sexta-feira, agosto 19, 2011

O poeta Haroldo de Campos nasceu há 82 anos

(imagem daqui)

Haroldo Eurico Browne de Campos (São Paulo, 19 de Agosto de 1929 — São Paulo, 16 de Agosto de 2003) foi um poeta e tradutor brasileiro. Haroldo fez seus estudos secundários no Colégio São Bento, onde aprendeu os primeiros idiomas estrangeiros, como latim, inglês, espanhol e francês. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no final da década de 1940, lançando seu primeiro livro em 1949, O Auto do Possesso quando, ao lado de Décio Pignatari, participava do Clube de Poesia.
Em 1952, Décio, Haroldo e seu irmão Augusto de Campos rompem com o Clube, por divergirem quanto ao conservadorismo predominante entre os poetas, conhecidos como "Geração de 45". Fundam, então, o grupo Noigandres, passando a publicar poemas na revista do grupo, de mesmo título. Nos anos seguintes defendeu as teses que levariam os três a inaugurar em 1956 o movimento concretista, ao qual manteve-se fiel até o ano de 1963, quando inaugura um trajecto particular, centrando-se suas atenções no projecto do livro-poema "Galáxias".
Haroldo doutorou-se pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, sob orientação de Antonio Candido, tendo sido professor da PUC-SP, bem como na Universidade do Texas, em Austin.
Haroldo dirigiu até o final de sua vida a coleção Signos da Editora Perspectiva. "Transcriou" em português poemas de autores como Homero, Dante, Mallarmé, Goethe, Mayakovski, além de textos bíblicos, como o Génesis e o Eclesiastes. Publicou, ainda, numerosos ensaios de teoria literária, entre eles A Arte no Horizonte do Provável (1969).
Faleceu em São Paulo, tendo publicado, pouco antes, a sua transcriação em português da Ilíada, de Homero.


Circuladô de Fulô

circuladô de fulô ao deus ao demo dará que deus te guie
porque eu não posso guiá e viva quem já me deu
circuladô de fulô e ainda quem falta me dá
soando como um shamisen e feito apenas com um arame
tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no pino do sol a pino
mas para outros não existia aquela música
não podia porque não podia popular aquela música se não canta não é popular
se não afina não tintina não tarantina
e no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa da mais megera miséria
física e doendo doendo
como um prego na palma da mão um ferrugem prego cego na palma espalma da mão
coração exposto como um nervo tenso retenso um renegro prego cego
durando na palma polpa da mão ao sol
circuladô de fulô ao deus ao demo dará que deus te guie
porque eu não posso guiá e viva quem já me deu
circuladô de fulô e ainda quem falta me dá
o povo é o inventalínguas na malícia da maestria no matreiro
da maravilha no visgo do improviso tenteando a travessia
azeitava o eixo do sol
circuladô de fulô ao deus ao demo dará
que deus te guie porque eu não posso guiá e viva quem já me deu
circuladô de fulô e ainda quem falta me dá
e não peça que eu te guie não peça despeça que eu te guie
desguie que eu te peça promessa que eu te fie me deixe
me esqueça me largue me desamargue que no fim eu acerto que
no fim eu reverto que no fim eu conserto e para o fim me
reservo e se verá que estou certo e se verá que tem jeito e se
verá que está feito que pelo torto fiz direito que quem faz
cesto faz cento se não guio não lamento pois o mestre que
me ensinou já não dá ensinamento
circuladô de fulô ao deus ao demo dará
que deus te guie porque eu não posso guiá e viva quem já me deu
circuladô de fulô e ainda quem falta me dá

Haroldo de Campos

NOTA: o cantor Caetano Veloso cantou este poema de forma admirável:

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