enquanto nos musseques Sita Vales e José Van-Dúnem, incitam os operários e os populares à revolta.
Saidy Mingas, um dos irmãos de
Rui Mingas, fiel a Agostinho Neto, entra no quartel da
Nona Brigada para tentar controlar as tropas, sendo preso pelos soldados e levado com
Eugénio Costa e outros militares contrários à revolta para o musseque Sambizanga, onde são posteriormente queimados vivos.
Por volta do meio-dia o Governo, através de
Onambwe,
director-adjunto da DISA, reage com a ajuda das tropas cubanas. Os
soldados retomam a cadeia e a rádio e abrem fogo sobre os manifestantes
dispersando-os, abafando-se assim o golpe. Pelas 16.00 horas, a cidade já está
controlada, e os manifestantes procuram refúgio. No musseque do
Sambizanga são queimados vivos, os militares aprisionados, conseguindo
escapar ileso o
Comandante Gato. No começo da tarde, reinava o
silêncio na cidade. Na Rádio Nacional Agostinho Neto resume os
acontecimentos que por poucas horas abalaram Luanda:
Hoje de manhã,
pretendeu-se demonstrar que já não há revolução em Angola. Será assim?
Eu penso que não... Alguns camaradas desnortearam-se e pensaram que a
nossa opção era contra eles.
Com o poder governamental precariamente restabelecido em Luanda, foi
imposto o recolher obrigatório com início ao pôr-do-sol e a terminar ao
nascer-do-sol, realizado com a ajuda de barreiras de rua por toda a
cidade.
Cubanos, em
tanques e
blindados, guardavam os edifícios públicos.
Numa última tentativa de levar o golpe em frente, surge um atentado
contra Agostinho Neto, levado a cabo pelo seu segurança particular e
organizado por Nito Alves. Escapa ileso mas fica abalado emocionalmente e
pouco tempo depois, num discurso empolgado, afirmou:
"Não haverá contemplações". "Não perderemos muito tempo com julgamentos".
Logo nessa mesma noite a DISA, começou as buscas às casas à procura dos
Nitistas.
No rescaldo do golpe, imensas pessoas foram submetidas a prisões
arbitrárias, tortura, condenações sem julgamento ou execuções sumárias,
levadas a cabo pelo
Tribunal Militar Especial vulgo
Comissão Revolucionária, criado para substituir os julgamentos e que ficou conhecido por
Comissão das Lágrimas.
Não se sabe a data exacta em que Nito Alves foi preso, mas sabe-se
que foi fuzilado e que e se fez desaparecer o seu corpo, afundando-o no
mar amarrado a pedras. Sita Valles e José Van-Dúnem foram aprisionados a
16 de junho de
1977. Em
1978, o escritor
australiano Wilfred Burchett confirmou que Nito Alves fora executado, bem como Sita Valles, José Van-Dúnem, Ministro do Comércio Interno,
David Aires Machado, e dois comandantes superiores do exército do MPLA,
Jacob João Caetano (popularmente conhecido como
Monstro Imortal) e
Ernesto Eduardo Gomes da Silva (
Bakalof).
Consequências
As perseguições duraram cerca de dois anos. Tipicamente, após os julgamentos sumários, os ditos “
traidores” eram apresentadas na TV angolana antes de serem fuzilados. Foram exibidos desta forma aproximadamente 15.000 pessoas.
Foram mortos muitos dos melhores quadros angolanos, combatentes
experientes, mulheres combativas, jovens militantes, intelectuais e
estudantes. Em
julho de
1979, Agostinho Neto, levando em consideração os actos dos dois últimos anos, decide dissolver a DISA pelos "
excessos" que havia cometido.
Ironicamente, o golpe acabou por reescrever a história, levando o MPLA a fazer o que os golpistas reivindicavam. Em
dezembro de
1977, no seu primeiro congresso, mudam de nome para MPLA-PT (MPLA Partido do
Trabalho) adoptando oficialmente a ideologia marxista-leninista, pedida
por Nito Alves.
De acordo com várias fontes, o número de militantes do MPLA, depois
das depurações, baixou de 110.000 para 32.000. Estas acções de depuração
do partido provocaram milhares de mortos, não existindo um número
oficial, oscilando segundo as fontes, entre os 15.000 e os 80.000.
Desfecho
A versão oficial, publicada a
12 de julho de
1977, afirma que se tratou de um
Golpe de Estado
e que o mesmo já vinha a ser preparado desde 1974, compreendendo várias
fases (infiltração, sabotagem das estruturas existentes e finalmente,
golpe de estado), sendo atribuído ao "
Grupo de Nito".
Defendiam que, este grupo se apresentava com uma capa aparentemente revolucionária, a de uma linha "
Marxista-Leninista pura",
procurou desviar o povo dos objectivos da Reconstrução Nacional e da
defesa da integridade territorial, tentando, dessa forma, controlar as
estruturas do
MPLA e do governo.
