02.01.2008 - 18h38
Por Paulo Miguel Madeira
Atingida a barreira simbólica dos cem dólares por barril de petróleo (67,87 euros) no mercado de Nova Iorque, reagindo à fragilidade do valor do dólar, a expectativa dominante é de que os preços da principal fonte de energia da nossa civilização não recuem para níveis muito inferiores, como os menos de 50 dólares de há um ano. O preço de referência para Portugal é mais o do mercado de Londres, mas para efeitos práticos a diferença é mínima. Ontem, o barril de “Brent”, a designação dada ao do mar do Norte, bateu também um máximo absoluto, ultrapassando pela primeira vez os 97 dólares, tocando os 97,74 dólares (66,32 euros).
Os preços poderão mesmo disparar a prazo para valores muito superiores, devido a um conjunto de factores até há pouco tempo ausentes das preocupações imediatas de consumidores e decisores, que levaram a Agência Internacional de Energia a admitir num relatório recente a possibilidade de uma eventual ruptura no abastecimento ao mercado mundial. Mas como será a nossa vida com o petróleo muito mais caro?
Para já não há grande receio de uma escalada da inflação a curto prazo, pois o país tem estado parcialmente protegido da subida do “crude” pela alta continuada do euro face ao dólar, que tem batido sucessivos máximos face à moeda dos EUA e está perto dos 1,5 dólares. Os receios maiores entre os economistas ouvidos pelo PÚBLICO – em Novembro, quando o petróleo esteve acima de 99 dólares, na iminência de atingir os 100 – respeitam a uma penalização mais ou menos forte do crescimento, que em Portugal assume maior gravidade por o país estar há sete anos com a economia a expandir-se menos que a média dos seus parceiros europeus. A perspectiva é que a vida fique ainda um pouco mais difícil.
É pelo menos neste sentido que aponta a opinião de economistas como António Nogueira Leite, catedrático da Universidade Nova de Lisboa e secretário de Estado das Finanças de António Guterres, para quem “não é muito provável que a inflação dispare muito”, embora admita pressões inflacionistas. Mesmo assim, o efeito do elevado preço do petróleo sobre a inflação poderá levar o BCE a subir as taxas de juro, o que em Portugal faz aumentar as prestações que muitas famílias pagam todos os meses pelo crédito à habitação.
O impacto mais directo será no preço dos combustíveis, energia e transportes, conforme realça Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, que pesam próximo de 11 por cento no cálculo do índice do INE que permite medir a inflação, sendo certo que haverá sempre um efeito indirecto sobre a generalidade dos outros consumos, que incorporam também energia e transportes. E por isso Eduardo Catroga considera que o objectivo da inflação fixado pelo Governo para 2008 poderá ser difícil de alcançar.
Luís Mira Amaral, ex-ministro da Indústria e Energia de Cavaco Silva (de 1987 a 1995), diz que se o petróleo continuar a subir, mesmo num cenário em que o euro permaneça aos níveis actuais, isso “terá impactos na inflação”, mas realça que os portugueses devem preocupar-se é com o crescimento económico.
Isto porque, “se o dólar continuar a descer, a economia vai ser mais afectada em termos de exportações e crescimento do que de inflação”, diz ainda Mira Amaral, que tem formação em engenharia e em gestão e é catedrático convidado do Instituto Superior Técnico. A sua expectativa é de que a actual tendência deslizante do dólar continue até à eleição do novo Presidente dos EUA (no final do próximo ano) e que depois a moeda norte-americana estabilize face ao euro.
Isto num contexto em que o défice das trocas com o estrangeiro “já é preocupante”, como realça João Ferreira do Amaral, catedrático do ISEG e que foi assessor de Jorge Sampaio na Presidência da República.
Também para este economista, “as principais incidências negativas” da alta do petróleo serão sobre o crescimento económico, no que é acompanhado por Nogueira Leite, que receia mesmo que a estagnação da economia possa prolongar-se devido ao impacto dos preços da energia, prevendo “uma vida um pouco mais difícil do que no passado”. E manifesta-se mais preocupado com os resultados do crescimento a longo prazo do que a curto prazo, e com “a capacidade de a humanidade evoluir para ficar menos dependente do petróleo.
Para já também não são manifestados grandes receios quanto ao impacto desta escalada do preço sobre o Orçamento do Estado. João Ferreira do Amaral, Mira Amaral e Eduardo Catroga pensam que não deverá ter grande impacto. “A não ser que haja uma grande quebra do crescimento na Europa e em Portugal”, ressalva o primeiro.
