Dez reis de esperança
Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
in Teatro do Mundo (1958) - António Gedeão
Mostrar mensagens com a etiqueta Dez reis de esperança. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Dez reis de esperança. Mostrar todas as mensagens
terça-feira, janeiro 26, 2010
Poema alusivo à época
Postado por Fernando Martins às 23:55 0 bocas
Marcadores: António Gedeão, Dez reis de esperança, poesia
Subscrever:
Mensagens (Atom)