Filho dos
negros alforriados Guilherme da Cruz, mestre-pedreiro, e Carolina Eva da Conceição, João da Cruz desde pequeno recebeu a tutela e uma educação refinada de seu ex-senhor, o Marechal
Guilherme Xavier de Sousa - de quem adotou o nome de família, Sousa. A esposa de Guilherme Xavier de Sousa, Dona Clarinda Fagundes Xavier de Sousa, não tinha filhos, e passou a proteger e cuidar da educação de João. Aprendeu
francês,
latim e
grego, além de ter sido discípulo do
alemão Fritz Müller, com quem aprendeu
Matemática e Ciências Naturais.
Em
1881, dirigiu o jornal
Tribuna Popular, no qual combateu a
escravidão e o
preconceito racial. Em
1883, foi recusado como promotor de
Laguna por ser negro. Em
1885 lançou o primeiro livro,
Tropos e Fantasias em parceria com
Virgílio Várzea. Cinco anos depois foi para o
Rio de Janeiro, onde trabalhou como
arquivista na
Estrada de Ferro Central do Brasil, colaborando também com o jornal
Folha Popular. Em fevereiro de
1893, publica
Missal (
prosa poética baudelairiana) e em agosto,
Broquéis (poesia), dando início ao
Simbolismo no Brasil que se estende até 1922. Em novembro desse mesmo ano casou-se com Gavita Gonçalves, também negra, com quem teve quatro filhos, todos mortos prematuramente por
tuberculose, levando-a à
loucura.
Seus poemas são marcados pela musicalidade (uso constante de
aliterações), pelo
individualismo, pelo
sensualismo, às vezes pelo desespero, às vezes pelo apaziguamento, além de uma obsessão pela
cor branca. É certo que encontram-se inúmeras referências à cor branca, assim como à
transparência, à
translucidez, à
nebulosidade e aos
brilhos, e a muitas outras cores, todas sempre presentes em seus versos.
Embora quase metade da população brasileira seja não-branca, poucos foram os escritores negros, mulatos ou indígenas. Cruz e Sousa, por exemplo, é acusado de ter-se omitido quanto a questões referentes à condição negra. Mesmo tendo sido filho de escravos e recebido a alcunha de "Cisne Negro", o poeta João da Cruz e Sousa não conseguiu escapar das acusações de indiferença pela causa abolicionista. A acusação, porém, não procede, pois, apesar de a poesia social não fazer parte do projeto poético do Simbolismo nem de seu projeto particular, o autor, em alguns poemas, retratou metaforicamente a condição do escravo. Cruz e Sousa militou, sim, contra a escravidão. Tanto da forma mais corriqueira, fundando jornais e proferindo palestras por exemplo, participando, curiosamente, da campanha antiesclavagista promovida pela sociedade carnavalesca Diabo a quatro, quanto nos seus textos abolicionistas, demonstrando desgosto com a condução do movimento pela família imperial.
Quando Cruz e Sousa diz "brancura", é preciso recorrer aos mais altos significados desta palavra, muito além da cor em si.
LÉSBIA
Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnívora, sangrenta,
Da tua carne báquica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.
Nesse lábio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, trágico e triste, e passe, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflitivo...
Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoníaca serpente
Das flamejantes atrações do gozo.
Dos teus seios acídulos, amargos,
Fluem capros aromas e os letargos,
Os ópios de um luar tuberculoso...
in Broquéis (1893) - Cruz e Sousa