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segunda-feira, fevereiro 26, 2024

Poesia adequada à data...

(imagem daqui)

 

Seria Eterno

 

Seria eterno, se não fosse entrando
por aquele país de solidão,
aonde ver a luz alarga, quando
e alarga, à volta, a vinda do verão.

Seria eterno. Assim somente o brando
movimento de entrar se lhe mensura,
conforme ver, ao ir-se dilatando,
amplia o campo útil da ternura.

E, enquanto entra, um cântico de brisa
lembra quanto por campos foi outrora
tempo apagando a sua face lisa,

qual se alisando, se apagasse a hora.
E, indo entrando, a solidão se irisa
e o vai esquecendo pelo tempo fora. 

 

in Figuras (1987) -

Fernando Echevarría nasceu há noventa e cinco anos...


(imagem daqui)
   

Fernando Echevarría Ferreira, de nome literário Fernando Echevarría, poeta português, traduzido em francês, espanhol, inglês e romeno, nasceu em Cabezón de la Sal (Santander, Espanha) em 26 de fevereiro de 1929, filho de pai português - que se exilara no país vizinho na sequência do fracasso da Monarquia do Norte - e mãe espanhola, mas aos dois anos de idade a família mudou-se para Grijó, Vila Nova de Gaia, Portugal. Em 1940, com onze anos, entrou no Colégio Cristo Rei, dos padres Redentoristas, onde permaneceu até 1946, seguindo para Espanha onde concluiu os estudos de Filosofia e Teologia em Espanha, no seminário de Astorga, após ter feito o noviciado em Nava del Rey (Valladolid).

No ano em que publicou o seu livro de estreia, Entre Dois Anjos (1956), terminou o serviço militar, em Coimbra, regressou ao Porto e começou a dar aulas no ensino secundário particular, no Colégio Externato de Gaia.

Em 1961, emigrou para Paris, França, onde se aproximou dos círculos oposicionistas portugueses aí exilados. Aderiu ao Movimento de Ação Revolucionária (MAR) estando, portanto, próximo do chamado grupo de Argel" e de Humberto Delgado que veio para Argel em 1964, vindo do Brasil, onde estava exilado. Através de Humberto Delgado aderiu à Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), o que o levou a instalar-se na Argélia em 1963.

Fernando Echevarria, é um dos fundadores da LUAR (Liga de Unidade e Ação Revolucionária), criada em Paris conjuntamente com Emídio Guerreiro (futuro organizador do PPD/PSD), José Augusto Seabra e Hélder Veiga Pires, com o fim de impedir que Hermínio da Palma Inácio fosse preso, pela polícia francesa, pelo roubo do dinheiro do Banco de Portugal da Figueira da Foz. Mas sobre isso, nunca Fernando Echevarría publicamente deu testemunho, tendo sempre preferido manter-se discreto. Três anos depois voltou para Paris, onde permaneceu exilado até 1974 e, por opção, após o 25 de Abril, recusou lugares políticos e administrativos, continuando a trabalhar como professor de francês no Centro de Orientação Social para Refugiados até perto do final dos anos oitenta, quando regressou em definitivo a Portugal, fixando-se no Porto.

Escreveu sempre em português, só ocasionalmente nas línguas espanhola e francesa, e colaborou em várias revistas como Graal, Eros, Colóquio/Letras e Limiar. Com uma extensa obra poética, depois de Entre Dois Anjos, seguiram-se em edições de autor ou de editoras diversas, os livros Tréguas para o Amor (1958), Sobre as Horas (1963), Ritmo Real (1971) — um livro de arte, com gravuras a relevo da autoria de Flor Campino, sua companheira de vida e de percurso literário —, A Base e o Timbre (1974), Media Vita (1979), Introdução à Filosofia (1981) e Fenomenologia (1984).

Após o regresso a Portugal, iniciou a sua relação editorial com as Edições Afrontamento, onde publicou desde então as obras Figuras (1987), Poesia, 1956–1979 (1989) — reedição dos livros compreendidos entre aquelas duas datas —, Sobre os Mortos (1991), Poesia 1980-1984 (1994), Uso de Penumbra (1995), Geórgicas (1998), Poesia 1987-1991 (2000), Introdução à Poesia (2001), Epifanias (2006), Obra Inacabada (2006), Lugar de Estudo (2009), Antologia (2010), In Terra Viventium (2011), Categorias e Outras Paisagens (2013) e Obra Inacabada (2 vols, 2016).

