Do Blog De Rerum Natura publicamos o seguinte post, de autoria do Professor Doutor Carlos Fiolhais:
A Associação Académica de Coimbra (AAC) nasceu, há 120 anos, como uma fonte de cultura. De então para cá as formas culturais que dela emanam não tem parado de aumentar e de se diversificar. O C no final de AAC bem podia ser de Cultura!
Com efeito, a origem da AAC está intimamente ligada a uma antiga manifestação cultural – o teatro – relacionam-se com o sítio onde é hoje a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Foi em 1887 que foram escritos os primeiros Estatutos da que é uma das mais antigas associações de estudantes do mundo. Mas tinha sido cinquenta anos antes, em 1837, que um grupo de estudantes, professores e antigos estudantes fundou, na sequência da apresentação de uma peça de Almeida Garrett, a Academia Dramática no edifício do Colégio de São Paulo. Essa Academia Dramática veio a dar origem a duas das mais fortes e duradoiras instituições culturais do país, que aí tiveram as suas sedes. Por um lado surgiu o Instituto de Coimbra, formado por professores, ao qual os estudantes chamavam “Clube dos Lentes” e que foi formalizado em 1852 (curiosamente o espólio bibliográfico e documental dessa instituição que evanesceu depois da Revolução de 1974 deu há pouco entrada na Biblioteca Geral). E, por outro lado, em 1866 os estudantes fundaram, com base num clube académico anterior, o Clube Académico e Dramático, que viria a dar origem à actual Associação. Depois de ter andado por outros sítios, a Associação Académica voltou ao sítio onde é hoje a Biblioteca Geral e onde outrora funcionou o Teatro Académico (um dos fundadores foi o pai de Eça de Queirós). Em 1913, o Senado Universitário concedeu à AAC – que já então incluía o Orfeon (cuja primeira apresentação foi em 1880 quando se comemoravam os trezentos anos da morte de Camões) e a Tuna Académica (fundada em 1888, sob o nome de Academia Musical de Coimbra) - o rés-do-chão do Colégio de São Paulo, onde também estava instalado o “Clube dos Lentes”. A relação entre as duas instituições não foram as melhores, como aliás se compreende: o academismo e a “gravitas” do Instituto contrastavam com a juventude e a irreverência que sempre foram uma marca da Associação Académica. É bem conhecido que o Largo da Porta Férrea, diante da Porta Férrea e também da porta da actual Biblioteca, tem sido desde esses tempos palco de manifestações estudantis.
A cultura da Associação Académica foi, portanto, no início uma forte componente de música. Tanto Orfeon como a Tuna têm largas tradições e albergaram grandes nomes da cultura portuguesa: bastará dizer que ao Orfeon pertenceram Artur Paredes, José Afonso, Viana da Mota, Vitorino Nemésio, Vitorino de Almeida, etc. O Coro Misto da Universidade de Coimbra foi fundado em 1955 e o Grupo de Etnografia e Folclore da Universidade de Coimbra (GEFAC) foi fundado em 1966.
Mas o teatro foi revigorado com a fundação em 1938 do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (o famoso TEUC, ligado ao nome de Paulo Quintela e cujas actividades incluíram as Bienais de Teatro Universitário – BUC) em 1956 do Centro de Iniciação ao Teatro da Universidade de Coimbra (CITAC), fundado por um movimento de dissidência (está agora a comemorar os cinquenta anos e é curioso referir a ligação a ele de Rui Vilar, actual Presidente da Fundação Gulbenkian).
A AAC foi também sede de actividades de artes plásticas – O Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (um organismo autónomo tal como todos os outros antes indicados, um sinal de que a AAC sabe garantir a liberdade cultural no seu seio) foi fundado em 1958; de actividades cinéfilas – o Centro de Estudos Cinematográficas foi fundado em 1958; de fotografia – o Centro de Estudos de Fotografia, que esteve ligado aos famosos Encontros de Fotografia de Coimbra - foi fundado em 1964; mediáticas - a Rádio Universidade de Coimbra foi fundada em 1986 e a Secção de Jornalismo (refiram-se a revista “Via Latina”, que remonta a 1888, com a colaboração de António Nobre, e o actual jornal “Cabra”); de fado, cuja secção foi criada em 1980 e que tem dado origem a diversas formações; e de coleccionismo – a secção de Filatelia data de 1965.
E a cultura científica não foi esquecida: o grupo Ecológico data de 1976, o Centro de Informática de 1989 e a Secção de Astronomia, Astrofísica e Astronáutica de 1989. Pela indicação destas datas é bem visível a forte expansão das actividades culturais durantes os últimos vinte anos, o que não se fez nunca à custa da diminuição das actividades com maior tradição.