Um novo contexto no mercado do petróleo
A grande razão para a tendência de fundo de subida do preço do petróleo é o crescimento continuado a taxas elevadas das economias da China e da Índia, que pressionam a subida da procura de um novo modo. Além disso, nos EUA, o crescimento de subúrbios habitados pela classe média-alta gerou novos picos de procura, apesar dos preços elevados. Mas para os preços do momento contribuem também outros factores, com destaque para uma forte componente especulativa e as tensões geopolíticas.
O “cocktail” de todos estes aspectos faz com que a perspectiva seja de manutenção de preços elevados, que tanto poderão recuar dez ou vinte dólares – mesmo assim permanecendo muito acima dos níveis de há um ano – como subir para 120 ou 150 dólares. O Presidente da Venezuela ameaçou mesmo, na última cimeira da OPEP, com uma subida do preço do petróleo para 200 dólares em retaliação contra um eventual ataque ao Irão.
A ideia de que o preço do petróleo se vai manter elevado é subscrita por todos os economistas ouvidos pelo PÚBLICO. Nogueira Leite considera “elevada” a probabilidade de alta do petróleo e diz mesmo que nos próximos anos o preço vai ser “elevado”. E justifica esta tendência com os consumos da China e da Índia.
João Ferreira do Amaral fala em “incerteza”, mas considera provável que o preço se mantenha elevado, “dadas as pressões sobre as reservas e a eventual evolução do dólar”. Considera mesmo que a moeda dos EUA “ainda está alta” atendendo ao défice externo do país.
Mira Amaral aposta por seu lado num preço médio de 90 a cem dólares, com subidas e descidas. “Isto não é ciência exacta”, ressalva, para dizer que “tudo é possível”, pois estamos a falar de cenários. Diz que a oferta está a aumentar e por isso não vê razões para daqui a um ano o petróleo estar a 150 dólares/barril, o que aliás “já iria gerar grandes tensões no mundo”.
Realça no entanto que tudo isto depende da evolução da relação euro/dólar, o que dificulta perspectivar a evolução do cenário para a economia portuguesa. E admite que os países exportadores se possam sentir tentados a cotar o petróleo em euros – o que foi também assunto levantado na última cimeira da OPEP, com o Presidente do Equador a mostrar-se favorável a que o petróleo fosse cotado numa divisa mais forte do que o dólar.
Mesmo com esta escalada, o choque causado pelo crescimento do consumo da China e da Índia, ajudado pela especulação, está a ter efeitos menos graves na economia do que o provocado pelos árabes com a cartelização dos preços na OPEP nos anos 1970. Isto porque o Ocidente está menos dependente do petróleo em termos relativos, e a dependência deverá continuar a diminuir.
Hábitos de consumo em causa
Mas a consequência aparentemente mais funda da alta do preço do petróleo deverá ser a aceleração da mudança de paradigma energético, para formas de energia alternativas mais limpas, com destaque para os transportes, que poderão passar dentro de algumas décadas a utilizar maciçamente fontes híbridas de energia, ou mesmo o hidrogénio.
Nogueira Leite e Mira Amaral são peremptórios: o hidrogénio vai acontecer, mas não sabemos exactamente quando. Nogueira Leite conta que há quem lhe fale em 20 anos, mas que os seus amigos na Galp lhe falam em 50 anos. O Departamento de Energia dos Estados Unidos tem mesmo em curso um programa para, em parceria com os grandes construtores automóveis do país, desenvolver veículos movidos com energia limpa e sustentável, para reduzir a dependência do país face ao petróleo importado.
Mas haverá também consequências importantes na produção de electricidade, embora ainda não seja claro como será o peso de cada uma das fontes. Estão no horizonte a eólica, volta-se a falar do nuclear e há a expectativa da fusão a frio, lembra Nogueira Leite.
Por outro lado é preciso fazer um investimento enorme na conservação energética nos escritórios e na habitação, dizem Mira Amaral e Nogueira Leite. Estará aqui “a mais importante fonte de poupança”. E quanto mais caro for o petróleo, mais compensa adaptar casas antigas ou investir nas novas construções para que tenham mais eficiência.
Assim, se a curto prazo é difícil reduzir drasticamente a dependência do petróleo, a longo prazo esse cenário afigura-se como certo.
João Ferreira do Amaral acha importante que as pessoas tenham a preocupação de poupar combustível, não só por causa dos preços, mas também por causa das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, que contribuem para o aquecimento global. “Olhando-se para as estradas, vê-se excesso de velocidade e os carros a entrarem na cidade só com uma pessoa.”
Defende a substituição do transporte individual pelo colectivo, mas diz que isso depende de o aumento do combustível ser suficiente para desincentivar as pessoas. Considera a opção pelo carro mais uma questão cultural do que de falta de transportes públicos e diz que o estacionamento na cidade é barato e não é disciplinado. No entanto, diz que “se o preço do petróleo se mantiver ao nível actual o impacto não será muito grande” neste domínio.
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