Fernando Echevarría é um dos mais premiados escritores portugueses, tendo-lhe sido outorgados o Prémio de Poesia do Pen Club de 1982 por Introdução à Filosofia; o Grande Prémio de Poesia Inasset em 1987 por Figuras; o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 1991 por Sobre os Mortos; em 1998 o Prémio Luís Miguel Nava por Geórgicas; também por Geórgicas, a primeira edição do Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa em 1999, atribuído pela Câmara Municipal de Faro; ainda por Geórgicas, repetiu o Prémio de Poesia do Pen Club de 1999; o Prémio Teixeira de Pascoaes, em 2002; em 2005, pelo conjunto da sua obra, foi o primeiro distinguido com o Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, instituído pelo Secretariado da Pastoral da Cultura; o Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen em 2007 por Obra Inacabada; ainda em 2007, o Prémio D. Dinis, da Casa de Mateus, por Epifanias; em 2010 repetiu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores por Lugar de Estudo; em 2015, recebeu o Prémio Casino da Póvoa, no festival Correntes d’Escritas, por Categorias e Outras Paisagens.

   

(...)

  

Internado durante alguns dias, acabou por morrer, aos 92 anos, no dia 4 de outubro de 2021, na cidade do Porto, onde residia.
  

 

 

A Velhice é um Vento

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento. 

 


Fernando Echevarría

quarta-feira, outubro 04, 2023

Porque os Poetas não morrem - enquanto forem lembrados...

 

(imagem daqui)

 

Seria Eterno

 

Seria eterno, se não fosse entrando
por aquele país de solidão,
aonde ver a luz alarga, quando
e alarga, à volta, a vinda do verão.

Seria eterno. Assim somente o brando
movimento de entrar se lhe mensura,
conforme ver, ao ir-se dilatando,
amplia o campo útil da ternura.

E, enquanto entra, um cântico de brisa
lembra quanto por campos foi outrora
tempo apagando a sua face lisa,

qual se alisando, se apagasse a hora.
E, indo entrando, a solidão se irisa
e o vai esquecendo pelo tempo fora. 

 

in Figuras (1987) -

Fernando Echevarría deixou-nos faz hoje dois anos...

(imagem daqui)
 
Fernando Echevarría (Cabezón de la Sal, Santander, Espanha, 26 de fevereiro de 1929 - Porto, 4 de outubro de 2021) foi um poeta português. Nascido na Cantábria, filho de pai português e mãe espanhola, veio com dois anos para Portugal, para Vila Nova de Gaia, onde fez os seus estudos de ensino secundário e cursou Humanidades. Aos dezassete anos voltou para Espanha, onde estudou Filosofia e Teologia, sem concluir qualquer curso. Optou pela carreira docente, primeiro no Porto e depois, já exilado em Paris, para onde parte em 1961 e onde passou novamente a residir desde 1966, após ter estado em Argel, entre 1963 e 1966, residindo desde então na cidade-luz. Embora sendo fluente noutras línguas, escreveu sempre em português e só ocasionalmente nas línguas castelhana e francesa (parte da sua obra está traduzida em francês, castelhano, inglês e romeno). Colaborou em várias revistas literárias portuguesas como Anto, Graal, Cavalo Azul, Eros, Colóquio/Letras, A Phala, Hífen e Limiar. A sua poesia, com um barroquismo intenso, que lhe caldeia o estilo, faz adivinhar o seu fascínio pela poesia de Gôngora e pelas “analogias truncadas” de Mallarmé. Já a busca de um lirismo abstracto e essencial aproximava-o de dois grupos de poetas espanhóis: a Geração de 98, com poetas como António Machado e Juan Ramón Jiménez, e da Geração de 27, com Jorge Guillén e Pedro Salinas como exemplos. Pode dizer-se que a poesia de Echevarría se se insere na corrente antirrealista dos anos 50 do século XX, marcada sobretudo pela sensibilidade metafísica e artística e pelo "imaginismo". 
 

 
Amor à Vista
 


Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...
  
  
in Poesia 1956-1979 (1989) - Fernando Echevarría

domingo, fevereiro 26, 2023

Poesia adequada à data...

(imagem daqui)

 

Seria Eterno

 

Seria eterno, se não fosse entrando
por aquele país de solidão,
aonde ver a luz alarga, quando
e alarga, à volta, a vinda do verão.

Seria eterno. Assim somente o brando
movimento de entrar se lhe mensura,
conforme ver, ao ir-se dilatando,
amplia o campo útil da ternura.

