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quinta-feira, maio 08, 2014
A vergonha da Pena de Morte nos Estados Unidos continua - II
Quando tudo o que pode correr mal numa execução acontece
Sofia Lorena
02.05.2014
A injecção letal é o método usado preferencialmente nos 32 estados norte-americanos que mantêm a pena capital
Responsável recomenda suspensão indefinida das execuções no Oklahoma e um inquérito independente à morte de Clayton Lockett.
Já sabíamos que a execução de Clayton Lockett, na terça-feira, no estado norte-americano do Oklahoma tinha corrido mal. Que o processo tinha sido iniciado às 18.23 horas e que ele só morrera 43 minutos depois, já a execução tinha sido suspensa. Agora, ficámos a saber que tudo o que pode correr mal na administração de uma injecção letal aconteceu mesmo neste caso: os técnicos tiveram muitas dificuldades em encontrar uma veia viável, o cateter foi mal colocado e o prisioneiro não terá reagido como esperado ao cocktail letal.
Uma carta enviada pelo director do Departamento Correccional do estado, Robert Patton, à governadora descreve passo a passo o último dia de Clayton, desde ter sido atingido por uma descarga de taser logo pela manhã até aos 51 minutos que foram precisos para encontrar uma veia, o que finalmente aconteceu, na virilha.
Segundo a reconstituição de Patton, Clayton levou um choque quando recusou abandonar a cela para os primeiros exames médicos do dia – o recurso a uma descarga de taser no último dia de um condenado pode não ser inédito, mas não é certamente comum. Quando Clayton já estava no consultório, descobriu-se que tinha feridas auto-infligidas no braço direito; foi tratado, mas um médico decidiu que não precisava de pontos.
Muitas horas depois, já na câmara de execução, os técnicos concluíram que não conseguiam encontrar nenhuma veia viável nos braços, pernas, pés ou pescoço. Avançaram então para a virilha e avançou-se para a execução; as cortinas que separaram a câmara da assistência foram abertas e o primeiro fármaco, que deve funcionar como sedativo, foi administrado.
A partir daí, nada correu como previsto. Clayton demorou dez minutos a ser dado como inconsciente – bastante mais do que o habitual –, altura em que foram administradas as outras duas drogas, que se esperem que paralisem os músculos e o coração, provocando a morte.
Quando Clayton começou a gemer e a contorcer-se e as cortinhas se fecharam, o médico presente “verificou a ligação intravenosa e afirmou que a veia tinha rebentado e que as drogas ou tinham sido absorvidas pelo tecido muscular, ou vazado, ou ambos”, descreve Patton. Este colocou em seguida uma série de perguntas ao médico: “Foram administrados fármacos suficientes para provocar a morte?” e “Há outra veia disponível e, nesse caso, há drogas suficientes disponíveis?”. As respostas sucederam-se e repetiram-se – “Não”.
Patton quis então saber como estava Clayton. Inconsciente e “com um batimento cardíaco ténue”. Eram 18.56 horas e Patton mandou interromper a execução; Clayton morreu dez minutos mais tarde.
Inserir uma agulha na virilha “é um procedimento invasivo e complexo que requer uma experiência e um treino extensos”, diz ao jornal The New York Times Mark Heath, anestesista da Universidade de Columbia. “Há muitas maneiras de verificar se a agulha está correctamente colocada na veia, e se isso tivesse sido feito as pessoas envolvidas saberiam com antecedência que o cateter não estava correctamente posicionado."
O Oklahoma não divulga os nomes dos técnicos e médicos envolvidos nas execuções. E agora, desde que os fármacos habitualmente usados como sedativos nas execuções deixaram de estar disponíveis no mercado, também não divulga a origem de todos os produtos que usa nas injecções letais.
Na carta que dirige à governadora Mary Fallin, Patton pede “uma suspensão indefinida das execuções”, já que serão precisas semanas para redefinir um novo processo de execução por injecção letal e, depois disso, treinar o pessoal necessário para levar a cabo novas execuções.
A polémica em redor das garantias da injecção letal como método capaz de matar sem provocar a inconstitucional “punição cruel e pouco comum” é longa e não faltam exemplos com contornos aterradores.
Um estudo feito pelo jornal britânico The Guardian diz que, entre 1980 e 2010, 7% das injecções letais nos Estados Unidos correram mal. Nalguns casos foi a dificuldade em encontrar uma veia; noutros, erros humanos, como a inserção do cateter. Mais recentemente, são muitos os episódios de mortes extremamente demoradas por reacções a fármacos ou combinações de drogas que não foram previamente testados.
“Quão invejável é a morte tranquila por injecção letal”, disse um dia Antonin Scalia, hoje juiz do Supremo Tribunal, ao comparar o sofrimento de um condenado com o da sua vítima. A frase é recordada pelo Guardian, interrogando-se se depois de terça-feira Scalia diria o mesmo.
Postado por Fernando Martins às 11:38 0 bocas
Marcadores: injecção letal, pena de morte, tortura, USA, vergonha
A vergonha da Pena de Morte nos Estados Unidos continua...
