... mais uma volta à roda do Sol e mais um ano a brincar às mudanças de hora em Portugal... Não íamos acabar com esta palhaçada...?
O Curso de Geologia de 85/90 da Universidade de Coimbra escolheu o nome de Geopedrados quando participou na Queima das Fitas. Ficou a designação, ficaram muitas pessoas com e sobre a capa intemporal deste nome, agora com oportunidade de partilhar as suas ideias, informações e materiais sobre Geologia, Paleontologia, Mineralogia, Vulcanologia/Sismologia, Ambiente, Energia, Biologia, Astronomia, Ensino, Fotografia, Humor, Música, Cultura, Coimbra e AAC, para fins de ensino e educação.
... mais uma volta à roda do Sol e mais um ano a brincar às mudanças de hora em Portugal... Não íamos acabar com esta palhaçada...?
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Música para celebrar mais um ano a brincar às mudanças de hora em Portugal...
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Se bastasse ler a história para entender a razão da mudança da hora, a resposta seria fácil. Tudo começou com Benjamin Franklin, o político e inventor do pára-raios e das lentes bifocais. Em 1784, num artigo publicado num jornal francês, Franklin sugeria que a França adiantasse uma hora no Verão, alegando que Paris poderia poupar anualmente 32 mil toneladas de cera de vela. Só mais de um século depois é que a sugestão seria tida em conta, no contexto da Primeira Guerra Mundial, para economizar energia.
Os governos europeus decidiram, assim, adiantar os seus relógios uma hora, inaugurando a chamada "hora de Verão". Consequentemente, os dias passaram a acabar mais tarde e menos energia era consumida. Mas, com o desenvolvimento das sociedades, o pretexto de poupança energética perdeu força e deixou de justificar por si só mudanças no compasso do tempo. Por isso, se hoje quisermos explicar por que muda a hora em Portugal, teríamos de partir de um palavrão - a cronobiologia, ciência que estuda os ritmos biológicos.
"Ao atrasarmos agora uma hora vamos regressar ao ponto mais próximo da hora solar, da qual estamos actualmente desfasados 1h37, devido ao horário de Verão", explica Rui Agostinho, director do Observatório Astronómico de Lisboa, instituição responsável pela hora legal do país. Portugal, ao alinhar-se pelo meridiano de Greenwich tal como acontece com a Grã-Bretanha e Irlanda, está sempre pelo menos 37 minutos desfasado em relação à hora solar e é esta pequena diferença que passaremos a ter a partir de amanhã.
"Se agora não fizéssemos a transição para a hora de Inverno, manter-se-ia um desfasamento de 1h37, mas teríamos os relógios alinhados com a restante Europa Central", que se guia pelo meridiano de Berlim, adianta Rui Agostinho. Isso faria com que só amanhecesse por volta das 9h00 e que sol se pusesse uma hora mais tarde do que amanhã.
Além disso, quando chegasse o Verão e fizéssemos o normal adiantamento da hora, ficaríamos ainda mais desfasados em relação à hora solar (2h37). "Só ficaria céu mesmo escuro à uma da manhã", resume o director do Observatório. Portugal viveu essa experiência entre 1992 e 1996, durante o Governo de Cavaco Silva, mas acabou por voltar atrás devido a um turbilhão de protestos. O problema, invocaram na altura cientistas e médicos, era o facto de o desfasamento em relação à hora solar trocar as voltas ao nosso relógio biológico.
A ligação ao sol
Localizado no cérebro, o relógio biológico do ser humano dita ao organismo os ritmos que afectam o sono, o apetite, os níveis de energia e atenção e outros aspectos da nossa fisiologia. Mas tem um senão. "O nosso ciclo interno tem mais de 24 horas e, para se manter alinhado com o ciclo de rotação da Terra, precisa de um sinal: a luz solar", explica Susana Salgado Pires, especialista em cronobiologia.
"Ora, se durante o Inverno acordarmos antes do nascer do sol, fizermos a nossa rotina matinal quase às escuras e chegarmos ao trabalho ainda de noite, dificilmente o nosso cérebro vai aceitar que é de dia", diz a investigadora, que se doutorou em Biomedicina com o professor inglês Russell Foster, um dos mais conhecidos cientistas na área da cronobiologia.
A contribuir para essa dormência está a melatonina. A chamada "hormona do sono" é segregada por uma glândula cerebral à medida que anoitece, atinge o seu pico na primeira parte da noite (até às duas da manhã) e começa a inibir-se a partir do momento em que a luz aparece.
Ao mudar a hora no Inverno, acrescentamos uma hora de luz a cada manhã, o que, segundo Susana Pires, é "crucial para informar o cérebro de que é dia e, portanto, que deve regular o organismo para fazer face às exigências das 24 horas seguintes". As crianças e os idosos são as faixas da população mais "escravas" destes ritmos biológicos, pois são as mais fiéis ao seu relógio interno, tendendo a acordar quando o sol nasce e a dormir quando se põe.