Pessoalmente estive envolvido como estudante nas actividades de uma secção desportiva da AAC – o xadrez – mas acompanhei as actividades das secções culturais. A Revolução de Abril de 1974, que vivi como estudante, foi uma data marcante para a AAC e para todos. Também estive então em vários plenários nos Jardins da AAC. Foram numerosos os espectáculos ligados de uma formas ou de outra à AAC a que assisti, como estudante ou professor, no Teatro Académico de Gil Vicente (vivo no meu espírito ficou particularmente um espectáculo de Carlos Paredes e a projecção de filmes de Charlie Chaplin logo após a sua morte). Lembro com saudade os Encontros de Fotografia de Coimbra, quando percorria à chuva vários locais da cidade, e a Bienal Universitária de Teatro, quando vi um espectáculo memorável nas Escadas Monumentais. É uma pena que esses grandes eventos tenham sido interrompidos... A minha experiência é, de resto, uma experiência partilhada com muitas outras pessoas que viveram ou vivem em Coimbra ou que vieram a Coimbra por causa da cultura. A AAC tem sido uma fonte permanente de cultura e, por isso, não é de admirar que tenha reagido em 2003, quando Coimbra foi designada “Capital Nacional da Cultura”, entre outras razões porque as actividades culturais da AAC não foram acolhidas e realçadas do modo que mereciam. Hoje tenho orgulho em colaborar com a “Cabra”, com a Rádio Universidade de Coimbra e a sua sucedânea TV-AAC, onde já estive em várias ocasiões, e a Secção de Astronomia, Astrofísica e Astronauta, com cujos membros já andei a ver estrelas. O meu modesto apoio traduz um reconhecimento e uma homenagem por uma obra ímpar de cultura.
Mas, como na AAC os estudantes são quem tem a palavra, dou a palavra aos estudantes. Nos 116 anos da AAC o então Presidente Miguel Duarte declarou a inaugurar uma mostra cultural: “Viver a Associação Académica de Coimbra é viver sem limites os seus anos carregados de sentimentos, de esperança, de criação, de participação, de entusiasmo, de experiências de cada um de nós e ao mesmo tempo de todos nós.(...) Viver a Associação Académica de Coimbra é descobrir todos os dias o poder que reside nas nossas ideias traduzidas na intensa produção artística e cultural das nossas secções.” Hoje, quando a AAC vai fazer 120 anos, essa mensagem continua tão verdadeira como oportuna.
Dentro de dias, a Associação Académica de Coimbra vai festejar o seu 120º aniversário. Deixo aqui um meu texto sobre a componente cultural dessa associação que será publicado com outros, numa obra que assinala a efeméride:
A Associação Académica de Coimbra (AAC) nasceu, há 120 anos, como uma fonte de cultura. De então para cá as formas culturais que dela emanam não tem parado de aumentar e de se diversificar. O C no final de AAC bem podia ser de Cultura!
Com efeito, a origem da AAC está intimamente ligada a uma antiga manifestação cultural – o teatro – relacionam-se com o sítio onde é hoje a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. Foi em 1887 que foram escritos os primeiros Estatutos da que é uma das mais antigas associações de estudantes do mundo. Mas tinha sido cinquenta anos antes, em 1837, que um grupo de estudantes, professores e antigos estudantes fundou, na sequência da apresentação de uma peça de Almeida Garrett, a Academia Dramática no edifício do Colégio de São Paulo. Essa Academia Dramática veio a dar origem a duas das mais fortes e duradoiras instituições culturais do país, que aí tiveram as suas sedes. Por um lado surgiu o Instituto de Coimbra, formado por professores, ao qual os estudantes chamavam “Clube dos Lentes” e que foi formalizado em 1852 (curiosamente o espólio bibliográfico e documental dessa instituição que evanesceu depois da Revolução de 1974 deu há pouco entrada na Biblioteca Geral). E, por outro lado, em 1866 os estudantes fundaram, com base num clube académico anterior, o Clube Académico e Dramático, que viria a dar origem à actual Associação. Depois de ter andado por outros sítios, a Associação Académica voltou ao sítio onde é hoje a Biblioteca Geral e onde outrora funcionou o Teatro Académico (um dos fundadores foi o pai de Eça de Queirós). Em 1913, o Senado Universitário concedeu à AAC – que já então incluía o Orfeon (cuja primeira apresentação foi em 1880 quando se comemoravam os trezentos anos da morte de Camões) e a Tuna Académica (fundada em 1888, sob o nome de Academia Musical de Coimbra) - o rés-do-chão do Colégio de São Paulo, onde também estava instalado o “Clube dos Lentes”. A relação entre as duas instituições não foram as melhores, como aliás se compreende: o academismo e a “gravitas” do Instituto contrastavam com a juventude e a irreverência que sempre foram uma marca da Associação Académica. É bem conhecido que o Largo da Porta Férrea, diante da Porta Férrea e também da porta da actual Biblioteca, tem sido desde esses tempos palco de manifestações estudantis.
