domingo, fevereiro 28, 2010

O estado a que isto chegou

1. Há suspeitas fortíssimas de que os socialistas Armando Vara e Paulo Penedos, alvos de escutas da Polícia Judiciária no processo Face Oculta, foram avisados desse facto pelo próprio aparelho institucional que devia proteger a investigação, a 24 ou 25 de Junho de 2009. A 24 de Junho, recorde-se, o Procurador-Geral da República foi oficialmente notificado da existência dessas escutas.

2. Freitas do Amaral, com a sua indiscutível autoridade de professor de Direito, critica o Procurador-Geral da República num artigo demolidor na revista Visão. «O caso das escutas só é 'meramente político', como diz o PGR, porque este optou por uma concepção muito restritiva do conceito de 'atentado ao Estado de Direito'», salienta o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates.

3. Um dos maiores especialistas portugueses em Direito Penal, Manuel da Costa Andrade, acaba de sublinhar, em artigo no Público, que o valor da lilberdade de imprensa e o escrutínio do comportamento dos políticos pelos jornalistas podem afastar a ilicitude da suposta violação do segredo de justiça. Até porque os jornalistas «têm o direito de não ser colocados na mira da fúria e do arbítrio dos detentores do poder».

4. O boy socialista Rui Pedro Soares, que prestava funções no Departamento de Marketing da PT Multimédia, passando depois pelo departamento de gestão de edifícios da mesma empresa, chegou à Comissão Executiva da PT após a vitória socialista nas legislativas de 2005. Uma promoção espectacular. Quem disse que Portugal não é um país de oportunidades?

5. Ricardo Sá Fernandes, que foi secretário de Estado das Finanças com António Guterres, garante em entrevista ao i que deixará de votar PS se Sócrates não esclarecer todo o caso das escutas. «O primeiro-ministro e a sua entourage estão a lidar com isto da pior maneira possível porque estão a esconder-se atrás do segredo de justiça, quando o problema não é de segredo de justiça. Por razões formais que existam, há uma razão substancial que passa por cima de todas essas, que é do escrutínio público da decisão judiciária. Não há justiças secretas.»

6. José Medeiros Ferreira assinala no Correio da Manhã, com a argúcia habitual: «Portugal deve ser o único país em que o 'segredo de justiça' é um problema nacional. É, pois, um assunto bem português. Experimentem falar do segredo de justiça e de arguido numa capital do mundo e verão a dificuldade de tradução.»

7. Desta vez a pressão para que fale não vem dos jornais, mas da Assembleia da República. José Sócrates será o primeiro chefe de um Governo em Portugal a depor no Parlamento. Sem face oculta.

8. João Cravinho, um dos mais respeitados senadores do PS, sem papas na língua aos microfones da Rádio Renascença: «Não se pode ter uma golden share, nomear o presidente de uma empresa e dois em sete administradores da Comissão Executiva e fingir que o que se passa na PT não é da responsabilidade também do grande accionista Estado.» O destinatário destas palavras, obviamente, é o primeiro-ministro.

9. A entrevista à SIC em que José Sócrates passou todo o tempo a evitar responder a Miguel Sousa Tavares não contribuiu um milímetro para que recuperasse a popularidade. Pelo contrário: segundo uma sondagem da Marktest para o Económico e a TSF, hoje divulgada, a popularidade do primeiro-ministro cai a pique. Não admira. Outra coisa é que seria de espantar.

10. Atenção à reunião de amanhã da Comissão Nacional do PS. O alerta vem de Ana Gomes.



in Delito de Opinião - post de Pedro Correia (27.02.2010)

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