Crato cumpriu. Crato implodiu
Santana Castilho, 19.06.2013
Em 17 anos de exames nacionais, dos 39 que
já leva a democracia, o país nunca tinha assistido a tamanho desastre. A
segunda-feira passada marca o dia em que um ministro teimoso,
incompetente e irresponsável, implodiu a cave infecta em que transformou
o Ministério da Educação. A credibilidade foi pulverizada. O rigor
substituído pela batota. A seriedade submersa por sujidade humana.
Viu-se de tudo. Efectivação de provas na ausência de professores do
secretariado de exames, com o correlato incumprimento dos procedimentos
obrigatórios, que lhes competiriam. Vigilantes desconhecedores dos
normativos processuais para exercerem a função. Vigilantes do 1.º ciclo
do ensino básico atarantados, sem saber o que fazer. Examinandos que
indicaram a professores, calcule-se, que nunca tinham vigiado exames,
procedimentos de rotina. Exames realizados sem professores suplentes e
sem professores coadjuvantes. Exames vigiados por professores que
leccionaram a disciplina em exame. Ausência de controlo sobre a
existência de parentesco entre examinandos e vigilantes. Critérios
díspares e arbitrários para escolher os que entraram e os que ficaram de
fora. Salas invadidas pelos "excluídos" e interrupção das provas que os
"admitidos" prestavam. Tumultos que obrigaram à intervenção da polícia.
Desacatos ruidosos em lugar do silêncio prescrito. Sigilo
grosseiramente quebrado, com o uso descontrolado de telefones e outros
meios de comunicação electrónica. Alunos aglomerados em refeitórios.
Provas iniciadas depois do tempo regulamentar.
O que acabo de
sumariar não é exaustivo. Aconteceu em escolas com nome e foi-me
testemunhado por professores devidamente identificados. Para além da
gravidade dos acontecimentos na Escola Secundária Sá de Miranda, em
Braga, Alves Martins, em Viseu, e Mário Sacramento, em Aveiro, referidos
na imprensa, muitos outros poderiam ser nomeados. No agrupamento Tomás
Ribeiro, de Tondela, onde estava previsto funcionarem dez salas, os
exames foram iniciados, a horas, em quatro. Mas, 20 minutos depois, por
sortilégio directivo, acrescentaram-se mais duas salas. Na Escola
Secundária Dr. Solano de Abreu, em Abrantes, houve reuniões de avaliação
coincidentes com a realização do exame. Os professores presentes em
reuniões, que acabaram por não se realizar, foram mobilizados, no
momento, para o serviço dos exames. Quem acedeu ficou ubíquo: assinou a
presença na reunião e no serviço de exames.
Ou Crato tem uma
réstia de juízo e anula o exame, com o fundamento evidente da violação
das normas mínimas que garantem a seriedade e a equidade exigíveis, ou
isto termina nos tribunais administrativos. A coisa é um acto académico.
Mas o abastardamento da coisa transforma-a num caso de tribunais. Não
faltará quem a eles recorra. Porque décimas da coisa determinam o
sentido de vidas.
O Júri Nacional de Exames, que se prestou a
cobrir a cobardia política de Crato, não se pode esconder, agora, atrás
do mandante. Não há cobardia técnica. Mas há responsabilidade técnica. O
Júri Nacional de Exames tem de falar. Já devia ter falado. O país está à
espera.
A Inspecção-Geral da Educação e Ciência tem de falar. Há responsabilidades, muitas, a apurar. O país está a ficar impaciente.
Crato
errou em cascata. Deu como adquirida a definição de serviços mínimos,
mas o colégio arbitral não viu jurisprudência onde ele, imprudente, a
decretou. Arrogante, fechou a porta que o colégio abriu, sugerindo a
mudança do exame para 20. Forçou a realização de um exame sem ter
garantidas as condições mínimas exigíveis. Criou um problema duplamente
iníquo: de um lado ficou com 55.000 alunos, potenciais reclamantes
ganhadores, porque foram submetidos a um exame onde todas as regras
foram desrespeitadas; do outro tem 22.000 alunos discriminados, porque
não puderam realizar um exame a que tinham direito. Com as normas que
pariu, ridicularizou o que sempre sacralizou: uma reunião de avaliação é
inviabilizada pela falta de um professor; mas um exame nacional pode
realizar-se na ausência de 100.000. Aventureiro, quis esmagar os
sindicatos, mas terminou desazado. Se não violou formalmente a lei da
greve, o que é discutível, esclareceu-nos a todos, o que é relevante,
sobre o conceito em que a tem. Cego, não percebeu que, de cada vez que
falava, mais professores aderiam à greve. Incauto, não se deu conta de
que as coisas mudaram para os lados da UGT. Demagogo, convidou
portugueses mal-amados no seu país, quantos com recalcamentos que Freud
explicaria, a derramaram veneno sobre uma classe profissional que deviam
estimar. Irresponsável, declarou guerra, e foi abatido. Crato
substituiu Relvas. É agora o fardo que o Governo, nas vascas da morte,
vai carregar até que Portas marque o velório. Ter ontem Crato nas
televisões, de lucidez colapsada, ladeado por dois ajudantes
constrangidos em fácies de cangalheiros, não pode ser o fim burlesco da
palhaçada.
in Público - ler artigo de opinião