A cultura da Associação Académica foi, portanto, no início uma forte componente de música. Tanto Orfeon como a Tuna têm largas tradições e albergaram grandes nomes da cultura portuguesa: bastará dizer que ao Orfeon pertenceram Artur Paredes, José Afonso, Viana da Mota, Vitorino Nemésio, Vitorino de Almeida, etc. O Coro Misto da Universidade de Coimbra foi fundado em 1955 e o Grupo de Etnografia e Folclore da Universidade de Coimbra (GEFAC) foi fundado em 1966.
Mas o teatro foi revigorado com a fundação em 1938 do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (o famoso TEUC, ligado ao nome de Paulo Quintela e cujas actividades incluíram as Bienais de Teatro Universitário – BUC) em 1956 do Centro de Iniciação ao Teatro da Universidade de Coimbra (CITAC), fundado por um movimento de dissidência (está agora a comemorar os cinquenta anos e é curioso referir a ligação a ele de Rui Vilar, actual Presidente da Fundação Gulbenkian).
A AAC foi também sede de actividades de artes plásticas – O Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (um organismo autónomo tal como todos os outros antes indicados, um sinal de que a AAC sabe garantir a liberdade cultural no seu seio) foi fundado em 1958; de actividades cinéfilas – o Centro de Estudos Cinematográficas foi fundado em 1958; de fotografia – o Centro de Estudos de Fotografia, que esteve ligado aos famosos Encontros de Fotografia de Coimbra - foi fundado em 1964; mediáticas - a Rádio Universidade de Coimbra foi fundada em 1986 e a Secção de Jornalismo (refiram-se a revista “Via Latina”, que remonta a 1888, com a colaboração de António Nobre, e o actual jornal “Cabra”); de fado, cuja secção foi criada em 1980 e que tem dado origem a diversas formações; e de coleccionismo – a secção de Filatelia data de 1965.
E a cultura científica não foi esquecida: o grupo Ecológico data de 1976, o Centro de Informática de 1989 e a Secção de Astronomia, Astrofísica e Astronáutica de 1989. Pela indicação destas datas é bem visível a forte expansão das actividades culturais durantes os últimos vinte anos, o que não se fez nunca à custa da diminuição das actividades com maior tradição.
Pessoalmente estive envolvido como estudante nas actividades de uma secção desportiva da AAC – o xadrez – mas acompanhei as actividades das secções culturais. A Revolução de Abril de 1974, que vivi como estudante, foi uma data marcante para a AAC e para todos. Também estive então em vários plenários nos Jardins da AAC. Foram numerosos os espectáculos ligados de uma formas ou de outra à AAC a que assisti, como estudante ou professor, no Teatro Académico de Gil Vicente (vivo no meu espírito ficou particularmente um espectáculo de Carlos Paredes e a projecção de filmes de Charlie Chaplin logo após a sua morte). Lembro com saudade os Encontros de Fotografia de Coimbra, quando percorria à chuva vários locais da cidade, e a Bienal Universitária de Teatro, quando vi um espectáculo memorável nas Escadas Monumentais. É uma pena que esses grandes eventos tenham sido interrompidos... A minha experiência é, de resto, uma experiência partilhada com muitas outras pessoas que viveram ou vivem em Coimbra ou que vieram a Coimbra por causa da cultura. A AAC tem sido uma fonte permanente de cultura e, por isso, não é de admirar que tenha reagido em 2003, quando Coimbra foi designada “Capital Nacional da Cultura”, entre outras razões porque as actividades culturais da AAC não foram acolhidas e realçadas do modo que mereciam. Hoje tenho orgulho em colaborar com a “Cabra”, com a Rádio Universidade de Coimbra e a sua sucedânea TV-AAC, onde já estive em várias ocasiões, e a Secção de Astronomia, Astrofísica e Astronauta, com cujos membros já andei a ver estrelas. O meu modesto apoio traduz um reconhecimento e uma homenagem por uma obra ímpar de cultura.
Mas, como na AAC os estudantes são quem tem a palavra, dou a palavra aos estudantes. Nos 116 anos da AAC o então Presidente Miguel Duarte declarou a inaugurar uma mostra cultural: “Viver a Associação Académica de Coimbra é viver sem limites os seus anos carregados de sentimentos, de esperança, de criação, de participação, de entusiasmo, de experiências de cada um de nós e ao mesmo tempo de todos nós.(...) Viver a Associação Académica de Coimbra é descobrir todos os dias o poder que reside nas nossas ideias traduzidas na intensa produção artística e cultural das nossas secções.” Hoje, quando a AAC vai fazer 120 anos, essa mensagem continua tão verdadeira como oportuna.
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