A cidade de Ypres, devastada pelos combates
A Batalha de La Lys, deu-se entre 9 e 29 de abril de 1918, no vale da ribeira da La Lys, sector de Ypres, na região da Flandres, na Bélgica.
Nesta batalha, que marcou negativamente a participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial, os exércitos alemães provocaram uma estrondosa derrota às tropas portuguesas, constituindo a maior catástrofe militar portuguesa depois da batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.
Soldados portugueses nas trincheiras em La Lys
A frente de combate distribuía-se numa extensa linha de 55 quilómetros, entre as localidades de Gravelle e de Armentières, guarnecida pelo 11° Corpo Britânico, com cerca de 84 000 homens, entre os quais se compreendia a 2ª divisão do Corpo Expedicionário Português
(CEP), constituída por cerca de 20.000 homens, dos quais somente pouco
mais de 15.000 estavam nas primeiras linhas, comandados pelo general Gomes da Costa.
Esta linha viu-se impotente para sustentar o embate de oito divisões
do 6º Exército Alemão, com cerca de 55 000 homens comandados pelo
general Ferdinand von Quast (1850-1934). Essa ofensiva alemã, montada por Erich Ludendorff, ficou conhecida como ofensiva "Georgette" e visava à tomada de Calais e Boulogne-sur-Mer.
As tropas portuguesas, em apenas quatro horas de batalha, perderam
cerca de 7500 homens entre mortos, feridos, desaparecidos e
prisioneiros, ou seja, mais de um terço dos efetivos, entre os quais
327 oficiais.
Entre as diversas razões para esta derrota tão evidente têm sido citadas, por diversos historiadores, as seguintes:
- A revolução havida no mês de dezembro de 1917, em Lisboa, que colocou na Presidência da República o Major Doutor Sidónio Pais, o qual alterou profundamente a política de beligerância prosseguida antes pelo Partido Democrático.
- A chamada a Lisboa, por ordem de Sidónio Pais, de muitos oficiais com experiência de guerra ou por razões de perseguição política ou de favor político.
- Devido à falta de barcos, as tropas portuguesas não foram rendidas pelas britânicas, o que provocou um grande desânimo nos soldados. Além disso, alguns oficiais, com maior poder económico e influência, conseguiram regressar a Portugal, mas não voltaram para ocupar os seus postos.
- O moral do exército era tão baixo que houve insubordinações, deserção e suicídios.
- O armamento alemão era muito melhor em qualidade e quantidade do que o usado pelas tropas portuguesas o qual, no entanto, era igual ao das tropas britânicas.
- O ataque alemão deu-se no dia em que as tropas lusas tinham recebido ordens para, finalmente, serem deslocadas para posições mais à retaguarda.
- As tropas britânicas recuaram em suas posições, deixando expostos os flancos do CEP, facilitando o seu envolvimento e aniquilação.
O resultado da batalha já era esperado por oficiais responsáveis dentro do CEP, Gomes da Costa e Sinel de Cordes, que por diversas vezes tinham comunicado ao governo português o estado calamitoso das tropas.
No entanto, é de realçar o facto de a ofensiva "Georgette"
se tratar duma ofensiva já próxima do desespero, planeada pelo Alto
Comando da Alemanha Imperial para causar a desorganização em
profundidade da frente aliada antes da chegada das tropas
norte-americanas, que nessa altura se encontravam prestes a embarcar ou
já em trânsito para a Europa.
O objetivo do general Ludendorff
no sector português consistia em atacar fortemente nos flancos do CEP,
consciente que nesse caso os flancos das linhas portuguesa e britânica
vizinha recuariam para o interior das suas zonas defensivas
respetivas em vez de manterem uma frente coerente, abrindo assim uma
larga passagem por onde a infantaria alemã se pudesse lançar. Coerente
com essa tática e para assegurar que os flancos do movimento alemão
não ficassem desprotegidos, os estrategas alemães decidiram-se a
simplesmente arrasar o sector português com a sua esmagadora
superioridade em capacidade de fogo artilheiro (uma especialidade
alemã), e deslocando para a ofensiva um grande número de efetivos como
se explica acima, (nas palavras dos próprios: "Vamos abrir aqui um
buraco e depois logo se vê!", o que também indicia o estado de espírito
já desesperado do planeamento da ofensiva). Nestas condições, não
surpreende a derrocada do CEP, que apesar de tudo resistiu como pôde,
atrasando o movimento alemão o suficiente para as reservas aliadas
serem mobilizadas para tapar a brecha.