Contudo, segundo Mário Durval, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), o impacto de mudar ou manter a hora actual é relativamente pequeno e seria apenas mais uma adaptação, visto que o ser humano já cortou a sua ligação à hora solar. "Neste momento, estamos completamente escravizados pelo relógio e desregulados em relação ao ritmo do nascer e pôr do sol", constata o presidente da ANMSP.
Também Susana Pires considera que a mudança de hora no Inverno poderia deixar de existir, se houvesse "flexibilidade de horários nas escolas e empresas, de modo a acompanharmos o ciclo solar". Além disso, alguns países europeus, sobretudo os do Norte, que têm muito menos luz solar diária do que Portugal, encontraram formas de compensar a situação - as chamadas "caixas de luz". Compostas por lâmpadas que emitem luz com a mesma intensidade de um dia de sol de Primavera, estas caixas são geralmente usadas ao início do dia para fazer uma espécie de terapia solar.
Por outro lado, zonas como a Galiza aprenderam também a contornar o problema de ter os relógios alinhados com a Europa Central. Embora tenham a mesma hora solar de Portugal, os nossos vizinhos galegos tiveram de alinhar com a hora espanhola e, por extensão, com o resto da Europa. Alguns movimentos nacionalistas da região reivindicaram já uma hora igual à portuguesa, mas nada mudou até agora. "As pessoas adaptaram-se e, apesar de o relógio marcar uma coisa, fazem a sua vida em função do ciclo solar, almoçando às 14h ou 15h e fazendo a sesta a seguir", realça o director do Observatório Astronómico de Lisboa. A experiência do passado
Mas se haveria impactos para o organismo, caso Portugal alinhasse a sua hora com a Europa Central, também há problemas que surgem com a mudança para a hora de Inverno. Ao acordamos uma hora antes do habitual, o nosso organismo é apanhado de surpresa e podem surgir sintomas de fadiga, falta de energia e de atenção e alterações subtis do ritmo cardíaco e da tensão arterial.
Segundo Susana Pires, há vários estudos que mostram que o número de ataques cardíacos, acidentes de trânsito e suicídios aumenta nas semanas seguintes à mudança da hora. Mário Durval reconhece também que o facto de anoitecer mais cedo no Inverno propicia situações de depressão. Contudo, ambos são unânimes em afirmar que se trata de casos excepcionais, que não afectam a generalidade da população. O mesmo parece não ter acontecido quando se ensaiou o alinhamento com a hora central europeia, há mais de uma década.
Entre 1992 e 1996, por sugestão do então ministro do Planeamento e Administração do Território Valente de Oliveira e decisão do executivo de Cavaco Silva, Portugal esteve adiantado uma hora no Inverno e duas horas no Verão em relação ao Tempo Universal Coordenado (que equivale ao tempo indicado pelo meridiano de Greenwich). Só durante a Segunda Guerra Mundial tinha acontecido o mesmo.
As alterações introduzidas nesses anos tinham por objectivo alinhar a hora portuguesa com a dos seus parceiros comunitários, favorecendo os negócios. E, segundo Francisco van Zeller, presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), foi isso que aconteceu: "Nesses anos os negócios com a Europa foram mais fáceis e foi muito mau quando se regressou ao modelo anterior."
Os empresários deixaram de conseguir ir no próprio dia às reuniões matinais em Bruxelas e voltaram a lembrar-se que os telefones dos escritórios europeus deixavam de ser atendidos a partir das 18h portuguesas. "Ficámos novamente com uma janela de negociação diminuída com a Europa", destaca Van Zeller. Mas reconhece: "O que era melhor para os negócios não era para as pessoas."
Aos relatórios que apontavam para uma escala do consumo de medicamentos para o stress somou-se a contestação de pais, professores e pediatras. "As crianças não conseguiam adormecer antes das 22h e, quando deviam estar a dormir, pois ainda era de noite, tinham de ser arrancadas da cama para ir para a escola", lembra Albino Pinto de Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).
João Grancho, presidente da Associação Nacional de Professores, recorda que a mudança gerou irritabilidade e desatenção nos mais jovens, e muitos chegavam a adormecer nas aulas. E nem o argumento da poupança energética que o Governo de então foi buscar à história do "nascimento" da mudança horária salvaria a ideia de Valente de Oliveira.
"Uma empresa contratada pela Comissão Europeia mostrou na altura que a poupança de energia que se ganhava ao final do dia se perdia com o aumento do gasto de manhã, porque os trabalhadores esqueciam-se de apagar as luzes nos escritórios, e também pela maior actividade das pessoas ao final do dia, com recurso aos transportes, o que também consumia energia", revela Rui Agostinho.
A experiência de ter a hora portuguesa igual à da Europa Central acabaria por conhecer o seu fim em 1996, com o Governo socialista de António Guterres. E, apesar de as empresas continuarem a querer mais tempo para negociar com a Europa e de os portugueses repetirem todos os anos, por esta altura, a queixa de que perdem horas de sol, ainda ninguém voltou a atrever-se a congelar os ponteiros do relógio.
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