Apesar da sua evidente preferência pelas artes e letras, foi obrigado
pelo pai a frequentar o Ensino Técnico, que detestava. A partir de
1947 forma, com
Pedro Oom e Henrique
Risques Pereira,
um pequeno grupo à parte das atividades dos surrealistas, adotando
uma postura inconformista diante da transformação do surrealismo numa
escola, no que acabaria por conduzir ao
abjeccionismo,
termo em que convergem os princípios da estética surrealista e uma
postura poética de «insubmissão permanente ante os conceitos, regras e
princípios estabelecidos». Em março de
1949 parte para
Paris, onde permanece por dois meses. Datam provavelmente dessa curta estada os seus primeiros contactos com o
Hinduísmo, a
Egiptologia, e o
Ocultismo em geral. Escreveu
Erro Próprio (
1950), o principal manifesto do surrealismo português. Colaborou na
revista Pirâmide, publicada entre 1959 e 1960, e foi redator de
Afixação Proibida, em colaboração com
Mário Cesariny, amigo que o acompanhou até aos últimos dias de vida. Atormentado por
dificuldades existenciais, morreu de tuberculose, com apenas vinte e
cinco anos.
Ainda que inserida no surrealismo, a obra de António Maria Lisboa (em parte publicada postumamente por
Luiz Pacheco na editora
Contraponto)
caracteriza-se por uma faceta ocultista e esotérica que a torna muito
particular. Lisboa prefere intitular-se «metacientista», e não
surrealista, porque, como argumenta numa carta a
Mário Cesariny, a «Surrealidade não é só do Surrealismo, o Surreal é do Poeta de todos os tempos, de todos os grandes poetas». Em
1977
foi publicado um volume com a sua obra completa organizado por
Cesariny. Na introdução, este salientou não só o facto de a destruição
dos manuscritos, operada por familiares do poeta, constituir uma perda
irreparável para a história do surrealismo português, como o facto de a
sua morte prematura parecer encimar um itinerário fulgurante ao longo
do qual poesia e vida constituíram uma unidade indissolúvel. Escreveu
ainda acerca de António Maria o seguinte:
Preocupado com uma verdadeira aproximação às culturas exteriores à
tão celebrada civilização ocidental, há na sua poesia uma busca
incessante de um futuro tão antigo como o passado. Pode, e decerto
deve, ser considerado o mais importante poeta surrealista português,
pela densidade da sua afirmação e na direção desconhecida para que aponta.
Varech
Eu estimo sobre tudo os teus olhos incolores
as tuas mãos inúteis, a tua boca verde
Eu falo somente dos relógios caídos, dos autocarros
Eu falo somente dos pés vermelhos
Eu falo... eu falo... eu falo...
No vigésimo século as nuvens são árvores
e os pássaros mais pequenos grandes paquidermes
Sim, é verdade, os cabelos loiros
Então, meia-noite!
Senhora, se me dá licença, este dia acabou
por este dia
simplesmente
A criança é porca, é inútil
Muito obrigado.
António Maria Lisboa