E, enquanto entra, um cântico de brisa
lembra quanto por campos foi outrora
tempo apagando a sua face lisa,

qual se alisando, se apagasse a hora.
E, indo entrando, a solidão se irisa
e o vai esquecendo pelo tempo fora. 

 

in Figuras (1987) -

Fernando Echevarría nasceu há noventa e quatro anos...

(imagem daqui)
   

Fernando Echevarría Ferreira, de nome literário Fernando Echevarría, poeta português, traduzido em francês, espanhol, inglês e romeno, nasceu em Cabezón de la Sal (Santander, Espanha) em 26 de fevereiro de 1929, filho de pai português - que se exilara no país vizinho na sequência do fracasso da Monarquia do Norte - e mãe espanhola, mas aos dois anos de idade a família mudou-se para Grijó, Vila Nova de Gaia, Portugal. Em 1940, com onze anos, entrou no Colégio Cristo Rei, dos padres Redentoristas, onde permaneceu até 1946, seguindo para Espanha onde concluiu os estudos de Filosofia e Teologia em Espanha, no seminário de Astorga, após ter feito o noviciado em Nava del Rey (Valladolid).

No ano em que publicou o seu livro de estreia, Entre Dois Anjos (1956), terminou o serviço militar, em Coimbra, regressou ao Porto e começou a dar aulas no ensino secundário particular, no Colégio Externato de Gaia.

Em 1961, emigrou para Paris, França, onde se aproximou dos círculos oposicionistas portugueses aí exilados. Aderiu ao Movimento de Ação Revolucionária (MAR) estando, portanto, próximo do chamado grupo de Argel" e de Humberto Delgado que veio para Argel em 1964, vindo do Brasil, onde estava exilado. Através de Humberto Delgado aderiu à Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), o que o levou a instalar-se na Argélia em 1963.

Fernando Echevarria, é um dos fundadores da LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), criada em Paris conjuntamente com Emídio Guerreiro (futuro organizador do PPD/PSD), José Augusto Seabra e Hélder Veiga Pires com o fim de impedir que Hermínio da Palma Inácio fosse preso, pela polícia francesa, pelo roubo do dinheiro do Banco de Portugal da Figueira da Foz. Mas sobre isso, nunca Fernando Echevarría publicamente deu testemunho, tendo sempre preferido manter-se discreto. Três anos depois voltou para Paris, onde permaneceu exilado até 1974 e, por opção, após o 25 de Abril, recusou lugares políticos e administrativos, continuando a trabalhar como professor de francês no Centro de Orientação Social para Refugiados até perto do final dos anos oitenta, quando regressou em definitivo a Portugal, fixando-se no Porto.

Escreveu sempre em português, só ocasionalmente nas línguas espanhola e francesa, e colaborou em várias revistas como Graal, Eros, Colóquio/Letras e Limiar. Com uma extensa obra poética, depois de Entre Dois Anjos, seguiram-se em edições de autor ou de editoras diversas, os livros Tréguas para o Amor (1958), Sobre as Horas (1963), Ritmo Real (1971) — um livro de arte, com gravuras a relevo da autoria de Flor Campino, sua companheira de vida e de percurso literário —, A Base e o Timbre (1974), Media Vita (1979), Introdução à Filosofia (1981) e Fenomenologia (1984).

Após o regresso a Portugal, iniciou a sua relação editorial com as Edições Afrontamento, onde publicou desde então as obras Figuras (1987), Poesia, 1956–1979 (1989) — reedição dos livros compreendidos entre aquelas duas datas —, Sobre os Mortos (1991), Poesia 1980-1984 (1994), Uso de Penumbra (1995), Geórgicas (1998), Poesia 1987-1991 (2000), Introdução à Poesia (2001), Epifanias (2006), Obra Inacabada (2006), Lugar de Estudo (2009), Antologia (2010), In Terra Viventium (2011), Categorias e Outras Paisagens (2013) e Obra Inacabada (2 vols, 2016).

Fernando Echevarría é um dos mais premiados escritores portugueses, tendo-lhe sido outorgados o Prémio de Poesia do Pen Club de 1982 por Introdução à Filosofia; o Grande Prémio de Poesia Inasset em 1987 por Figuras; o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 1991 por Sobre os Mortos; em 1998 o Prémio Luís Miguel Nava por Geórgicas; também por Geórgicas, a primeira edição do Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa em 1999, atribuído pela Câmara Municipal de Faro; ainda por Geórgicas, repetiu o Prémio de Poesia do Pen Club de 1999; o Prémio Teixeira de Pascoaes, em 2002; em 2005, pelo conjunto da sua obra, foi o primeiro distinguido com o Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, instituído pelo Secretariado da Pastoral da Cultura; o Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen em 2007 por Obra Inacabada; ainda em 2007, o Prémio D. Dinis, da Casa de Mateus, por Epifanias; em 2010 repetiu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores por Lugar de Estudo; em 2015, recebeu o Prémio Casino da Póvoa, no festival Correntes d’Escritas, por Categorias e Outras Paisagens.

