(imagem daqui)
Especialistas garantem que esse relato sobre o ‘aparecimento' de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos é uma ficção.
O nascimento dos heterónimos, tal como Fernando Pessoa o relatou em
1935, ano que viria a ser o da sua morte, era demasiado bom para ser
verdade. O ‘Dia Triunfal', que terá acontecido há 100 anos, a 8 de março
de 1914, não sobrevive à análise do espólio do poeta. Além das dúvidas
quanto às datas de alguns manuscritos, há cartas do amigo Mário de
Sá-Carneiro que fazem referência a obras que supostamente ainda não
existiriam.
No entanto, aquilo que ficou para a história da literatura de Portugal, graças à carta que Fernando Pessoa escreveu ao crítico literário e amigo Adolfo Casais Monteiro, a 13 de janeiro de 1935, é que a génese dos heterónimos - apresentada como "o fundo traço de histeria que existe em mim" - teve o seu quê de épico: "Acerquei me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim."
A acreditar no poeta, que tinha então 46 anos, Alberto Caeiro foi o primeiro heterónimo a aparecer nesse dia. Ele, "que escrevia mal o português", o que era natural em quem não fora à escola, escreveu todos os poemas de ‘O Guardador de Rebanhos'.
Depois de encontrar o mestre, voltou a si próprio, escrevendo os seis poemas de ‘Chuva Oblíqua', mas ainda faltavam os discípulos. Ricardo Reis já estava latente, mas Pessoa garante ter-lhe então descoberto o nome, "porque nessa altura já o via". Depois, "num jato, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a ‘Ode Triunfal' de Álvaro de Campos".
Teresa Rita Lopes contrapõe a realidade dos factos a essa narrativa. "Nesse dia só escreveu dois poemas enquanto Alberto Caeiro, e a ‘Chuva Oblíqua'", garante a especialista na obra de Fernando Pessoa, que vai estar hoje, às 16h30, a falar sobre o ‘Dia Triunfal', na livraria Culsete, em Setúbal. De igual forma, Álvaro de Campos só nasceria meses depois, em junho de 1914, seguindo-se Ricardo Reis.
No entanto, aquilo que ficou para a história da literatura de Portugal, graças à carta que Fernando Pessoa escreveu ao crítico literário e amigo Adolfo Casais Monteiro, a 13 de janeiro de 1935, é que a génese dos heterónimos - apresentada como "o fundo traço de histeria que existe em mim" - teve o seu quê de épico: "Acerquei me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim."
A acreditar no poeta, que tinha então 46 anos, Alberto Caeiro foi o primeiro heterónimo a aparecer nesse dia. Ele, "que escrevia mal o português", o que era natural em quem não fora à escola, escreveu todos os poemas de ‘O Guardador de Rebanhos'.
Depois de encontrar o mestre, voltou a si próprio, escrevendo os seis poemas de ‘Chuva Oblíqua', mas ainda faltavam os discípulos. Ricardo Reis já estava latente, mas Pessoa garante ter-lhe então descoberto o nome, "porque nessa altura já o via". Depois, "num jato, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a ‘Ode Triunfal' de Álvaro de Campos".
Teresa Rita Lopes contrapõe a realidade dos factos a essa narrativa. "Nesse dia só escreveu dois poemas enquanto Alberto Caeiro, e a ‘Chuva Oblíqua'", garante a especialista na obra de Fernando Pessoa, que vai estar hoje, às 16h30, a falar sobre o ‘Dia Triunfal', na livraria Culsete, em Setúbal. De igual forma, Álvaro de Campos só nasceria meses depois, em junho de 1914, seguindo-se Ricardo Reis.
O Guardador de Rebanhos
I
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita coisa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.
Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural -
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.
Alberto Caeiro
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