terça-feira, maio 04, 2010

As obras socraónicas e a bancarrota do Estado


No 28 de Abril de 2010, quarta-feira cinzenta, dia da iminência do estouro, o primeiro-ministro José Sócrates veio dizer que o País faria tudo o que fosse necessário para satisfazer os mercados financeiros internacionais, de modo a que estes confiassem no pagamento da dívida portuguesa e dos juros. Para tanto, até fez uma declaração conjunta com o líder do PSD, dr. Pedro Passos Coelho, que garantiu apoio ao Governo. Faltou a afirmação da suspensão das obras públicas socraónicas, mas ninguém pensou que se tratasse de outra coisa, para além do aperto no subsídio de desemprego e no rendimento social de inserção.

No dia seguinte, quinta-feira, acalmou o pânico nos mercados financeiros por informação, em círculo fechado, de que o Governo grego, liderado por Papandreou Junior, actual presidente da Internacional Socialista, asfixiado pelos juros brutais da dívida pública grega, que chegou no dia anterior a ter comprador apenas a 23,9%, tinha aceite finalmente o pacote de austeridade na despesa pública que o FMI e a União Europeia lhe impunham como contrapartida de um empréstimo de três anos. Desceu o juro da dívida pública grega e também da portuguesa, que vai agora, segunda-feira, 3-5-2010, à tarde, nos 5,33% (obrigações a 10 anos).

Sucedeu aquilo que ninguém julgava que Sócrates ousasse: que depois da pausa de quarta-feira, desafiasse os mercados financeiros, mantendo o mesmo PEC e o mesmo Orçamento, e, temerário, afirmasse a continuação da sua política de grandes obras públicas, dignas do faraó que se julga. Da pressa da assinatura à socapa da concessão da auto-estrada do Pinhal Interior ao consórcio Ascendi da Mota-Engil e do grupo Espírito Santo, no valor de 1,2 mil milhões de euros, nesse mesmo dia crítico do 28 de Abril, - num movimento típico de fim de regime (distribuição do tesouro, antes que venham os alemães...) -, passou à confirmação da ostentação do TGV, do novo aeroporto de Lisboa, das auto-estradas. E nos apertos das prestações sociais, ninguém mais  ninguém ouviu falar o Governo. E se Teixeira dos Santos sugere a contenção, logo manda falar António Mendonça, ou ele próprio se pronuncia, em sentido contrário, desautorizando o seu ministro das Finanças, o que equivale a deitar gasolina no fogo dos mercados...

É natural que o Presidente da República, que foi professor de finanças públicas, ficasse muito preocupado com o drama da crise da dívida e a incapacidade do Governo fazer face ao descrédito dos mercados financeiros no pasmo e passividade do Governo. Num acto que passou relativamente despercebido, Cavaco Silva antecipou a audiência semanal com o primeiro-ministro para quarta-feira, 28-5-2010, com o primeiro-ministro, e convocou para a mesma o ministro Teixeira dos Santos, dando um sinal de que não confia na capacidade de Sócrates aplacar a crise e, ao mesmo tempo, de apoio à reserva do ministro das Finanças. O problema é que Teixeira dos Santos é fraco e não é capaz de dar um murro na mesa do despesismo...

Preocupado com esta irresponsabilidade do desafio socratino aos mercados financeiros de, mesmo em face do pânico no crédito, da descida do rating da República e do crescimento dos juros, o prof. Cavaco Silva, que já tinha prevenido em 23-5-2003, numa intervenção premonitória do drama que o País hoje sofre, que foi publicada no Jornal de Negócios sob o título «Dores de cabeça», da insustentatibilidade do crescimento da despesa, sem aumento de competitividade, e do perigo da indisciplina orçamental, veio alertar, em 30-4-2010, sexta-feira, para a necessidade de serem repensados os grandes investimentos, particularmente aqueles com menor incorporação nacional. Disse o Presidente da República:
«faz sentido reponderar todos os investimentos públicos e privados na área dos bens não transaccionáveis que tenham uma grande componente importada, que tenham capital intensivo, ou seja, que utilizem pouca mão-de-obra portuguesa»

Isto é, janela quebrada por janela quebrada é melhor aquela que é reparada com vidraça e marceneiro portugueses. E logo se levantou o protesto, pelo poeta Manuel Alegre, de interpretar as palavras do Presidente como «uma interferência nas escolhas do Executivo» (sic).

Portanto, aqui fica o meu comentário: o Presidente não se opôs, recomendou a reponderação dos grandes investimentos, devido à situação actual. Mas, eu creio que, enquanto o Governo não atingir o objectivo dos 3% de défice, a que se comprometeu no PEC,  o Presidente da República deveria vetar qualquer contrato de construção e concessão de grandes obras públicas que aumentem significativamente a despesa do Estado, e explicar ao País o motivo. Certamente que todos os patriotas querem evitar que Portugal se transforme num protectorado do FMI/União Europeia (Alemanha...) e que o povo seja sujeito a um pacote de austeridade, semelhante ao grego, muito mais grave do que aquele que seria agora posto em prática, simplesmente por se não querer abdicar das comissões.

in Blog Do Portugal Profundo - post de António Balbino Caldeira

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