   

(...)

  

Internado durante alguns dias, acabou por morrer, aos 92 anos, no dia 4 de outubro de 2021, na cidade do Porto, onde residia.
  

 

(imagem daqui)

 

A Velhice é um Vento

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento. 


Fernando Echevarría

 

terça-feira, outubro 04, 2022

Porque os Poetas não morrem enquanto forem lembrados...

(imagem daqui)

 

A Velhice é um Vento

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento. 


Fernando Echevarría

Fernando Echevarría morreu há um ano...

(imagem daqui)
 
Fernando Echevarría (Cabezón de la Sal, Santander, Espanha, 26 de fevereiro de 1929 - Porto, 4 de outubro de 2021) foi um poeta português. Nascido na Cantábria, filho de pai português e mãe espanhola, veio com dois anos para Portugal, para Vila Nova de Gaia, onde fez os seus estudos de ensino secundário e cursou Humanidades. Aos dezassete anos voltou para Espanha, onde estudou Filosofia e Teologia, sem concluir qualquer curso. Optou pela carreira docente, primeiro no Porto e depois, já exilado em Paris, para onde parte em 1961 e onde passou novamente a residir desde 1966, após ter estado em Argel, entre 1963 e 1966, residindo desde então na cidade-luz. Embora sendo fluente noutras línguas, escreveu sempre em português e só ocasionalmente nas línguas castelhana e francesa (parte da sua obra está traduzida em francês, castelhano, inglês e romeno). Colaborou em várias revistas literárias portuguesas como Anto, Graal, Cavalo Azul, Eros, Colóquio/Letras, A Phala, Hífen e Limiar. A sua poesia, com um barroquismo intenso, que lhe caldeia o estilo, faz adivinhar o seu fascínio pela poesia de Gôngora e pelas “analogias truncadas” de Mallarmé. Já a busca de um lirismo abstracto e essencial aproximava-o de dois grupos de poetas espanhóis: a Geração de 98, com poetas como António Machado e Juan Ramón Jiménez, e da Geração de 27, com Jorge Guillén e Pedro Salinas como exemplos. Pode dizer-se que a poesia de Echevarría se se insere na corrente antirrealista dos anos 50 do século XX, marcada sobretudo pela sensibilidade metafísica e artística e pelo "imaginismo". 
 

 
Amor à Vista
 


Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...
  
  
in Poesia 1956-1979 (1989) - Fernando Echevarría

sábado, fevereiro 26, 2022

Fernando Echevarría nasceu há noventa e três anos

(imagem daqui)
   

Fernando Echevarría Ferreira, de nome literário Fernando Echevarría, poeta português, traduzido em francês, espanhol, inglês e romeno, nasceu em Cabezón de la Sal (Santander, Espanha) em 26 de fevereiro de 1929, filho de pai português - que se exilara no país vizinho na sequência do fracasso da Monarquia do Norte - e mãe espanhola, mas aos dois anos de idade a família mudou-se para Grijó, Vila Nova de Gaia, Portugal. Em 1940, com onze anos, entrou no Colégio Cristo Rei, dos padres Redentoristas, onde permaneceu até 1946, seguindo para Espanha onde concluiu os estudos de Filosofia e Teologia em Espanha, no seminário de Astorga, após ter feito o noviciado em Nava del Rey (Valladolid).

No ano em que publicou o seu livro de estreia, Entre Dois Anjos (1956), terminou o serviço militar, em Coimbra, regressou ao Porto e começou a dar aulas no ensino secundário particular, no Colégio Externato de Gaia.

Em 1961, emigrou para Paris, França, onde se aproximou dos círculos oposicionistas portugueses aí exilados. Aderiu ao Movimento de Ação Revolucionária (MAR) estando, portanto, próximo do chamado grupo de Argel" e de Humberto Delgado que veio para Argel em 1964, vindo do Brasil, onde estava exilado. Através de Humberto Delgado aderiu à Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), o que o levou a instalar-se na Argélia em 1963.