Clayton devia ter morrido por injeção letal e acabou “torturado até à morte”
Sofia Lorena
30.04.2014
Clayton Lockett levou 43 minutos a morrer de um ataque cardíaco "devastador"
A forma mais indolor e asséptica de matar dá cada vez menos garantias de uma morte sem “punição cruel e pouco comum” aos defensores da pena capital. Resta à Justiça dos EUA decidir se intervém.
Já todos vimos no cinema ou numa série de advogados aquele momento em que os guardas prisionais se apressam a fechar a cortina e a assistência percebe que algo está a correr mal numa execução. Foi o que aconteceu na terça-feira, em Huntsville, uma pequena cidade do Oklahoma.
Clayton Lockett tinha sido condenado a morrer por injecção letal, o método usado preferencialmente nos 32 estados norte-americanos que mantêm a pena capital por ser considerado o mais indolor e asséptico para matar. Há muito que essa crença está posta em causa, numa polémica que cresceu à medida que se foi tornando mais difícil encontrar no mercado um dos químicos do cocktail triplo mais usado.
Eram 18.23 horas (início da madrugada em Portugal) quando foi injectado a Clayton o sedativo que o deveria ter adormecido. Tratando-se um fármaco, o midazolam, uma benzodiazepina muito pouco testada - e cuja origem o estado insistira em manter secreta -, as testemunhas foram avisadas de que demoraria mais do que o habitual a fazer efeito. Dez minutos depois, foi considerado inconsciente, seguindo-se a administração dos restantes dois fármacos.
Passados três minutos, Clayton começou a gemer e a contorcer-se, depois a gritar e a tentar libertar-se e levantar-se da maca. Eram 18.39 quando as cortinas se fecharam.
Nos minutos que se seguiram nem os jornalistas nem os advogados conseguiam perceber o que se estava a passar. Depois, o director do Departamento Correccional, Robert Patton, veio explicar que tinha havido um problema — a veia na qual os químicos tinham sido injectados “rebentara”. A segunda execução da noite, a de Charles Warner, já não ia acontecer. Mas e Clayton? Clayton morreu, quando Patton já tinha notificado o procurador-geral do adiamento da execução. Tinham passado 43 minutos desde o início do processo, quando sofreu o que “parece ter sido um devastador ataque cardíaco”.
“Foi terrível, difícil de presenciar”, diz David Autry, um dos advogados. Clayton, acusa Madeline Cohen, outra advogada, foi “torturado até à morte”.
Crueldade e Constituição
A batalha dos abolicionistas contra a injecção letal concentra-se em provar que não impede uma “punição cruel e pouco comum”, o que a Constituição proíbe. Em 2007, a questão chegou ao Supremo Tribunal, mas a injecção letal sobreviveu. Na altura, todos os estados menos um recorriam ao mesmo cocktail de químicos: tiopentato de sódio para anestesiar e colocar o condenado inconsciente; brometo de pancurónio para paralisar os músculos; e cloreto de potássio para induzir paragem cardíaca e provocar a morte.
Em 2010, os estados que praticam a pena de morte começaram a ficar sem doses de tiopentato de sódio e a única empresa com aprovação da agência federal que faz o controlo dos medicamentos (FDA) para fabricar o produto anunciou ruptura de stock. Em Janeiro de 2011, fez saber que cessara a produção.
A maioria dos estados passou então a recorrer ao pentobarbital, um fármaco usado para praticar a eutanásia em animais e uma solução que durou pouco: o laboratório dinamarquês Lundbeck,o único na Europa que aceitava exportar o produto para os EUA, decidiu deixar de o fazer.
Começou a era do segredo. Sabe-se que os estados recorrem a diversos produtos e a diferentes empresas que preparam fármacos que não foram aprovados pela FDA, laboratórios que não o são verdadeiramente e que vendem anestesias que não passam por um controlo nacional.
Ao longo do ano passado, vários condenados foram a tribunal para tentar descobrir a origem dos fármacos com que as autoridades prisionais tencionavam executá-los.
A falta de medicamentos foi um dos motivos para a diminuição no número de execuções em EUA em 2013 — 39 contra 43 nos dois anos anteriores. Alguns, como o Texas, lutaram em tribunal pelo direito de continuar a executar com novos produtos; noutros, como na Carolina do Norte, passou a vigorar o que, na prática, é uma moratória.
Juízes e sofrimento
Resultado da falta de qualidade, nos três últimos anos, as execuções no estado que mais condenados mata, o Texas, demoraram em média o dobro do tempo do que no processo usado antes, escreve o Guardian.
Clayton, de 38 anos, foi condenado à morte em 2000 pela violação e morte de uma jovem que raptara e que enterrou viva; Charles Warner por matar e violar uma menina de 11 anos.
Depois de a governadora do Oklahoma, Mary Fallin, ter desafiado o painel de juízes que tinha travado temporariamente a execução de Clayton e de Charles, o tribunal acabou por negar as queixas dos condenados. No que quase pareceu uma celebração — ou, no mínimo, um desafio — o Oklahoma marcou as duas execuções para a mesma noite, algo inédito desde 1937.
“Um estado infligir um grau tão grande de sofrimento é a definição exacta de punição cruel e pouco comum”, comentou Erwin Chemerinsky, reitor da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia. “Os tribunais têm de intervir e impedir execuções com protocolos não testados que têm o potencial para infligir um sofrimento tão terrível.”
Postado por Fernando Martins às 11:36 0 bocas
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