(imagem daqui)
De acordo com a decisão tomada pelo Mestre de Avis, pelos nobres e representantes do povo reunidos no mosteiro de São Domingos de Lisboa e a conselho de D. Nuno Álvares Pereira, convocou o primeiro, na qualidade de Defensor do Reino, as cortes de Coimbra nos Paços de El-Rei naquela cidade, para 6 de abril de 1385, com a seguinte ordem de trabalhos:
- atribuições da coroa;
- o financiamento da guerra;
- a formulação dos capítulos que um dos três estados podia propor à resolução real.
O clero esteve representado pelo arcebispo de Braga, pelos bispos das principais cidades, pelo prior de Santa Cruz de Coimbra, por dois abades mitrados beneditinos, por Rui Lourenço, deão de Coimbra, e «outros prelados» entre os quais D. João de Ornelas, abade de Alcobaça.
A nobreza, por setenta e dois fidalgos e muitos outros cavaleiros e
escudeiros. E, como procuradores dos povos, os representantes de trinta e
uma vilas e cidades. Antes de referir o que de fundamental se passou
nestas cortes convém dizer em traços largos qual o panorama
político-económico-social do País.
Alguns autores interpretam que os burgueses e os legistas apressaram o
desmembramento da nobreza, quando promoveram e orientaram a revolução,
aproveitando, ao que parece, uma experiência anterior, vivida escassos
anos atrás, aquando dos tumultos de 1372, em que a «arraia-miúda» se manifestou contra o casamento de D. Fernando com D. Leonor Teles.
Essa, sim, terá sido a verdadeira rebelião popular espontaneamente
surgida, pois o povo não queria ver fortalecida, junto do rei, a posição
da nobreza, a que estava ligada a nova rainha. Assim, o movimento dos
mesteirais de Lisboa, capitaneado por Fernão Vasques,
em 1372, terá ficado na memória da burguesia, mostrando-lhe bem a valia
potencial das massas revoltadas, se estas viessem a ser orientadas para
lhe servirem de instrumento para a consecução do papel político que era
ambicionado pelos armadores e mercadores de Lisboa e do Porto.
Desencadeada essa força, a burguesia irá servir-se dela para se
alcandorar, com o Mestre de Avis, à direcção superior do Reino, sendo,
para isso, assistida pelos legistas, cujas concepções de Direito romano
irão ajudar à consolidação do Estado.
A aceitação de um rei estrangeiro pelos Portugueses mostrava-se difícil.
Formaram-se logo três partidos:
- Partido Legitimista ou partido de Castela, constituído por grande parte da nobreza que prestou vassalagem a João I de Castela e a D. Beatriz de Portugal como Rei e Rainha e senhores de Portugal (não esteve presente nas Cortes de Coimbra nem nunca tentou realizar quaisquer Cortes em Portugal)
- Partido Legitimista-Nacionalista, dos nobres que defendiam a causa de D. João de Portugal, Duque de Valência de Campos e do seu irmão, D. Dinis, filhos de D. Pedro I e D. Inês de Castro;
- Partido Nacionalista, que defendia a tomada do trono pelo Mestre de Avis, D. João I. Este, era constituído pelos mesteirais e burgueses, além do apoio da população de Lisboa, que temiam que o trono caisse nas mãos dos castelhanos, e foi representado por Álvaro Pais e Nuno Álvares Pereira. Os legistas deste partido eram representados pelo Doutor João das Regras.
- Para seus membros, a independência do reino de Portugal estaria na tomada de posse do Mestre de Avis, e não poderiam ser elevados a representantes do reino a D. Beatriz de Portugal nem os infantes D. João e D. Dinis, filhos de D. Pedro I e de Inês de Castro - a primeira, porque era casada com D. João I de Castela; os segundos, porque já tinham participado de lutas ao lado dos castelhanos contra o reino de Portugal.
No que respeita ao clero, houve no início algumas figuras marcantes, como os bispo de Lisboa, bispo de Coimbra e bispo da Guarda (os dois primeiros, D. Martinho e D. João Cabeça de Vaca, eram castelhanos), que aderiram ao partido do rei de Castela. Mas o mesmo não aconteceu com outros, como o arcebispo de Braga, D. Lourenço Vicente
que, sendo partidário da causa nacional, teve uma atitude patriótica ao
longo de toda a crise e muito contribuiu para o triunfo final.
Em grande parte, a nobreza desta época alinhou com João I de Castela,
que reclamava ser rei e senhor efectivo de Portugal pelo seu casamento
com Beatriz e pela renúncia à regência de Leonor Teles de Meneses.
Mas houve também fidalgos que tomaram o partido do mestre de Avis.
Eram, no entanto, na sua maioria, das mais baixas camadas da nobreza. A
única excepção de relevo verificou-se nas Ordens Militares, que se
mantiveram quase todas do lado português. Assim, para além do povo e das
baixas camadas da nobreza e respectivos homens de armas, o núcleo mais
activo com que pôde contar o «Regedor e Defensor do Reino» foi
constituído por uma classe média de burgueses e de artesãos.
No entanto nem todos os burgueses estavam de acordo com o célebre Álvaro Pais.
Os grandes da cidade de Lisboa, chamados a ratificar a escolha do
mestre de Avis para «Regente», mostraram-se hesitantes e tiveram de ser
persuadidos pela rudeza do povo personificada num seu representante, o
tanoeiro Afonso Anes Penedo.
Abertas as cortes, o dr. João das Regras,
notável legista, omitindo o nome do seu candidato, refutou os possíveis
direitos daqueles que se apresentavam como pretendentes ao trono de
Portugal. Contra Beatriz e João I de Castela, a principal razão invocada
foi a quebra pelo rei castelhano do tratado antenupcial de Salvaterra, de Março de 1383, e o facto de ser cismático.
Mas a despeito de todos os seus argumentos, que visavam demonstrar que o
trono estava completamente vago, os seguidores do infante D. João não
se deram por vencidos, dizendo que era a ele que o reino pertencia de
direito e sem qualquer dúvida. As discussões arrastavam-se, e então, de
forma inesperada e arrasadora, o legista exibe e lê a carta em que o Papa Inocêncio VI se tinha recusado a legitimar os filhos do Rei D. Pedro e de D. Inês de Castro, fazendo cessar a oposição por parte de Martim Vasques da Cunha
e dos outros apoiantes do infante D. João a que as Cortes elegessem um
novo rei. João das Regras propõe então abertamente D. João, Mestre de
Avis, para rei de Portugal, o qual é eleito «por unida concordança de
todos os grandes e comum povo» (Fernão Lopes, Crónica de El-Rei D. João I,
capítulo 191). Para reforçar a escolha no Mestre de Avis, D. Nuno entra
na sala com vários escudeiros bem armados o que reforçou a eleição do
Mestre de Avis. Começava assim uma nova dinastia.
Quanto ao «financiamento da guerra», os concelhos autorizaram um
«pedido» de 400.000 libras. Seguiram-se os capítulos dos povos, na sua
maioria de grande importância, e só a cidade de Lisboa apresentou 36. Os
diplomas que despacham os capítulos das cortes têm a data de 10 de abril de 1385.
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