Fernando Echevarria, é um dos fundadores da LUAR (Liga de Unidade e Acção Revolucionária), criada em Paris conjuntamente com Emídio Guerreiro (futuro organizador do PPD/PSD), José Augusto Seabra e Hélder Veiga Pires com o fim de impedir que Hermínio da Palma Inácio fosse preso, pela polícia francesa, pelo roubo do dinheiro do Banco de Portugal da Figueira da Foz. Mas sobre isso, nunca Fernando Echevarría publicamente deu testemunho, tendo sempre preferido manter-se discreto. Três anos depois voltou para Paris, onde permaneceu exilado até 1974 e, por opção, após o 25 de Abril, recusou lugares políticos e administrativos, continuando a trabalhar como professor de francês no Centro de Orientação Social para Refugiados até perto do final dos anos oitenta, quando regressou em definitivo a Portugal, fixando-se no Porto.

Escreveu sempre em português, só ocasionalmente nas línguas espanhola e francesa, e colaborou em várias revistas como Graal, Eros, Colóquio/Letras e Limiar. Com uma extensa obra poética, depois de Entre Dois Anjos, seguiram-se em edições de autor ou de editoras diversas, os livros Tréguas para o Amor (1958), Sobre as Horas (1963), Ritmo Real (1971) — um livro de arte, com gravuras a relevo da autoria de Flor Campino, sua companheira de vida e de percurso literário —, A Base e o Timbre (1974), Media Vita (1979), Introdução à Filosofia (1981) e Fenomenologia (1984).

Após o regresso a Portugal, iniciou a sua relação editorial com as Edições Afrontamento, onde publicou desde então as obras Figuras (1987), Poesia, 1956–1979 (1989) — reedição dos livros compreendidos entre aquelas duas datas —, Sobre os Mortos (1991), Poesia 1980-1984 (1994), Uso de Penumbra (1995), Geórgicas (1998), Poesia 1987-1991 (2000), Introdução à Poesia (2001), Epifanias (2006), Obra Inacabada (2006), Lugar de Estudo (2009), Antologia (2010), In Terra Viventium (2011), Categorias e Outras Paisagens (2013) e Obra Inacabada (2 vols, 2016).

Fernando Echevarría é um dos mais premiados escritores portugueses, tendo-lhe sido outorgados o Prémio de Poesia do Pen Club de 1982 por Introdução à Filosofia; o Grande Prémio de Poesia Inasset em 1987 por Figuras; o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 1991 por Sobre os Mortos; em 1998 o Prémio Luís Miguel Nava por Geórgicas; também por Geórgicas, a primeira edição do Prémio Nacional de Poesia António Ramos Rosa em 1999, atribuído pela Câmara Municipal de Faro; ainda por Geórgicas, repetiu o Prémio de Poesia do Pen Club de 1999; o Prémio Teixeira de Pascoaes, em 2002; em 2005, pelo conjunto da sua obra, foi o primeiro distinguido com o Prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, instituído pelo Secretariado da Pastoral da Cultura; o Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen em 2007 por Obra Inacabada; ainda em 2007, o Prémio D. Dinis, da Casa de Mateus, por Epifanias; em 2010 repetiu o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores por Lugar de Estudo; em 2015, recebeu o Prémio Casino da Póvoa, no festival Correntes d’Escritas, por Categorias e Outras Paisagens.

   

(...)

  

Internado durante alguns dias, acabou por morrer, aos 92 anos, no dia 4 de outubro de 2021, na cidade do Porto, onde residia.
  

 

(imagem daqui)

Amor à Vista

Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...

 

terça-feira, outubro 05, 2021

Um belíssimo Poeta morreu ontem...

(imagem daqui)

 


Felizes


Felizes. Porque, ao fundo de si mesmos,
cheios andam de quanto vão pensando.
E, disso cheios,
nada mais sabem. Dão para aquele lado
onde o mundo acabou, mas resta o eco
de o haverem pensado até ao cabo
e irem agora criar o movimento
que subsiste no tempo
de o mundo ainda estar a ser criado.
Por isso são felizes. Foram sendo
até, perdido o tempo, só em memória o estarem


in Figuras (1987) - Fernando Echevarría

sexta-feira, fevereiro 26, 2021

Fernando Echevarría nasceu há noventa e dois anos

(imagem daqui)
   