O
Bureau Político acusou inclusive o "
grupo de Nito", de ser um aliado do inimigo interno (
UNITA e
FNLA) e externo (
Zaire,
África do Sul e
EUA),
de manipular as dificuldades do povo, efectuar calúnias contra
dirigentes e de estar afastado das massas populares recusando-se a com
elas conviver. No plano ideológico, considerou que as acusações dos
Fraccionistas, da existência nas cúpulas de manifestações
Social-Democratas ou
Maoístas, eram conceitos palavrosos, sem significado em
Angola.
A direcção do MPLA, discordava claramente de que o Fraccionismo,
fosse uma tomada de consciência da classe operária Angolana. Considerou
ainda que, os conceitos de Anti-Sovietismo e Anti-
Comunismo
atribuídos a grande parte dos responsáveis políticos do MPLA, eram
apenas uma tentativa dos golpista de atrair o apoio dos países amigos ou
Socialistas.
Os apoiantes de
Nito Alves,
pelo seu lado, consideram que o golpe já estava a ser feito por uma ala
Maoísta do partido, liderada pelo secretário administrativo do
movimento,
Lúcio Lara que terá instrumentalizado os principais centros de decisão do partido e os média, em especial o
Jornal de Angola,
pelo que consideravam que a manifestação convocada por Nito Alves não
se tratou de um golpe de estado mas sim de "um contra-golpe".
Em
abril de
1992,
o governo angolano reconheceu que foram "julgados, condenados e
executados" os principais "mentores e autores da intentona
Fraccionista", que classificou como "uma acção militar de grande
envergadura" que tinha por objectivo "a tomada do poder pela força e a
destituição do presidente Neto".
Conclusão
Apesar de este período histórico ter ficado conhecido como
Fraccionismo, a palavra em si já tinha sido usada para definir outras
tentativas de rotura no
MPLA, o próprio
Agostinho Neto, refere isso no discurso proferido a
5 de fevereiro de
1977, na assembleia de militantes em
N'dalatando.
"... Houve a certo momento em 1962 um fraccionismo, que foi conduzido por Viriato da Cruz,
nome que não é desconhecido dos camaradas, mas que produziu a divisão
do Movimento, por não querer submeter-se a essas regras de centralismo democrático. Quando se discutia um problema, no Comité Director, ele assumia, sempre uma atitude contra a maioria.
Mais recentemente, (1965/66) um outro grande fraccionismo, que se baseou na tribo, que é o de Chipenda. Era
membro dirigente do MPLA, estava connosco no Comité Director e, certa
altura, foi mobilizar a gente da sua tribo – ele é natural do Lobito. Pensava ele que poderia ser o chefe dos Umbundos.
" Revolta Activa", chefiado por Gentil Viana. Da mesma maneira, dentro do movimento, formou um grupo para combater a Direcção do Movimento. Claro que hoje está preso.
Nós temos de combater, sempre e com firmeza, qualquer tentativa de
fraccionismo. Isto não pode ser admitido numa organização democrática
como a nossa em que há democracia, da base ao topo.
Se esse grupo não se convencer com a crítica, é necessário
neutralizá-lo... No MPLA, nós somos um e temos regras para a vida da
Organização. Não somos diversos. Somos um ou devemos ser um.
Portanto, quando nós dizemos fraccionismo, significa que alguém
dentro da Organização, dentro do país, quis formar grupos que fossem
diferentes do MPLA. Ora neste país, o único Movimento que existe é o
MPLA e quem defender outro Movimento qualquer, não pode ser tolerado.
Devo dizer aos camaradas – agora já o posso dizer – que alguns
deles, alguns que andam fugidos – ou os que estão sob investigação –
chegavam às reuniões e, em vez de discutir os problemas que eram
inscritos na ordem de trabalho, pegavam num livro e punham-se a ler à
socapa. Muitas vezes, tinham sono, dormiam, talvez porque tivessem
reuniões de mais.
Primeiramente foi o grupo que se chamava "Comités Herda". Foi eliminado. Depois eram os "Comités Amílcar Cabral". Foram
eliminados. Apareceram depois alguns deles, indivíduos que pertenciam a
esses dois grupos apareceram numa outra organização chamada "OCA – Organização Comunista de Angola" e também foram eliminados. …"
— Agostinho Neto
|
A única conclusão óbvia é que o Fraccionismo, não passou de apenas mais uma etapa na
história
evolutiva do MPLA, a sua diferença em relação aos outros movimentos
semelhantes, foi que graças ao aproveitamento das forças
desestabilizadoras externas e à sua ajuda e organização, o golpe
Fraccionista quase obteve sucesso, mas apesar do seu fracasso, levou a
que fossem efectuadas alterações estruturais no seio do MPLA
extremamente positivas.
Já
Nito Alves dizia "
Os que fazem a História nem sempre podem escreve-la".