Esta resistência é geralmente pouco valorizada em face da derrota, mas
caso esta não se tivesse verificado a frente aliada na zona poderia ter
sido envolvida por um movimento de cerco em ambos os flancos pelo
exército alemão, o que levaria ao seu colapso. Trata-se de uma batalha
com muitos mitos em volta a distorcerem a perceção do realmente passado
nesse dia 9 de abril de 1916.
Uma situação análoga à da batalha de La Lys foi a da contra-ofensiva
alemã nas Ardenas na parte final da Segunda Guerra Mundial, a (Batalha do Bulge),
que merece comparação pelas semelhanças entre ambas. Novamente um
exército aliado escasso para defender o sector atribuído (o I Exército
dos Estados Unidos da América), sujeito a uma ofensiva desesperada por
parte do Alto Comando Alemão (OKW - Oberkommando der Wehrmacht),
para desorganizar a frente aliada arrombando-a em profundidade, usando
para o efeito quatro exércitos completos (dois blindados) para atacar
no sector do I exército norte-americano. A consequência foi o colapso
local da frente, com retirada desorganizada dos americanos e com
milhares a serem feitos prisioneiros pelos alemães, contido depois com
as reservas aliadas (incluindo forças sobreviventes da Batalha de Arnhem
ainda em recuperação como a 101ª e a 82ª divisões aerotransportadas) e
com o desvio de recursos de outros exércitos aliados nas regiões
vizinhas (com destaque para o III Exército do general Patton), obrigando a passar duma situação de ofensiva geral aliada à defesa do sector das Ardenas a todo o custo. Os aliados só retomariam a iniciativa na frente ocidental passado mais de um mês.
Comparando-se ambas compreende-se melhor a derrocada das forças do CEP em La Lys.
A experiência do Corpo Expedicionário Português no campo de batalha ficou registada na publicação João Ninguém, soldado da Grande Guerra, com ilustrações e texto do capitão Menezes Ferreira.
Soldado Milhões
Nesta batalha a 2ª Divisão do CEP foi completamente desbaratada,
sacrificando-se nela muitas vidas, entre os mortos, feridos,
desaparecidos e capturados como prisioneiros de guerra. No meio do caos,
distinguiram-se vários homens, anónimos na sua maior parte. Porém, um
nome ficou para a História, deturpado, mas sempiterno: o soldado Milhões.
De seu verdadeiro nome Aníbal Milhais, natural de Valongo, em Murça, viu-se sozinho na sua trincheira, apenas munido da sua menina, uma metralhadora Lewis, conhecida entre os combatentes lusos como a Luísa.
Munido da coragem que só no campo de batalha é possível, enfrentou
sozinho as colunas alemãs que se atravessaram no seu caminho, o que em
último caso permitiu a retirada de vários soldados portugueses e
britânicos para as posições defensivas da retaguarda. Vagueando pelas
trincheiras e campos, ora de ninguém ora ocupados pelos alemães, o
soldado Milhões continuou ainda a fazer fogo esporádico, para o
qual se valeu de cunhetes de balas que foi encontrando pelo caminho.
Quatro dias depois do início da batalha, encontrou um major escocês,
salvando-o de morrer afogado num pântano. Foi este médico, para sempre
agradecido, que deu conta ao exército aliado dos feitos do soldado
transmontano.
Regressado a um acampamento português, um comandante saudou-o, dizendo o que ficaria para a História de Portugal, "Tu és Milhais, mas vales Milhões!". Foi o único soldado raso português da Primeira Grande Guerra a ser condecorado com o Colar da Ordem da Torre e Espada, a mais alta condecoração existente no país.
in Wikipédia
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