Fernando Echevarría (Cabezón de la Sal, Santander, Espanha, 26 de fevereiro de 1929) é um poeta português. Nascido na Cantábria, filho de pai português e mãe espanhola, veio com dois anos para Portugal, para Vila Nova de Gaia, onde fez os seus estudos de ensino secundário e cursou Humanidades. Aos dezassete anos voltou para Espanha, onde estudou Filosofia e Teologia, sem concluir qualquer curso. Optou pela carreira docente, primeiro no Porto e depois, já exilado em Paris, para onde parte em 1961 e onde passou novamente a residir desde 1966, após ter estado em Argel, entre 1963 e 1966, residindo desde então na cidade-luz. Embora sendo fluente noutras línguas, escreveu sempre em português e só ocasionalmente nas línguas castelhana e francesa (parte da sua obra está traduzida em francês, castelhano, inglês e romeno). Colaborou em várias revistas literárias portuguesas como Anto, Graal, Cavalo Azul, Eros, Colóquio/Letras, A Phala, Hífen e Limiar. A sua poesia, com um barroquismo intenso, que lhe caldeia o estilo, faz adivinhar o seu fascínio pela poesia de Gôngora e pelas “analogias truncadas” de Mallarmé. Já a busca de um lirismo abstracto e essencial aproximava-o de dois grupos de poetas espanhóis: a Geração de 98, com poetas como António Machado e Juan Ramón Jiménez, e da Geração de 27, com Jorge Guillén e Pedro Salinas como exemplos. Pode dizer-se que a poesia de Echevarría se se insere na corrente antirrealista dos anos 50 do século XX, marcada sobretudo pela sensibilidade metafísica e artística e pelo "imaginismo". Já com uma idade avançada, continua escrever com uma pujança que não se esperava, como o prova o seu último livro, Categorias e Outras Paisagens, livro de poesia lançado em outubro de 2013, com 511 páginas.
Foi condecorado, pelo Presidente de República Portuguesa, com a Ordem do Infante D. Henrique, Grande Oficial, em 8 de junho de 2007.

 

Os vivos ouvem poucamente

 

Os vivos ouvem poucamente. As plantas,
como o elemento aquático domina,
são dadas à conversa. A menor brisa abala
a urna de concórdia estremecida
que, assim, sensível, se derrama
e é solidão solícita.
Os vivos não ouvem nada.
Mas, havendo acedido a essa malícia
de experiência cândida,
os mortos deixam que o ouvido siga
o fluvial diálogo das plantas
umas com outras e todas com a brisa.
Melhor ainda. Quando, nas noites cálidas,
as plantas se sentem mais sozinhas,
os mortos brincam à imitação das águas
inventando palavras de consonâncias líquidas.
E esse amoroso cuidado de palavras
a urna de concórdia vegetal espevita
até que, a horas altas,
a noite, os mortos e as plantas
caiam no sono duma luz solícita.


Fernando Echevarría

Poemas de aniversariante de hoje...

(imagem daqui)

Amor à Vista

Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!... 
 
 
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A Velhice é um Vento

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento. 


Fernando Echevarría

terça-feira, fevereiro 26, 2019

Poesia de aniversariante de hoje...

(imagem daqui)

Amor à Vista

Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!... 
 
 
-+-

 
A Velhice é um Vento

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento. 


Fernando Echevarría

O poeta Fernando Echevarría nasceu há noventa anos

(imagem daqui)
 
Fernando Echevarría (Cabezón de la Sal, Santander, Espanha, 26 de fevereiro de 1929) é um poeta português. Nascido na Cantábria, filho de pai português e mãe espanhola, veio com dois anos para Portugal, para Vila Nova de Gaia, onde fez os seus estudos de ensino secundário e cursou Humanidades. Aos dezassete anos voltou para Espanha, onde estudou Filosofia e Teologia, sem concluir qualquer curso. Optou pela carreira docente, primeiro no Porto e depois, já exilado em Paris, para onde parte em 1961 e onde passou novamente a residir desde 1966, após ter estado em Argel, entre 1963 e 1966, residindo desde então na cidade-luz. Embora sendo fluente noutras línguas, escreveu sempre em português e só ocasionalmente nas línguas castelhana e francesa (parte da sua obra está traduzida em francês, castelhano, inglês e romeno). Colaborou em várias revistas literárias portuguesas como Anto, Graal, Cavalo Azul, Eros, Colóquio/Letras, A Phala, Hífen e Limiar. A sua poesia, com um barroquismo intenso, que lhe caldeia o estilo, faz adivinhar o seu fascínio pela poesia de Gôngora e pelas “analogias truncadas” de Mallarmé. Já a busca de um lirismo abstracto e essencial aproximava-o de dois grupos de poetas espanhóis: a Geração de 98, com poetas como António Machado e Juan Ramón Jiménez, e da Geração de 27, com Jorge Guillén e Pedro Salinas como exemplos. Pode dizer-se que a poesia de Echevarría se se insere na corrente antirrealista dos anos 50 do século XX, marcada sobretudo pela sensibilidade metafísica e artística e pelo "imaginismo". Já com uma idade avançada, continua escrever com uma pujança que não se esperava, como o prova o seu último livro, Categorias e Outras Paisagens, livro de poesia lançado em outubro de 2013, com 511 páginas.
Obras
  • Entre Dois Anjos (1956)
  • Tréguas para o Amor (1958)
  • Sobre as Horas (1963)
  • Ritmo real (1971)
  • A Base e o Timbre (1974)
  • Media Vita (1979)
  • Introdução à Filosofia (1981)
  • Fenomenologia (1984)
  • Figuras (1987)
  • Poesia (1956-1979) (1989)
  • Livro (1991)
  • Sobre os Mortos (1991)
  • Poesia (1980-1984) (1993)
  • Uso da penumbra (1995)
  • Geórgicas (1998)
  • Poesia (1987-1991) (2001)
  • Introdução à Poesia (2001)
  • Corpo Intenso (2003)
  • Epifanías (2006)
  • Obra Inacabada [Poesia Completa 1956-2006] (2006)
  • Lugar de Estudo (2009)
  • Antologia (2010)
  • In Terra Viventium (2011)
  • Categorias e Outras Paisagens (2013)
  • Obra Inacabada (2 vols, 2016).
Prémios
  • Grande Prémio de Poesia do Pen Club (1981 e 1998), por Introdução à Filosofia
  • Grande Prémio de Poesia Inasset (1987), por Figuras
  • Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1991), por Sobre os Mortos
  • Prémio de Eça de Queiroz (1995)
  • Prémio de Poesia António Ramos Rosa (1998)
  • Prémio Luís Miguel Nava (1999)
  • Prémio Teixeira de Pascoaes (2002)
  • Prémio Padre Manuel Antunes (2005), pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
  • Prémio D. Dinis (2007), pela Casa de Mateus
  • Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen (2008) por toda sua trajetória poética compilada em 'Obra Inacabada'
Condecorado, pelo Presidente de República Portuguesa, com a Ordem do Infante D. Henrique, Grande Oficial, em 8 de junho de 2007.

Escrevemos Docemente

Escrevemos docemente. Se a figura
sobe de estar tão funda a essa mesa
é que escrever se lembra. E só da altura
de se lembrar percorre a linha acesa

a ponta de escrever, que traça a pura
forma de rosto que abre na tristeza.
E a tristeza ilumina de escultura
penumbras de volumes com que pesa.

Por isso é docemente que da linha
de estar ali aonde sempre esteve
aparece figura de rainha

que sempre foi e agora só se escreve.
E escrevermos é como se na vinha
o sol se iluminasse. E fosse breve.

 

in Figuras (1987) - Fernando Echevarría

quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Mais poesia de aniversariante de hoje...

(imagem daqui)

Amor à Vista
 


Entras como um punhal
até à minha vida.
Rasgas de estrelas e de sal
a carne da ferida.

Instala-te nas minas.
Dinamita e devora.
Porque quem assassinas
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte.
Anda. Avança.
Deixa lá a esperança
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes...
isso, sim.
Não te amedrontes.
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada.
Porque ficas vencida
ou desta minha vida
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor,
sobre os meus férreos dentes.
Mar e montes esperados com terror
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!...


in Poesia 1956-1979 (1989) - Fernando Echevarría


-+-+-+


Vinham Rosas na Bruma Florescidas


Vinham rosas na bruma florescidas
rodear no teu nome a sua ausência.
E a si se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.

Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre actual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.

E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,
em bruma a brisa em que se aviva a rosa.


in Poesia 1956-1979 (1989) - Fernando Echevarría


-+-+-+


Felizes


Felizes. Porque, ao fundo de si mesmos,
cheios andam de quanto vão pensando.
E, disso cheios,
nada mais sabem. Dão para aquele lado
onde o mundo acabou, mas resta o eco
de o haverem pensado até ao cabo
e irem agora criar o movimento
que subsiste no tempo
de o mundo ainda estar a ser criado.
Por isso são felizes. Foram sendo
até, perdido o tempo, só em memória o estarem


in Figuras (1987) - Fernando Echevarría

Fernando Echevarría - 85 anos!

(imagem daqui)

Fernando Echevarría (Cabezón de la Sal, Santander, Espanha, 26 de fevereiro de 1929) é um poeta português. Nascido na Cantábria, filho de pai português e mãe espanhola, veio com dois anos para Portugal, para Vila Nova de Gaia, onde fez os seus estudos de ensino secundário e cursou Humanidades. Aos dezassete anos voltou para Espanha, onde estudou Filosofia e Teologia, sem concluir qualquer curso. Optou pela carreira docente, primeiro no Porto e depois, já exilado em Paris, para onde parte em 1961 e onde passou novamente a residir desde 1966, após ter estado em Argel, entre 1963 e 1966, residindo desde então na cidade-luz. Embora sendo fluente noutras línguas, escreveu sempre em português e só ocasionalmente nas línguas castelhana e francesa (parte da sua obra está traduzida em francês, castelhano, inglês e romeno). Colaborou em várias revistas literárias portuguesas como Anto, Graal, Cavalo Azul, Eros, Colóquio/Letras, A Phala, Hífen e Limiar. A sua poesia, com um barroquismo intenso, que lhe caldeia o estilo, faz adivinhar o seu fascínio pela poesia de Gôngora e pelas “analogias truncadas” de Mallarmé. Já a busca de um lirismo abstracto e essencial aproximava-o de dois grupos de poetas espanhóis: a Geração de 98, com poetas como António Machado e Juan Ramón Jiménez, e da Geração de 27, com Jorge Guillén e Pedro Salinas como exemplos. Pode dizer-se que a poesia de Echevarría se se insere na corrente antirrealista dos anos 50 do século XX, marcada sobretudo pela sensibilidade metafísica e artística e pelo "imaginismo". Já com uma idade avançada, continua escrever com uma pujança que não se esperava, como o prova o seu último livro, Categorias e Outras Paisagens, livro de poesia lançado em outubro de 2013, com 511 páginas.

Obras
  • Entre Dois Anjos (1956)
  • Tréguas para o Amor (1958)
  • Sobre as Horas (1963)
  • Ritmo real (1971)
  • A Base e o Timbre (1974)
  • Media Vita (1979)
  • Introdução à Filosofia (1981)
  • Fenomenologia (1984)
  • Figuras (1987)
  • Poesia (1956-1979) (1989)
  • Livro (1991)
  • Sobre os Mortos (1991)
  • Poesia (1980-1984) (1993)
  • Uso da penumbra (1995)
  • Geórgicas (1998)
  • Poesia (1987-1991) (2001)
  • Introdução à Poesia (2001)
  • Corpo Intenso (2003)
  • Epifanías (2006)
  • Obra Inacabada [Poesia Completa 1956-2006] (2006)
  • Lugar de Estudo (2009)
  • Antologia (2010)
  • In Terra Viventium (2011)
  • Categorias e Outras Paisagens (2013)
Prémios
  • Grande Prémio de Poesia do Pen Club (1981 e 1998), por Introdução à Filosofia
  • Grande Prémio de Poesia Inasset (1987), por Figuras
  • Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1991), por Sobre os Mortos
  • Prémio de Eça de Queiroz (1995)
  • Prémio de Poesia António Ramos Rosa (1998)
  • Prémio Luís Miguel Nava (1999)
  • Prémio Teixeira de Pascoaes (2002)
  • Prémio Padre Manuel Antunes (2005), pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
  • Prémio D. Dinis (2007), pela Casa de Mateus
  • Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen (2008) por toda sua trajetória poética compilada em 'Obra Inacabada'
Condecorado, pelo Presidente de República Portuguesa, com a Ordem do Infante D. Henrique, Grande Oficial, em 8 de junho de 2007.



Escrevemos Docemente

Escrevemos docemente. Se a figura
sobe de estar tão funda a essa mesa
é que escrever se lembra. E só da altura
de se lembrar percorre a linha acesa

a ponta de escrever, que traça a pura
forma de rosto que abre na tristeza.
E a tristeza ilumina de escultura
penumbras de volumes com que pesa.

Por isso é docemente que da linha
de estar ali aonde sempre esteve
aparece figura de rainha

que sempre foi e agora só se escreve.
E escrevermos é como se na vinha
o sol se iluminasse. E fosse breve.

 

in Figuras (1987) - Fernando Echevarría

quinta-feira, julho 29, 2010

Um merecido prémio para um Poeta



A velhice é um vento que nos toma

A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento.

in Figuras - Fernando Echevarría